Cotidiano

A história é outra

Diário da Manhã

Publicado em 2 de março de 2017 às 02:08 | Atualizado há 4 meses

“Quem pensa que a Petrobras está quebrada, que a produção do pré-sal é lenta, que o pré-sal é um mico e não tem valor ou que a exportação de petróleo por multinacionais pode desenvolver o Brasil, está sendo enganado. É vítima da ignorância promovida pelos empresários da comunicação, políticos e executivos à serviço das multinacionais do petróleo e dos bancos”, afirma Felipe Coutinho.

Quem é estes Felipe Coutinho? Ninguém menos que o presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás. engenheiro com formação também em economia, Felipe publicou recentemente, no site da entidade, um artigo, aliás, um ensaio, em que refuta, com números e informações incontroversas, o ramerrão de que a grande estatal brasileira do Petróleo esteja, do ponto de vista técnico, falida, conversa que virou lugar comum na grande imprensa brasileira: “A construção da ignorância sobre a Petrobrás”.

Virou moda falar da quebradeira da Petrobras sem o menor conhecimento de causa. As ações da Lava-jato reforçam esta falsa percepção. Os advogados da privatização ampliam esta falsa crença. Parece ter razão os que sustentam que o costume de se difamar a Petrobras esconde o interesse em se privatizá-la. Ela seria vendida a preços vis, já que estaria falida. Depois de alienada na bacia das almas, a alguma grande multinacional – pois não há no Brasil quem possa comprá-la, mesmo a preço de banana -, ela votaria, milagrosamente, a pagar elevados dividendos aos seus acionistas.

Pré-Sal

A província do pré-sal é a maior descoberta das últimas décadas e está entre as maiores da história. São estimadas reservas de 30 a 100 bilhões de barris de petróleo, volume que pode ser superado em função da natureza geológica, do desenvolvimento tecnológico e das condições macroeconômicas.

A Petrobras investiu centenas de milhões de dólares na sua prospecção. Teve que desenvolver sua própria tecnologia de perfuração para ter acesso a esta riqueza.

Mas também a Petrobrás, como assinala Coutinho, tem sido vítima da sina colonial que ainda nos oprime. Desde o Brasil Colônia até a República a economia brasileira se dedica ao suprimento de matérias primas para os centros imperiais. Pau brasil, cana de açúcar, minérios (ouro, prata e diamantes), cacau, borracha, dendê, café. Hoje, ainda os minérios, a soja, a carne etc.

“Todos os ciclos têm características comuns” nota o autor. “Beneficiam uma pequena elite, passam por períodos de ascensão, ápice e queda; deixam o rastro de devastação ambiental e social, com a maior parte da população excluída dos ganhos nos períodos prósperos, mas herdeira do caos do período decadente. Privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.”

Segundo Coutinho, “nenhum país se desenvolveu exportando petróleo por meio de multinacionais estrangeiras. Nenhum país, continental e populoso como o Brasil, se desenvolveu exportando petróleo. Existe correlação entre o desenvolvimento humano (IDH) e o consumo de energia primária per capita”.

Mas vamos à demonstração. Diz Coutinho que entre 2003 e 2014 a Petrobras assumiu riscos com a elevada exposição ao preço do dólar e à política monetária do Banco Central dos EUA. Assumiu riscos em relação ao câmbio, preço do petróleo, ao alto nível de investimento para exportação e à dívida em moeda estrangeira. “A desvalorização do Real e do Petróleo não são eventos independentes, são consequências da valorização do dólar, resultado do fim dos ciclos de liquidez monetária do FED (Quantitative Easing, QE).” Para demonstrar essa assertiva, ele colaciona inúmeros dados estatísticos e amplia a compreensão dos mesmos em um gráfico cartesiano, onde fica clara a forte relação causal entre preços de petróleo e variação cambial.

Outro gráfico revela que de 2009 a 2014, com os ciclos de liquidez monetária, através da compra e acúmulo de títulos públicos e hipotecários pelo FED, a moeda norte americana se desvaloriza. Com o fim dos ciclos de injeção monetária, em agosto de 2014, a moeda norte americana se valoriza com severo impacto na desvalorização do real e do petróleo.

Coutinho observa que o plano estratégico de 2011, por exemplo, dependia da elevação do endividamento em dólares e contavam com a projeção de receita futura com a venda em reais no mercado interno e a exportação de petróleo valorizado. Condições dependentes da desvalorização do dólar e, portanto, vulneráveis a sua apreciação.

“O correto, e mais prudente”, avalia, “seria projetar o crescimento da produção de petróleo na medida da demanda interna, agregar valor com a produção de derivados, petroquímicos, fertilizantes etc. Além de substituir importações para reduzir a necessidade de dólares”.

Além dos riscos assumidos, , acrescenta, houve a subordinação da Petrobras ao cartel dos empreiteiros, “viabilizada pelos políticos traficantes de interesses e por executivos de aluguel”. Também relevante foi o prejuízo derivado da política de subsídios aos preços dos combustíveis, com perdas entre 20 e 30 bilhões de dólares aos cofres da companhia”.

