Cotidiano

Advocacia brasileira exige respeito à Constituição

Diário da Manhã

Publicado em 3 de abril de 2018 às 01:04 | Atualizado há 7 anos

Diversas entidades estão mo­bilizadas na coleta de assinatu­ras para uma “Nota de Defesa da Constituição”, a ser entregue aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. A nota se posiciona con­tra possibilidade de prisão de con­denados com sentença confirma­da em segunda instância.

O documento, que járeúne cer­ca de 3 mil assinaturas e mais 6 mil adesões por entidades éencabe­çado por entidades representa­tivas da advocia brasileira, como a Abracrim – Associação Brasilei­ra dos Advogados Criminalistas, IGP – Instituto de Garantias Pe­nais, IAB – Instituto dos Advoga­dos Brasileiros, IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa, ABJD – Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia, Sindi­cato dos Advogados do Estado de São Paulo, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Anadep – Associação Nacional dos Defensores Públicos, Defensoria Pública do Estado Rio de Janei­ro, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Núcleo de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul–Nudecrim/ DPERS, Acriergs – Associação dos Advogados Criminalistas do Rio Grande do Sul, CAAD–Coletivo Advogadas e Advogados pela De­mocracia, ADJC–Advogados e Ad­vogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania, dentre outros.

As entidades pedem aos onze Ministros do Supremo Tribunal Federal que analisem imediata­mente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade no 43 e 44, relativas àaplicação do art. 283 do CPP, que repete o disposto no art. 5º, inciso LVII da Consti­tuição Federal que veda a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. As ADCs estão àdisposição da pre­sidência do STF desde dezembro de 2017, sem previsão de entrar em pauta para análise.

O documento encaminhado àCorte Suprema éfirmado pe­los presidentes das entidades e por nomes célebres na advocaia braileira, como Juarez Tavares, Marcelo Neves, Geraldo Prado, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), Técio Lins e Silva, Lenio Streck, Alberto Zacharias Toron, Cezar Bittencourt, JoséEduardo Cardoso, Pedro Carrielo, Kena­rik Boujukian, Maíra Fernandes, Leonardo Isaac Yarochewsky, Ro­berto Tardelli, Elias Mattar Assad, Ticiano Figueiredo, Fábio Tofic Si­mantob, Bruno de Almeida Sales, Cristiano Avila Maronna, Fábio Mariz, Luís Carlos Moro, Cezar Britto, Caroline Proner, Valeska Teixeira Zanin Martins, Gisele Cit­tadino, Marcelo Nobre, Michel Saliba, Amilton Bueno de Carva­lho, Miguel Pereira Neto, Cristia­no Zanin Martins, Aldimar As­sis, e Juliano Breda, entre outros.

“As decisões posteriores dessa mesma Casa mostram a fragili­dade da decisão anteior, gerando insegurança jurídica e ausência de isonomia entre os pacientes, a depender de qual dos 11 juízes analise seu caso concreto”, diz o documento que acompanha o abaixo-assinado.

Em 2009, o STF havia decidido, por ampla maioria, que as even­tuais prisões sópoderiam ocor­rer após o trânsito em julgado. No entanto, em 2016, por seis votos contra cinco, os ministros decidi­ram pela possibilidade de prisão em segunda instância. A partir daí, diversas entidades se uniram para subscrever as ADCs 43 e 44, subli­nhando a previsão constitucional da presunção da inocência.

NOTA EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO

Advogados/as, defensores/as público/as, juizes/as, membros do Ministério Público, professo­res de Direito, e demais profissio­nais da área jurídica que abaixo subscrevem vêm, através da pre­sente nota, em defesa da Consti­tuição, bradar pelo respeito aos direitos e garantias fundamen­tais, notadamente da presunção de inocência, corolário do Estado Democrático de Direito.

A Constituição da República Fe­derativa do Brasil de 1988 consa­gra, em seu texto, o direito àliber­dade (artigo 5°, caput, da CR/88).

Direito esse que transcende a própria realidade humana. O respeito àdignidade humana éum dos fundamentos do Estado Constitucional.

No título que trata dos direitos e garantias fundamentais – cláusula pétrea – a Constituição da Repúbli­ca proclama que “ninguém seráconsiderado culpado atéo trânsi­to em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII CRFB).

Ninguém, absolutamente nin­guém, seráconsiderado culpa­do enquanto não houver esgota­do todos os recursos. Daídecorre que, exceto nos casos de prisão em flagrante ou prisão provisória (temporária ou preventiva), uma pessoa sópoderáser presa depois de uma sentença condenatória definitiva (quando não houver mais possiblidade de julgamen­to). Gostemos ou não, a Consti­tuição da República consagrou o princípio da presunção de ino­cência. De qualquer modo, qual­quer outra interpretação que se possa pretender, equivale a ras­gar a Constituição. No dizer de Ulysses Guimarães, “o documen­to da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”.

O STF (Supremo Tribunal Fe­deral) jádecidiu que a prisão cau­telar, que tem função exclusiva­mente instrumental, jamais pode converter-se em forma antecipa­da de punição penal.

Assim, àluz do princípio cons­titucional, éinconcebível qualquer formas de encarceramento decre­tado como antecipação da tutela penal, como ocorre na hipótese de decretação da prisão em de­corrência da condenação em se­gunda instância – hipótese odio­sa de execução provisória da pena – em que a prisão éimposta inde­pendente da verificação concreta do periculum libertatis. Éimpor­tante salientar que, em nosso sis­tema processual, o status libertatis (estado de liberdade) éa regra, e a prisão provisória a exceção.

Na concepção do processo pe­nal democrático e constitucional, a liberdade do acusado, o respeito àsua dignidade, aos direitos e garan­tias fundamentais são valores que se colocam acima de qualquer in­teresse ou pretensão punitiva es­tatal. Em hipótese alguma pode o acusado ser tratado como “coi­sa”, “instrumento” ou “meio”, de tal modo que não se pode perder de vista a formulação kantiana de que o homem éum fim em si mesmo.

Éimperioso salientar que quan­do defendemos a efetivação do princípio da presunção de inocên­cia, não o fazemos em nome deste ou daquele, desta ou daquela pes­soa, mas em nome de todas e to­dos e, especialmente, em nome da Constituição da República.

A par do que jávem sendo dito, cumpre destacar que o não julga­mento imediato das ADCs 43 e 44, com a declaração de constitucio­nalidade do art. 283 do Código de Processo Penal e, consequente­mente, com a proclamação defi­nitiva do princípio constitucional da presunção de inocência, tem levado – conforme dados estatís­ticos apresentados pela Defenso­ria Pública – milhares de homens e mulheres a iniciarem o cumpri­mento provisório da pena antes de esgotado todos os recursos, com incomensurável prejuízo a liber­dade e a dignidade humana.

Assim, em defesa da Constitui­ção da República, esperamos que o Supremo Tribunal Federal cumpra com o seu dever de proteção dos direitos e garantias fundamentais, sob pena de frustrações de con­quistas inerentes ao próprio Esta­do Democrático de Direito.

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