Aids ainda preocupa
Redação DM
Publicado em 30 de novembro de 2015 às 15:27 | Atualizado há 5 mesesPor Fernanda Laune
Amanhã, 1 de dezembro, é comemorado o Dia Nacional de Luta contra a Aids, que teve seu primeiro caso notificado no mundo em 1977 e 1978 nos Estados Unidos, Haiti e África Central, e no Brasil em 1982. A estimativa de acordo com o Ministério da Saúde é que existe atualmente 650 mil portadores dovírus do HIV (sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, causador da aids), com registro de 32 mil novos casos por ano e 11 mil óbitos.
Em Goiás, a Secretaria Estadual de Saúde divulga hoje o novo boletim epidemiológico da Aids. Os últimos números mostram que cerca de 42 mil pessoas são portadoras do vírus HIV e o Centro-Oeste representa 5,8% de casos no país. O primeiro caso de aids no Estado foi em 1984 e desde o início da epidemia até julho de 2014, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 12.804 casos da doença.
A maioria dos portadores de aids são do sexo masculino, representando 67,71%, 32,23% do sexo feminino e 0,1% casos ignorados. São 98,3% indivíduos maiores de 13 anos, contra 1,7% menores dessa idadae. Indivíduos entre 30 a 39 anos representam maior número de incidência de aids, seguido por 20 a 29 anos, 40 a 49 anos e jovens de 15 a 19 anos.
A aids que chegou a ser considerada nos anos 80 como “sentença de morte”, tem diminuição da taxa de mortalidade com 13% nos últimos 10 anos, com 5,7 casos de mortes por cada 100 mil habitantes em 2013. A epidemia da doença no país está estabilizada, com taxa de detecção em torno de 20,4 casos a cada 100 mil habitantes.
De acordo com Anamaria Arruda, médica especialista no assunto e diretora geral do Hospital de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad (HDT/HAA) e do Condomínio Solidariedade, no mundo em geral a aids tem sido estabilizada e que no Brasil houve melhora o diagnóstico precoce e no acesso da população aos serviços de saúde. “O que tem nos preocupado é o aumento da incidência da doença em adolescentes e jovens”, afirma Anamaria.
Para ela, esse acréscimo de casos nessa faixa etária pode estar relacionado ao fato da juventude não ter passado pelo surgimento da aids, nas décadas de 80 e 90. “Falamos que a aids no começo tinha uma cara, ela deformava, como aconteceu com Cazuza. O que gerou muito medo nas pessoas e consequentemente mais proteção. Porém, a juventude de hoje não viu isso, já pegaram uma aids que é tratada, não curada, mas controlada com ajuda de medicamentos eficientes dando uma condição de vida melhor e maior longevidade”, comenta.
Anamaria explica que as pessoas esqueceram um pouco de como é ter aids, que também leva a óbito caso não seja tratada corretamente. Por isso, a juventude com a vida sexual extremamente ativa, não compreende bem a gravidade em não se prevenir, cuidar e proteger. “Isso não é por falta de informação, pois ela tem. Mas acredito que seja pela falta de formação, de como trabalhar a informação, fazendo com que aumente a transmissão sexual, além do aumento no uso de drogas injetáveis, o que também contribui”, esclarece.
Ao longo da evolução da aids, a epidemia era mais presente em círculos cosmopolitas de grandes metrópoles nacionais, com predominância ao sexo masculino. Anamaria explica que o quadro vem sofrendo transformações com a feminização, pauperização, interiorização e infantilização.
Também esclarece que houve uma época em que foi comum a transmissão vertical, na qual as gestantes transmitiam o vírus para o bebê, mas com a prevenção essa forma de contágio diminuiu bastante. “Aqui em Goiás, como por exemplo no HDT, é quase zero o número de casos de transmissão vertical”, ressalta a diretora. E completa que a principal causa da aids é a transmissão precoce por relações sexuais desprotegidas e pelo uso de drogas injetáveis.
Condomínio Solidariedade
Com objetivo de proporcionar maior apoio para pacientes com doenças infecciosas e dermatológicas, é inaugurado hoje (30) as novas instalações do Condomínio Solidariedade. A unidade foi criada meados da década de 1980, período que foram notificados os primeiros casos de HIV/Aids em Goiás. O local comemora 20 anos de fundação, mas ficou anos em depreciação estrutural. Em 2014, passou a ser gerido pelo Instituto Sócrates Guanaes (organização social responsável pelo Hospital de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad – HDT) e agora conta com novas instalações e passa a ser um Centro de Atendimento Multidisciplinar.