Todos esses erros podem ser debitados ao governo Dilma. Erros de planejamento estratégico, evidentemente. Dilma, inclusive, autorizou o antecessor de Pedro Parente a por em prática um audacioso plano de desinvestimento, que incluiu, entre outras coisas, paralisar a construção de duas refinarias no nordeste, uma em Pernambuco e outra no Ceará. Refinarias que dariam ao Brasil auto suficiência na produção de combustíveis. Apesar do Brasil não precisar mais importar petróleo, tem contudo necessidade de importar derivados devido à incapacidade do nosso parque de refino suprir a demanda interna.

Os novos erros

“Os erros do passado não podem ser utilizados para justificar os erros do presente. É possível reduzir a dívida da Petrobras sem realizar as privatizações previstas entre 2017 e 2021 de US$ 19,5 bi”, afirma coutinho.

O Plano Estratégico e de Negócios (PNG 2017-2021) prevê receita de 179 bilhões de dólares entre 2017 e 2021. Deste montante, 158 bilhões são resultado da geração operacional após o pagamento dos dividendos. Outros 19,5 bilhões da venda de ativos e 2 bilhões do caixa. Entre os usos, prevê 74 bilhões em investimentos, 73 bilhões em amortizações e 32 bilhões em despesas financeiras.

Como resultado, o plano antecipa a redução da alavancagem (razão entre a dívida líquida e o fluxo de caixa após pagamento dos dividendos) de 4,5 para 2,5 em 2018. “Demonstramos que a Petrobrás não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento. Ao contrário, na medida em que vende ativos, reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e se desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo da geração futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários”, alerta o engenheiro.

Para Coutinho, a alienação de ativos é uma escolha política e empresarial, que ele reputa desnecessária. Ou seja, não é condição de viabilidade da recuperação financeira da estatal. Ele apresenta uma alternativa que preserva a integridade corporativa da Petrobras e sua capacidade de investir, na medida do desenvolvimento nacional e em suporte a ele.

Seu plano garante a sustentação financeira, tanto pela redução da dívida, quanto pela preservação da geração de caixa a médio prazo. Sem vender um único ativo, a alavancagem poderia cair de 4,5 para 3,1 em 2018, indicador inteiramente razoável. A amortização anual da dívida, com recursos de parte da geração de caixa, resultaria na redução da alavancagem para 2,5 em meados de 2021. “O estudo é conservador na medida em que não contabiliza a geração de caixa adicional pela preservação dos ativos rentáveis que se pretende vender até 2018”, explica coutinho.

A privatização era tratada publicamente com o eufemismo do desinvestimento, e ainda é tratada desta maneira no Plano Estratégico (PNG 2017-2021). Entretanto, desde que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Justiça Federal suspenderam a venda dos ativos sem licitação, por meio da negociação direta ou das cartas convites, a direção da Petrobras passou a tratar da privatização sob o novo eufemismo das parcerias”, denuncia Coutinho.

Além do falso argumento de que é necessário privatizar para reduzir a dívida, os apologistas das parcerias argumentam que elas seriam benéficas porque trariam aprendizado tecnológico e de gestão para a Petrobras. As trevas querendo iluminar a luz! A descoberta do pré-sal e o sucesso do seu desenvolvimento sob a liderança da Petrobras revelam que tais argumentos valem apenas para atestar a mentalidade colonizada e entreguista dos que os sustentam.

Prejuízos contábeis e Impairment

A opinião pública é manipulada em função dos prejuízos contábeis registrados nos balanços de 2014, 2015 e 2016 (terceiro trimestre, balanço anual ainda não consolidado). Mas este “prejuízo contábil” é resultado da reavaliação dos ativos por meio dos testes de recuperação de valor , a que economistas pedantes dão o nome de “impairment”, que soa mais chique. É simples. Na reavaliação dos ativos, você atribui a uma, digamos, poltrona, uma valor abaixo do que costumava ter. Aí, no balanço, este impairment transparece como prejuízo latente. Esse tipo de prestidigitação contábil faria sentido se a empresa estivesse a venda no mercado. Mas empresas como a Petrobrás não são oferecidas à praça como mercadoria ordinária.

Em todo caso, uma vez que a intenção, cada vez menos encoberta, é mesmo privatizar a companhia, a contabilidade criativa serve de atrativo a eventuais adquirentes. Os interessados em propalar a quebra da Petrobras se fixam nos”prejuízos contábeis” e esquecem dos pujantes resultados operacionais que revelam a imensa capacidade de geração de riqueza da companhia. “Também não consideram as altas e crescentes reservas em caixa e que a simples valorização do real perante o dólar já reduziu a significativamente a dívida”, denuncia Coutinho.

