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Mães que matam os filhos: O instinto materno é um mito?

Na semana passada um “crime” chocou moradores de Edéia (GO). Uma mulher matou a facadas as duas filhas, de 4 e 10 anos, em seguida fugiu. Ela foi presa horas depois com sinais de tentativa de suicídio. De acordo com testemunhas, a mulher sofre de depressão.

Mas esse não é um caso isolado, em maio de 2021, uma mulher de 24 anos matou queimado o filho recém-nascido, em Anápolis (GO). Ela disse à polícia que cometeu o “crime” porque estava com “muita vergonha” de ter a gravidez descoberta. Em novembro de 2019, uma mulher foi presa suspeita de matar o filho, de 6 anos, enforcado em Santa Helena de Goiás. Segundo a polícia, ela teria acordado o menino de madrugada para limpar a casa, mas ele não quis.

Casos como os que foram apresentados acima, têm sido cada vez mais comuns. Mas, o que leva uma mãe matar o filho? Que outros problemas estão por trás de tragédias como essas? Afinal, as mães são ou não são seres divinos e cheias de amor incondicional?

Fatores psicológicos

Segundo a psicóloga Michelle Branquinho, quando vemos notícias como essas, a gente assusta porque temos as mães como seres imaculados e acima de todas as suspeitas. Porém esquecemos que existem vários fatores por trás disso.

Para ela, existem pessoas más sim, não podemos desconsiderar esse fato, mas quando a gente fala de mães que agridem e chegam a tirar a vida dos filhos, nós estamos falando de problemas psiquiátricos, problemas mentais que muitas vezes vem de uma genética, um problema maior.

"Mãe tem uma tendência muito grande de abrir mão de si mesma para cuidar do filho, isso é muito cultural. Mãe deixa de comer para alimentar o filho, mãe deixa de dormir para velar o sono do filho, mãe deixa de vestir para vestir o filho e via de regra isso sempre é normal e o fato de isso acontecer, traz um desgaste muito grande", explica Michelle.

Conforme a psicóloga, as mulheres se doam demais e entendem que têm que fazer pelo outro, sem se preocupar com o próprio limite. Quando nós chegamos em um quadro em que a pessoa tem um problema psiquiátrico, esse se doar demais, a falta do sono, da alimentação correta, de uma rotina de vida saudável para uma pessoa, acaba se tornando um problema, que vai desencadear essa genética, essa situação que a pessoa já tem, num problema psiquiátrico. Veja o vídeo abaixo:

Michelle afirma que isso é muito sério e nós, enquanto sociedade, temos um papel muito grande em observar essas situações. Muitas vezes a sociedade contribui para esses quadros, porque acaba criticando mães que não cuidam dos filhos e que cuidam de si.

"A nossa cultura coloca a mãe como um ser que deve cuidar dos filhos e não cuidar de si. Essa mulher vai se desgastando e ao longo do tempo, transtornos psiquiátricos podem se desenvolver. A sociedade tem o papel de sinalizar e ajudar. Muitas vezes quando acontece algo e vamos investigar em volta, as pessoas dizem “mas ela apresentava tal comportamento”, “parecia um pouco agressiva mesmo e não era assim”, “de uns tempos pra cá ela mudou em tal comportamento”, mas nós nunca sinalizamos e tomamos uma atitude", ressalta a profissional. Veja o vídeo abaixo:

Sinalize, ajude, oriente a buscar ajuda de um profissional correto. Muitas vezes um tratamento medicamentoso, com psicólogo, psiquiatra pode evitar que tragédias grandes aconteçam, pontua Michelle.

Romantização da maternidade

A maternidade passa por quatro etapas: conceber, gestar, parir e maternar. Para conceber uma criança, são necessários um homem e uma mulher, para gestar é necessário apenas a mulher, para parir também somente a mulher. Já o maternar, que são os cuidados básicos para garantir a sobrevivência e o crescimentos saudável da criança, é uma tarefa que pode ser feita tanto pelo homem, como pela mulher que conceberam a criança ou qualquer outra pessoa.

A maternidade romantizada como conhecemos hoje é uma construção do patriarcado - que sempre desejou manter a mulher nos espaços privados, do Capitalismo – que necessita da geração gratuita de mão de obra, da Igreja e do Estado que necessitam de seguidores e cidadãos.

