Adoção poliafetiva em Goiás
Redação DM
Publicado em 29 de junho de 2016 às 02:57 | Atualizado há 8 mesesEm Rio Verde, um menino terá uma certidão diferente dos demais: com o nome da mãe e dos tios. A adoção poliafetiva foi concebida pelo juiz Rodrigo de Melo Brustolin, que julgou procedente o pedido do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e deferiu a adoção da criança, determinando que o nome da mãe biológica permaneça na certidão.
Os pais socioafetivos são tios-avós da mãe biológica do menino e cuidam da criança há três anos, desde quando ele tinha dois anos de idade. Eles conseguiram a guarda após serem acolhidos em centro de abrigamento temporário, em razão de a mãe tê-lo abandonado em casa sozinho.
De acordo com o processo, avó e bisavó materna não manifestaram qualquer interesse em cuidar da criança, e a mãe alega não ter intenção de cuidar do filho, por não ter, de acordo com ela, “condições econômicas e emocionais” para isso. Não fazendo qualquer objeção quanto à adoção da criança.
A criança também apresenta desde o nascimento problemas no rim esquerdo (hidronefrose grau III), razão pela qual necessita de cuidados especiais, os quais têm sido prestados pelos tios-avós desde sempre.
De acordo com Rodrigo, os autos revelam que os tios, por ato voluntário da mãe biológica da criança, já detêm todos vínculos de pais com a criança e que pretendem apenas regularizar a situação. O magistrado levou em consideração os relatórios psicossociais e os de estudo social realizado com as partes do processo, ficando clara a formação de vínculo familiar entre as partes, “os quais ela reconhece como pais e de quem tem recebido toda a assistência material e afetiva necessários ao bom desenvolvimento do menino. ”
Com relação ao pedido de que o nome da mãe biológica permaneça no registro de nascimento da criança, juntamente com o nome dos requerentes, o juiz destacou que não existia previsão legal nesse sentido, mas considerou a existência de fortes vínculos afetivos entre as partes. Portanto, não viu razão para não acatá-lo, afirmando que “é preciso atender o melhor interesse da criança. ”
Casos
Apesar de causar estranheza, a decisão não é inédita. Em Pernambuco, outro juiz considerou pertinente compartilhar a guarda de uma criança com mais de duas pessoas, num sistema de adoção poliafetiva.
No caso, a madrasta possuía guarda desde o nascimento da criança. Por dificuldades financeiras, a mãe biológica abriu mão da guarda provisoriamente, para que o pai e sua companheira cuidassem do bebê. Desde então, a família garantiu os direitos básicos para o desenvolvimento da criança. Contudo, a mãe biológica permaneceu tendo vínculo e convívio com o menor.
No entendimento do juiz Élio Braz, tanto a genitora quanto a madrasta possuíam laços filiares com a criança e que não podia afirmar quem melhor desempenhava a função materna. “No plano da realidade, ambas, a requerente e a genitora biológica, são responsáveis pela criação do infante, cabendo a elas, em conjunto, a responsabilidade pelo dever de guarda, sustento e educação”, escreveu o magistrado.
Em decisão, o juiz também explica que o Direito de Família tem sido sabiamente conduzido através dos laços de afetividade que nascem a partir das relações humanas. É a afetividade a principal responsável pela constituição da família, seja ela de qual natureza for.
Direito
O novo paradigma trazido pela Constituição da República de 88, reafirmado e respaldado pelo Código Civil, criou perspectivas do que se entende por despatrimonialização e de repersonalização do Direito Civil: a pessoa, e não mais o patrimônio, é o centro das disposições legais. Ou seja, as pessoas e a dignidade humana passam a ser o vetor máximo de interpretação e criação do direito. A família deixou de ser um fim em si mesmo e passou a ser um instrumento para a concretização de direitos fundamentais.
Partindo desses princípios, não é possível estabelecer um conceito fixo e restrito de família. É preciso promover e reconhecer os agrupamentos humanos em que o valor jurídico “socioafetividade” esteja presente.
Seguindo esse raciocínio, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o número de família previsto na Constituição da República de 1988 é meramente exemplificativo (duas partes, homem e mulher). Isso porque, sendo a família um instrumento para garantir a dignidade humana e seus direitos fundamentais, toda e qualquer modalidade dela deve ser reconhecida e protegida pelo direito, e não largadas à informalidade.
Isso implica, veladamente, com o reconhecimento do amor como um valor jurídico, trazendo a conclusão de que os laços afetivos são adequados para constituir relações merecedoras de serem reconhecidas pelo direito. E isso não respalda o reconhecimento apenas de famílias poliafetivas, mas como a homossexual, dando mérito para ambas terem o direito de adoção.
Diferente de casos comuns de adoção, onde se segue o artigo 41 do Diploma Infantojuvenil, que exige o desligamento dos vínculos de filiação com a família originária, no caso da família poliafetiva, a adoção pode ser considerada como “sui generis” (do mesmo gênero), pois ao decretar a condição de filho ao adotado, não é decretado a destituição do poder “família” aos pais biológicos. Ou seja, o adotado não é desligado aos vínculos preexistente com a família originária. Como nos exemplos já citados, como tios e mãe, ou pais e madrasta.
O motivo disso é muito simples. Não cabe a ninguém definir quais dos pais, natural ou afetivo, desempenha a função familiar de forma melhor. Teoricamente, ambos são responsáveis pela criação e desenvolvimento do menor, cabendo em conjunto a responsabilidade de guarda, sustento e educação.
O reconhecimento de tais famílias deve se atentar à evolução das relações sociais, que vão além da figura de uma família ligada por vínculos somente de consanguinidade, para assegurar a paternidade e maternidade socioafetiva e todos os direitos oriundos desse parentesco civil.