Home / Cotidiano

COTIDIANO

Mercado de trabalho: onde estão os PCDs?

Em todo o Brasil, empresas de vários setores vivem dificuldades para cumprir a cota prevista na Lei no. 8.213, de 24 de julho de 1991, que prevê a contratação de Pessoas com Deficiências (PCDs). No estado de Goiás, de acordo com informações oficiais do INSS sobre PCDs, estão disponíveis para o mercado de trabalho, dados do ano de 2017, 471 segurados; em 2018 – 565 segurados e em 2019 – 442 segurados. Portanto, se Goiás possui, somente no setor de prestação de serviço, cerca de 200 mil trabalhadores na ativa, como conseguir tais profissionais para cumprirem as cotas de PCDs em todas as empresas?

Realidade que foi comprovada durante Feirão de Empregos para PCDs realizado pelos setores de asseio e conservação e segurança privada, na última sexta-feira, 22 de julho. Foram cerca de 368 vagas direcionadas aos PCDs, mas apenas 36 candidatos compareceram ao feirão. Desses, 14 candidatos foram efetivados e já estão em contrato de experiência em oito empresas.

Dos outros 22 candidatos, alguns deles deixaram de comparecer na empresa na data marcada para início do trabalho; outros recusaram as propostas por questões salariais e benefícios oferecidos; e ainda houve casos que desistiram da vaga por questões de horário e local de trabalho ou em razão dos cargos oferecidos.

Como se vê, a demanda é muito maior do que a oferta. Se considerar a união de apenas três setores: transporte público, limpeza e segurança privada, em Goiás são cerca de 63 mil trabalhadores. Para cumprir a cota, as empresas precisam contratar, por lei, entre 2% e 5% do seu quadro total. “Hoje não temos quantidade suficiente de profissionais PCDs que tenham interesse nas vagas e não existem profissionais disponíveis, habilitados e/ou reabilitados pelo INSS. Não temos um caminho justo a seguir”, desabafa Paulo Gonçalves da Silva, presidente do Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Urbana e Terceirização de Mão-de-Obra do Estado de Goiás (SEAC-Goiás).

No estado de Goiás, de acordo com informações oficiais do INSS sobre PCDs, estão disponíveis para o mercado de trabalho:

O maior desafio que as empresas vivenciam é que, como prestadoras de serviço, quase a totalidade de sua mão de obra cumpre expediente no contratante, como pela característica de sua atividade fim, em pontos pulverizados em todo o estado.

A empresas de transporte coletivo, bem como os sindicatos dos demais setores, além de divulgarem regularmente as vagas, ainda fazem busca ativa. Esses setores são os que mais têm dificuldade na contratação e chegaram a organizar feirão de emprego, mas não tiveram as vagas preenchidas. “Quando o PCD está apto a cumprir as funções do trabalho, ele desiste da vaga por entender que o valor do salário não compensa a perda do benefício que recebe do Governo (hoje R$ 1.212,00), muito menos o desgaste que terá com o deslocamento, tempo todo fora de casa e a própria atividade laboral”, explica Paulo Gonçalves “São milhares de vagas em aberto sem que consigamos preenchê-las”, completa.

Já se chegou a discutir aumento dos rendimentos dessas categorias, o que poderia inviabilizar a manutenção das empresas e, como consequência, a garantia dos empregos. “Se aumentamos a remuneração não conseguimos concorrer com as empresas irregulares do nosso setor e que atraem profissionais por não cumprirem os requisitos legais da atividade, e a terceirização deixa de ser vantajosa para o contratante, ele passa a fazer a contratação direta”, pondera Paulo.

Laísa Alves (nome fictício), 44 anos, é portadora de artrite reumatoide juvenil desde alguns meses de vida, ao nascer prematura e com a saúde frágil e enfrentado febre reumática, se aposentou como Pessoa com Deficiência (PCD) por volta dos 20 anos, após desenvolver uma tendinite aguda pelo trabalho de digitação em um dos poucos ambientes de trabalho que conseguiu oportunidade por quase dois anos. “Eu adorava, mas ficava muito doente. Fiquei praticamente 1 ano afastada, com atestado, por conta da minha saúde. Minha doença me impossibilitava de permanecer muito tempo em um mesmo trabalho e, para a minha mãe, a aposentadoria era uma segurança para mim, caso ela viesse a faltar. Então, coincidiu de ser tudo junto”, ressalta.