Foi um processo complexo implantado a várias mãos, mas sem dúvida o médico austríaco Sigmund Freud, criador da psicanálise e o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseu autor de obras como “O Contrato Social” e o “Émile” foram dois grandes expoentes. Suas obras, consideradas científicas, criticavam a maternidade como era praticada à época e designavam um novo modelo de maternagem.

Pode parecer estranho, mas nem sempre a maternidade foi o motivo da existência feminina. Foi preciso fazer um trabalho intenso para convencer a mulher sobre a existência do amor materno, pois, a maternidade não era algo agradável e muito menos divina como se prega atualmente.

A socióloga israelense Orna Donath (2017) expõe em seu livro “Mães Arrependidas” todo sofrimento da mulher que ao ser mãe e não conseguir exercer a maternidade perfeita, se perde em uma culpa infinita, sem saber que há milhares como ela. Porque não há lugar de fala para a mulher que não encontrou a felicidade na maternidade. Estas são consideradas doentes física ou moralmente. Ou sofrem de depressão pós-partos e outras complicações hormonais ou estão sem “Deus” no coração.

Sem falar da frustração das mães que não se encaixam nos requisitos esperados pela sociedade que insiste em dizer que a partir do momento em que uma mulher esta grávida, automaticamente, ela será uma boa mãe. Essa representação do que se instituiu como papel feminino ideal leva muitas mulheres a assumirem seus filhos por pura obrigação e culpa, pautadas em um perfil materno surgido a partir do século XVIII.

É necessário desacreditar que a maternidade é superior à paternidade, mas para tal é preciso desmistificar a amor materno inato e acabar com esse discurso moralizador que ainda cobra das mulheres o amor e cuidados incondicionais com seus filhos. Saiba mais sobre a construção da maternidade atual no documentário abaixo:

Conforme a doutora em sociologia Uianã Cruvinel, não existe um gene, um fator sanguíneo que leve as mulheres a desejarem a maternidade. "O amor materno é um mito. Ele não existe na vida real. A mãe constrói amor com o filho, a mulher constrói amor com o bebê. Não à toa o puerpério é uma fase tão difícil, porque a mãe, está conhecendo essa nova criatura que veio ao mundo, esse bebezinho tá conhecendo a mãe que ele ganhou", afirma.

Para Uianã, a maternidade é violenta, ela incide na vida da mulher em todos os níveis. A mulher que decide maternar, especialmente essa maternidade que nós vivemos hoje, que tem uma demanda extrema sobre a mãe, é uma maternidade que rouba 100% do tempo das mulheres.

"A maternidade é romantizada por grande parte da população. Quando minha filha nasceu, caiu a ficha sobre isso, mas de fato a maternagem não é um mar de rosas, aliás é muito difícil e desafiador para a mãe. Me vi na metade do dia sem ter me alimentado direito e ao menos ter escovado os dentes que "sufoco". Você se doa por completo e não é o suficiente, somos vistas como super-heroínas e não somos. Muitas vezes não consigo nem usar o banheiro individualmente, lavar o cabelo, me curtir. Mas para que né?? Muitos dizem a frase nasce um filho nasce uma mãe, mas deveria estar incluso: morre uma mulher", afirma a empresária Lorrane Gabriele da Silva Camargo.

Conforme o sociólogo e filósofo Nildo Viana, essa concepção sempre positiva da mãe presente na sociedade, além de construir uma ideia de que existe uma mãe ideal que é sempre carinhosa, cuida da criança e é responsável, nos impossibilita aceitar que a mãe pode abusar, abandonar, maltratar e até matar a sangue frio, porque essas atitudes vão contra todas as crenças criadas e atualmente aceitas pela a sociedade.

Mas, assim como o homem, a mulher carrega egoísmo, ambição, ódio, desejos e outros sentimentos que quebram todo um conjunto de valores instaurados. E continuarmos com os discursos partindo da premissa de que a mãe ama e cuida do filho incondicionalmente, independente de suas condições físicas, emocionais e culturais e do contexto da concepção e gestação, vamos continuar julgando, condenando e responsabilizando apenas a mãe que é a maior vítima desse processo construído ao longo da história.

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