De fato, em 31 de dezembro de 2015, cerca de 84% do endividamento eram denominados em outras moedas (74% em dólar norte-americano). Da dívida total de 126 bilhões de reais, 93 bilhões eram marcados em dólares. “Com a valorização da cotação do real de 3,95 para 3,07 para cada dólar, entre 30/12/15 e 15/2/17, podemos estimar uma redução equivalente a 82 bilhões de reais ou 26,7 bilhões de dólares na dívida”, demonstra Coutinho. Só a redução da dívida pela simples apreciação do real é 37% maior do que a Petrobras planeja arrecadar com a privatização que resultará na saída das atividades de produção de biocombustíveis, distribuição gás de petróleo etc. Felipe expõe uma série de dados contábeis para demonstrar que a empresa, por suas próprias forças, vem se recuperando bem e que pode obter os recursos de que necessita para se reequilibrar sem ter que fatiar seus ativos e vendê-los a preços vis.

Até 2014, antes das revelações da Lavajatos, as consultorias independentes aprovaram todos os balanços anuais sem ressalvas. Pós Operação Lava Jato, se viram sob risco de sofrerem processos que poderiam resultar em multas e ressarcimentos milionários. O resultado foi o atraso na divulgação do balanço auditado e a aplicação do “impairment” como maneira indireta de aferir as perdas pelo sobrepreço resultado da corrupção, aplicação questionável tendo em vista que no mesmo balanço de 2014 a Petrobras estimou perdas diretas relativas aos contratos com empresas envolvidas na Lava Jato, chegando ao montante de 6,3 bilhões de reais.

Citando um artigo de Luis Nassif, Coutinho diz que se o “teste do impairment teoricamente calculou o valor justo dos ativos, se se descontar o suposto valor da corrupção, haverá uma subavaliação e o balanço não refletirá a situação da empresa. No caso da Petrobras, o teste do impairment levou a uma baixa contábil de R$ 44,3 bilhões; o tal cálculo aleatório da corrupção, a mais R$ 6,3 bilhões.”

A única forma de se aferir com toda segurança qual teria sido o prejuízo da Petrobrás em virtude de superfuramento com as empresas lavajáticas, seria a auditagem de cada contrato. Ninguém fez isto, Deltan Dallagnol não o requereu e o Moro não o determinou. A real expressão monetária do suposto prejuízo causado à Petrobras por alegados superfaturamentos permanece do santo do santo de todo este embrulho. Ninguém ousa penetrá-lo tamanho o medo de dar de cara com a verdade.

Na indústria do petróleo, ninguém contabiliza o ovo ainda no ovário da galinha. Se o Pré-sal fosse apenas uma promessa passível de ser descumprida, seria natural que fosse considerado um ativo de pouco valor. “Ressalte-se, contudo” diz Felipe Coutinho, “que os ativos referentes ao Pré-Sal não estão devidamente valorados no ativo contábil da Petrobras”, afirma. Informa ele que ativos da área de Abastecimento, como algumas refinarias já amortizadas, também não estão devidamente precificados. Os elevados volumes recuperáveis de petróleo do Pré-Sal, que, atualmente, são o grande ativo da Petrobras, ainda estão no reservatório e não podem ser contabilmente registrados no ativo da empresa. Embora se saiba que o o petróleo está lá, somente passa a ser propriedade da Petrobras depois de extraído.

Com as importantes descobertas no Pré-Sal, as reservas da Petrobras devem ultrapassar 40 bilhões de barris. Outras áreas deverão aumentar significativamente as reservas da empresa. “Nenhuma empresa de petróleo triplica suas reservas e aumenta sua produção sem grandes investimentos e, consequentemente, sem aumento, no curto prazo, do seu endividamento e da sua alavancagem”, argumenta o engenheiro”. Para os que acusam a Petrobrás de estar excessivamente alavancada, o petróleo, animado por alguma inefável força sobre-natural, deveria jorrar espontaneamente de suas jazidas submarinas diretamente para as refinarias, sem qualquer custo sem maiores custos senão os honorários pagos ao feiticeiro encarregado convocar as forças do além para a realização de tão prodigioso prodígio.

A relação contraditória entre a Petrobras e as consultoras ditas “independentes” desde as revelações da Lava Jato, a polêmica aplicação do teste de “impairment” para indiretamente estimar o sobrepreço nos ativos, a estimativa extrapolada das propinas registradas, redundantemente, como prejuízo no balanço de 2014, a desconsideração das descobertas do pré-sal no cálculo do valor de recuperação dos ativos e o indisfarçável interesse em depreciá-los, foirmando o quadro sinistro da “situação financeira da Petrobras”, servem, na opinião do engenheiro, “para justificar perante a opinião pública a venda açodada de seus ativos, o que nos permite questionar o interesse dos agentes envolvidos”.

A sociedade que conhecemos foi erguida sobre o pétrole e dele depende. O fim do petróleo barato de se produzir e a redução do excedente energético e econômico da indústria petroleira está transformando, aceleradamente, a sociedade. “É necessário garantir a propriedade do petróleo e ficar com seu valor de uso para atender as necessidades dos brasileiros e erguer a infraestrutura dos renováveis para uma nova organização produtiva e social”, afirma Felipe.

 

 


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias