Cotidiano

Ano novo, nova chance de fazer a diferença: conheça o Anjos das Ruas

Redação DM

Publicado em 28 de dezembro de 2015 às 15:12 | Atualizado há 10 anos

O começo de um novo ano é a época das típicas criações de metas para se conquistar durante os próximos 12 meses. Talvez seja mais fácil fazer esboços do que se quer ser,  do que realmente tornar concreto um propósito.

Diante dos frequentes planejamentos para a própria vida, como “mudar a si mesmo” ou o típico “não fazer mais o que considerar mal para si” e tantos outros “eu’s” que confortam os egos, ações feitas fora das comuns auto realizações parecem obter resultados extraordinários na vida de quem as recebe, e impactos de mudança de visão da vida para quem as pratica.

O Diário da Manhã foi atrás de histórias de solidariedade e união dos mais diferentes tipos de pessoas em prol da vida de outras para contar relatos inspiradores que duram o ano todo, e conversou com os organizadores do projeto Anjos das Ruas.

 

No vídeo abaixo, dois dos atendidos pelo projeto mostram seus talentos durante a ação dos voluntários:

https://www.youtube.com/watch?v=4hJoSw7AgUI

 

Thiago Bueno é um dos organizadores do projeto que já tem o tempo de 8 anos. Segundo ele, a criação da fundação sem fins lucrativos surgiu através da necessidade de ajudar com amor, carisma e acolhimento, pessoas que se encontram à margem da sociedade.

Todas as sextas-feiras são feitas reuniões em um posto de combustível, onde os colaboradores se reúnem para realizar as ações de doações de roupas, calçados, cobertores e agasalhos – que são angariados pelos próprios voluntários do projeto -, além de comidas como pães, caldos e sucos.

 

“O projeto tem apoio do Setor Juventude da Arquidiocese de Goiânia; entretanto, existem voluntários das mais diferentes denominações, sendo eles batistas, católicos, espíritas e muitos outros engajados no projeto para a promoção do bem. A idade mínima para participar é de 16 anos, e atualmente temos voluntários desde a idade mínima até os 60 anos.”, explica.

O público alvo do projeto são os moradores e famílias carentes que precisam de ajuda como encaminhamento de saúde, vestimentas e alimentos. O Anjos das Ruas também procura auxiliar os moradores de rua no encaminhamento às clínicas de desintoxicação e posteriormente à recuperação – os próprios voluntários que se pré-dispõem a acompanhar cada um dos auxiliados acompanham  os mesmos, ajudando inclusive nas despesas que cada um pode vir a dar neste processo, como as despesas dos exames necessários e roupas que fazem parte das normas das clínicas de internação-.

 

Thiago diz ainda que todo o projeto é mantido com a ajuda dos próprios voluntários que fazem doações mensais de uma quantia não obrigatória, já que os recursos financeiros não contam com parcerias de instituições privadas e nem públicas.

“Alguns dos colaboradores do projeto auxiliam até mesmo com passagens rodoviárias para a reintegração dos apadrinhados à suas famílias. Os voluntários fazem contato com os familiares dos moradores de rua, verificam a veracidade de cada história bem como buscam avaliar a disponibilidade dos familiares de receberem de volta seus entes afastados.”, conta.

 

Necessidade de ajudar

O empresário e estudante de psicologia Fernando Bacelar, de 29 anos de idade, é o criador do projeto, segundo ele, a vontade de ajudar sempre esteve presente, contudo, apenas depois de uma situação específica houve a epifania necessária para lhe fazer agir.

Ele conta que por causa da violência que era muito comum na época, sempre que passava por um determinado semáforo por volta das 23h depois de sair do trabalho, sentia medo do que pudesse vir lhe acontecer, então sempre parava longe do semáforo e quando o mesmo abria, fazia questão de acelerar para sair do local.

“Numa quinta-feira, quando estava passando por um semáforo, depois de um carro cruzar sinal vermelho, foi obrigado a parar bruscamente. Neste intervalo de tempo, um menino de rua bateu no vidro do meu carro, e eu com medo fui logo dizendo que ele poderia levar tudo. O menino me olhou e me deixou desconsertado quando disse que não queria me roubar, só queria a metade do pacote de salgadinhos que estava no painel do carro, pois ainda não havia comido nada desde a manhã. Desci, perguntei o que ele gostaria de comer, e acabei o levando para comer um sanduíche.”, lembra.

Fernando conta que aquela cena foi impactante e decisiva para ele e para a criação do projeto, pois o pedido da criança o havia tocado. “Enquanto o menino comia um ‘X-tudo’ ele e fez a pergunta que mudou a minha vida. O garoto me perguntou se eu era Deus e eu, claro, respondi a ele que não. Então ele me explicou que havia dito a Deus, que se ele realmente existisse, queria que o pagasse um x-salada. Naquele momento eu não tive dúvidas de que, apesar de eu nãos ser Deus, poderia levar amor e alegria para as pessoas que moram nas ruas.”, explica.

O projeto que no começo contava com 10 pessoas, agora possui cerca de 100 pessoas trabalhando ativamente em prol dos oradores de rua da capital. Para o criador do Anjos das Ruas, existe muita vontade de ajudar o próximo por parte das pessoas, mas que muitas não sabem como começar a agir.

 

Esquecimento e abandono

Muitas das pessoas que vivem nas ruas, cada uma com suas razões, se tornam invisíveis à sociedade. Fernando Bacelar diz que muitos dos atendidos no projeto só precisam de atenção, que ouçam suas histórias e que se lembrem deles.

Fernando lembra de um ano em que resolveu que levaria mais de 30 moradores para passarem o natal em sua casa, e que por falta de carros suficientes, teve que fazer algumas viagens para que pudesse levar todos ao local.

“Na última viagem, um homem de cadeiras de rodas se aproximou e disse que eu havia levado todos os amigos dele e que agora ele iria ficar lá sozinho. Ele me via buscando as pessoas, mas se intimidava a pedir que eu o levasse, porque em todas as viagens o carro ia lotado. Eu disse a ele que eu voltaria para busca-lo sozinho porque o carro já estava cheio e assim eu fiz; quando voltei, ele chorou emocionado dizendo que ninguém nunca se lembrava dele, e que sempre prometiam coisas a ele, mas não cumpriam. Até hoje, quando eu o vejo, ele conta que aquele foi o melhor natal da vida dele, e eu sei que não foi pelo jantar, até porque foi bem simples; mas, foi porque nos lembramos dele.”, recorda.

 

Aprendizado pessoal
Ajudante do projeto há 1 ano e 6 meses, Weliomar Ferreira de Almeida, de 24 anos, fala do grande aprendizado para a vida que obteve através das ações do grupo, e que já viu cerca de 500 pessoas passarem e que pelo Anjos das Ruas. Ele auxilia, junto a outros auxiliares do projeto, na arrecadação de alimentos e roupas para doações; e conta que já teve a oportunidade de ajudar um morador de rua a voltar para casa.

Perguntado sobre a história mais emocionante que ele viveu no projeto, Weliomar fala que ao ajudar um morador de rua a sair do vício do álcool, pode retomar relações abaladas com o próprio pai.

“No meu primeiro dia no projeto estava com muita vergonha, e havia um homem chamado Alexandre que estava atrapalhando dois colegas meus enquanto eles oravam por um dos moradores de rua. Um dos voluntários pediu que eu conversasse com ele, e mesmo tímido, eu comecei a falar com Alexandre como se estivesse conhecendo um amigo.”, lembra.

Segundo o ajudante do projeto, Alexandre contou que pelo vício, a esposa e as duas filhas o haviam abandonado, e que não tinha laços afetuosos com as crianças. “Naquele momento disse tudo que ele precisava fazer; pedir perdão as filhas dele e iniciar o processo de parar com o vício na bebida e aos poucos para ele sair daquele sofrimento. Com muita luta, hoje, o Alexandre  tem um relacionamento estável com outra mulher, vende água na rua e desta forma ele garante o sustento da família, paga as contas, e o melhor, hoje não tem mais vícios.”, conta.

 

Weliomar fala ainda que ter participado desta parte da vida de Alexandre, ainda o proporcionou a oportunidade de reatar laços com o próprio pai, que apesar de não viver nas ruas, passava por uma situação parecida. “Meu pai se separou da minha mãe por causa de bebida, estava vivendo um período de amargura e se afundando no álcool. Hoje graças a este contato com o Alexandre pude ajudar o meu pai a sair do vicio do álcool também. Deus é maravilhoso!”

 

Diferentes pessoas, um mesmo propósito

O projeto conta com a participação de uma grande variedade de pessoas, e apesar de estar ligado à Arquidiocese de Goiânia, evangélicos protestantes, católicos, espíritas e ateus se unem para a realização das ações do Anjos das Ruas. “Não se pode limitar alguém que queira fazer o bem por sua religião ou algo do tipo. Nosso projeto acolhe todos que tenham o desejo de dar amor às pessoas.”, assegura Fernando Bacelar.

Weliomar fala da surpresa em ver diferentes pessoas com diferentes pensamentos trabalhando em unidade para ajudar o próximo. “Mesmo cada um tendo um pensamento diferente, crenças e ideologias distintas o amor nos une para sermos um; sem nenhuma distinção, e o aprendizado entre as pessoas que participam de que o mundo tem jeito sim, e com a força do amor podem mudar o mundo.”


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