Dificuldades

Segundo o advogado da Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (Adfego), André Jonas, no que tange à pessoa com deficiência, é preciso analisar, primeiramente, a compatibilidade da deficiência da pessoa com o exercício da função. “O que acontece, na maioria das vezes, é que os serviços oferecidos são incompatíveis com a deficiência. Por isso, que às vezes, se torna mais dificultoso encontrar pessoas com deficiência para o exercício de determinadas funções, como na Segurança Privada, no Transporte Público, no segmento de limpeza”, aponta.

Ele destaca que os cargos mais procurados pelos PCDs hoje estão dentro da área administrativa, por serem compatíveis com a limitação ou com a deficiência do profissional. “Neste sentido, a pessoa acaba podendo atender, de forma satisfatória, tanto a necessidade da empresa, que possui respeito àquela condição, à limitação da pessoa com deficiência”, ressalta.

A entidade possui um departamento de seleção que recebe, por parte das empresas privadas, a solicitação das vagas, seja para cumprir cota ou pela própria necessidade da empresa. No entanto, alega, a grande dificuldade do mercado hoje, na maioria das vezes por parte empresa, está na falta de acessibilidade e da consciência que a pessoa com deficiência não tem condições de exercer as atividades. “É tipo associar a eficiência à questão da incapacidade, o que infelizmente, ainda em pleno século 21, é latente na mente da sociedade de forma geral”, explica.

Outros pontos a serem observados, destaca André, são os PCDs que não conseguem trabalhar por não possuírem a qualificação adequada e quando a empresa oferta vagas em modalidades que exigem um grande dispêndio físico. “Precisamos encontrar um profissional com deficiência que não tenha uma limitação muito severa, o que acaba dificultando também a inserção no mercado de trabalho”, avalia.

Uma realidade nacional

Segundo o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, entidade ligada ao Ministério do Trabalho, havia, em 2019 (últimos dados disponíveis), 701.424 vagas reservadas para PCDs. No entanto, apenas 53,02% do total (371.913) estão ocupadas, pouco mais da metade.

Dados da instituição de caridade ADD International apontam que 15% da população é constituída por pessoas com deficiências. Em números absolutos, são cerca de 1 bilhão de indivíduos em todo o mundo.

Atualmente cerca de 372 mil profissionais com deficiência estão empregados na Administração Pública, em empresas públicas e sociedades de economia mista e nas empresas privadas, o que representa uma ocupação de apenas 53% das vagas reservadas. Em municípios menores, as chances de postos formais são mais reduzidas, porque os pequenos negócios da economia local não estão sujeitos à obrigatoriedade de reserva de vagas.

Os desafios de cada setor

Transportes Coletivos

O setor de transporte público é um dos que estão, permanentemente, em busca de profissionais para preencher as vagas destinadas para PCDs.

O desafio é o mesmo. Numa atividade em que o maior número de profissionais é de motoristas e mecânicos. Para o vice-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano e Passageiros (SET), Alessandro Moura, a lei em vigência para cumprimento de cotas foi feita sem pensar na situação e no perfil da população brasileira. “Se é para aplicar pelo tamanho da população do país, que gira em torno de 212 milhões de brasileiros, não temos esse volume de profissionais deficientes”, compara.

No transporte público, situa, a área administrativa aloca apenas 10% dos profissionais, sendo a maioria distribuída em funções como motoristas e mecânicos, funções mais complicadas de serem operadas por pessoas com deficiência. “É uma luta permanente para preencher todas as vagas. Por mais que algumas sejam revertidas para o público comum, nosso esforço é diário para atender à lei”, frisa. “O próprio Judiciário já reconheceu o esforço das empresas neste sentido, que se empenham ao máximo para encontrar e contratar essas pessoas, seja por meio de divulgações, em entidades representativas e meios de comunicação com a sociedade”, aponta o vice-presidente do SET.