O Condomínio agora está divido em dois núcleos: apoio psicossocial (casa de apoio) e assistência médica multidisciplinar, com atendimentos nas áreas de fisioterapia, psicologia, odontologia, nutrição, serviço social e enfermagem. Além de novo projeto arquitetônico e re-equipação, através de recursos da Secretaria de Estado da Saúde (SES).
De acordo com a diretora Anamaria Arruda, a nova estruturação vai dar apoio aos portadores da aids que mesmo com avanços no tratamento ainda têm um envelhecimento mais precoce, e também pela interiorização geográfica da doença. Os pacientes terão maior qualidade de vida, diminuição da hospitalização, hospedagem temporária para pacientes do interior em tratamento na Capital e reinserção na sociedade e no mercado de trabalho.
A unidade contará com 30 novos leitos para pacientes que necessitam de cuidados paliativos, 20 leitos para pacientes com perfil de internação de longa permanência. Com leitos de retaguarda para o HDT/HAA. No ambulatório serão oito consultórios multiprofissionais, dois destinados aos atendimentos odontológicos com salas de reuniões terapêuticas. E serão oferecidos mensalmente 2.100 atendimentos multidisciplinares.
Além do acolhimento para hospedagem temporária, o novo modelo de gestão oferece apoio à comunidade por meio da educação em saúde e de ações preventivas; transporte inter-hospitalar; oficinas profissionalizantes e de terapia ocupacional; cuidados prolongados; leito de retaguarda; serviço de farmácia hospitalar; reabilitação; atendimento em Odontologia, Nutrição e Dietética; e atendimento a idosos e a crianças portadoras do HIV/Aids.
Portador
O diagnóstico precisa ser dado com maior cuidado e preparação. Em relação a forma de aceitação dos pacientes, Anamaria explica que houve uma melhora em relação a 30 anos atrás. Porém destaca que ainda existe preconceito, não só por parte de familiares, como a própria sociedade. “Ainda tem muita gente que não contrata, que destrata e até ignora. É um trabalho que precisamos fazer continuadamente. Para isso, a equipe trabalha no sentido de fortalecer o resgate afetivo, de identidade e cidadania do paciente”, conclui.
Livro retrata convivência com a Aids
Na inauguração da nova estrutura do Condomínio Solidariedade será feito o lançamento do livro “A vida e o vírus – receitas de esperança”, escrito por Marcelo Novaes, 50 anos, um dos hóspedes do local. A diretora Anamaria Arruda comenta que assim que assumiu a administração, conheceu Marcelo em situação de abandono total, com depressão psicológica, biológica e social. “Assim a equipe multidisciplinar propôs um plano terapêutico, e descobrimos que ele tinha sido um chef de cozinha e tinha perdido tudo”, afirma.
Nas terapias foi solicitado que Marcelo colocasse no papel tudo aquilo que o incomodava e com isso, ele foi explicando a vida dele e as receitas que têm um significado. Foi quando a equipe se deparou com um bom resultado. “Propomos fazer um livro com os relatos que ele escreveu e também com as receitas. Fomos atrás de patrocínio, conseguimos e agora estamos lançando o livro. Ficou muito interessante”, explica Anamaria.
De acordo com Marcelo Novaes, que convive como soropositivo há 25 anos, o livro se trata do registro dos melhores e piores momentos de sua vida, mas também das receitas de amor pela profissão, amor a Deus e às pessoas. Com tiragem de 500 exemplares, em 50 páginas a obra é dividida em duas partes para apresentar um relato pessoal dele, que inclui parte do
know how gastronômico do autor. Na primeira parte são receitas simples do cotidiano e na segunda, uma autobiografia comovente da infância à fase adulta acompanhada pela trajetória de convivência com o HIV.
“O coquetel, os avanços da medicina e o vírus causam muitas consequências. Meu corpo sofreu e ainda sofre com essa realidade”, explica Marcelo. No livro, ele aponta os benefícios e consequências do tratamento contra a doença e também o impacto de doenças oportunistas na saúde.