A concessionária HP Transportes, que integra a Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC), possui 978 funcionários hoje e, destes, 45 são pessoas com deficiências, alocadas em áreas administrativas, mecânica e motoristas, com deficiências que não afetam na condução da função, com segurança ao dirigir o veículo ou conserto de problemas dos carros.

A empresa chegou a receber, em maio deste ano, o Diploma de Honra ao Mérito na última segunda-feira, 9 de maio de 2022, durante a Sessão Especial em Comemoração ao Dia do Trabalho, pelo reconhecimento à atuação da empresa na contramão do preconceito e da discriminação, contribuindo para a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

Limpeza 

Quase a totalidade dos profissionais das empresas do setor exerce suas funções no contratante o índice chega a 99% dos funcionários. Para que o trabalho seja exercido num prédio, órgão público, empresas de qualquer natureza, é necessário que haja uma adaptação do ambiente físico para receber um PCD. E esse contratante não quer fazer o investimento. Dessa forma, as empresas veem a possibilidade de cumprimento das cotas ficar cada vez mais distante. “Percebemos que é necessário a construção de uma consciência coletiva para que os contratantes também aceitem profissionais com deficiência, sozinhos não conseguimos transformar essa realidade, mesmo que houvesse profissionais disponíveis”, avalia Paulo Gonçalves.

Segurança privada 

A atividade na área é regulada pela lei federal 7.102 de 1983. Ela prevê que um vigilante armado só pode exercer a função do cargo se passar por cursos e estar preparado para o trabalho. Os PCDs são limitados a alguns níveis de deficiência para que não coloque a sua própria vida e a do outro em risco. Segundo a lei, a empresa também não pode selecionar apenas um tipo de deficiência, dessa forma, torna-se quase impossível o cumprimento da cota, explica Ivan Hermano, presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada, de Transporte de Valores e de Cursos de Formação do Estado de Goiás (Sindesp).

O que diz a Lei

A lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe sobre os Planos de benefícios da Previdência Social, prevê na seção VI, que trata dos Serviços, e sua Subseção II, da Habilitação e da Reabilitação Profissional o seguinte:

Art. 93. A empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados ................... 2%

II – de 201 a 500 empregados ......... 3%

III – de 501 a 1.000 ............................ 4%

IV – de 1001 em diante ..................... 5%

Como cumprir a lei

Por conta da falta de PCDs disponíveis, aptos e com interesse em assumir os postos de trabalho, que são fora das empresas empregadoras, um caminho seria definir a cota com base no número de profissionais administrativos das empresas. “Temos visto que muitas empresas têm saído vencedoras em decisões na Justiça por provarem essa dificuldade de cumprimento de cota em virtude da sua atividade. No entanto, elas continuam sendo multadas pelo não cumprimento” explica a advogada trabalhista Kellen Pyles, que atende ao Seac/Sindesp.

A realidade das empresas de limpeza e segurança privada é diferente das demais, uma vez que a prestação do serviço acontece no contratante. Numa loja, por exemplo, um ambiente com riscos mínimos, adaptado, é mais provável o interesse do PCD. Já num trabalho que exige mais do trabalhador, as dificuldades são imensas.

A multa por não cumprimento da cota é aplicada por empregado que tem a obrigação de contratar, sendo devidamente elevada em casos de reincidência. De acordo com o portal Deficiente Online, o valor da multa pelo descumprimento da Lei de Cotas, a partir de 1º de janeiro de 2020, varia de R$ 2.926,52 até R$ 292.650,00 por profissional PCD não contratado, conforme o grau de descumprimento. É o que está previsto na Portaria Interministerial MTP/ME Nº 12, de 17 de janeiro de 2022. A penalidade é aplicada pelo Ministério do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho através de Ações Civis Públicas e alcança valores altíssimos. 

Leia também:

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias