Arapongagem na sala do presidente
Diário da Manhã
Publicado em 5 de maio de 2017 às 23:55 | Atualizado há 8 anos
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Lúcio Flávio de Paiva, foi alvo de uma gravação não autorizada na última terça-feira (2), em reunião realizada com três advogadas. No encontro, realizado na sala da Presidência da Ordem, Lúcio comunica o afastamentos das profissionais das presidências de comissões por quebra de confiança. O áudio circula por grupos de WhatsApp e a Corregedoria da instituição determinou a instauração de uma sindicância para apurar a responsabilização da divulgação, que poderá culminar na abertura de um processo ético-disciplinar.
A reunião, de pouco mais de 5 minutos, foi realizada com as agora ex-presidentes das comissões de Direito Médico e de Defesa da Saúde, Ana Lúcia Amorim Boaventura (também secretária da Casag); da Diversidade Sexual, a conselheira seccional Eliane Rocha; e das Sociedades de Advogados, a também conselheira seccional Marlene Moreira Farinha Lemos. Não há, até o momento, confirmação de autoria da gravação. No áudio, o presidente comunica cordialmente a destituição das ex-presidentes, que ocupavam cargos de confiança da gestão.
A divulgação da conversa levantou a discussão sobre possíveis ilícitos éticos, cíveis e penais. O advogado e especialista em Criminologia Cleiton Carneiro Caetano explica que a gravação clandestina feita por um dos interlocutores é admissível como meio de prova, sendo este, inclusive, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF). “Mas o sigilo permanece perante terceiros que não sejam interlocutores. Ou seja: divulgar os áudios para aqueles que não participaram da reunião é uma afronta a lei”, avalia.
Ele ainda ressalta que a divulgação ofende ao presidente Lúcio Flávio e à instituição OAB. “No caso em tela, a publicidade dada à gravação ofende bens jurídicos do interlocutor, que teve seu direito a intimidade violado, como também da própria OAB, que, como pessoa jurídica, pode buscar reparação por ter tido a imagem arranhada. Por esta razão, há legitimidade do presidente (Lúcio Flávio) e da própria instituição em buscar reparação cível pelo dano sofrido”, diz.
Cleiton afirma que o interlocutor poderia, em tese, utilizar de gravação clandestina para se defender de uma acusação, dentro do princípio da ampla defesa, desde que agindo de boa-fé. “É vedada, no entanto, a publicização e disponibilização das gravações perante terceiros, pois, ainda que admissível como meio de prova, o sigilo permanece para aqueles que não são interlocutores”, frisa. Para ele, a divulgação da gravação ainda pode ser analisada como um atentado à moralidade e ética da advocacia, já que, ao que tudo indica, os autores da divulgação são advogados.
Já o advogado criminalista e professor universitário Marcelo Bareato analisa que gravação de conversa só pode ser realizada por interlocutores, em cumprimento ao princípio da legítima defesa. “Se propagar o conteúdo da conversa com má-fé, pode incorrer em crime contra a honra (injuria, calúnia e difamação, previstas no artigos 138 a 140 do Código Penal)”, avalia.
Segundo ele, teoricamente, pode haver uma gravação com aviso prévio. Se isso não ocorreu e o áudio foi vazado com má-fé, como parece ser o caso, é preciso analisar se houve intenção de manchar a honra tanto do presidente como da instituição. “Se esta má-intenção ficar provada, configura difamação. Mas isso precisa ser apurado. É preciso analisar bem o que ocorreu”, frisa.
Para os analistas, a gravação sem autorização pode ferir ainda o Artigo 31 do Código de Ética da OAB (Lei 8.906/94). Isso porque, ao expor o presidente da instituição, em gravação não autorizada, o profissional adota conduta imprópria. Segundo o referido artigo, “o advogado, no exercício de cargos ou funções em órgãos da Ordem dos Advogados do Brasil, deve manter conduta consentânea com as disposições deste Código e que revele plena lealdade aos interesses, direitos e prerrogativas da classe que representa.
Contexto
Na gravação vazada, o presidente começa avisando: “Gente, é rápido.” Depois de mencionar “tristeza em fazer a reunião”, observar que estaria enfrentando “muitos problemas” desde o começo do ano, e afirmar que recebeu uma notificação contendo a assinatura das três advogadas. “Eu nunca tinha sido notificado”. O presidente da Ordem anuncia então que a partir dali elas estavam afastadas de suas respectivas presidências, que são cargos de confiança de sua gestão.
“Vejo (a notificação) como voto de desconfiança pessoal”, argumenta. Por isso, acrescenta, não poderia “continuar dando voto de confiança pessoal” às três. Lúcio Flavio ainda afirmou às advogadas que o fato constitui “clara insinuação de falta de honestidade”. A crise, agravada agora com a gravação de caráter clandestino, começou na semana passada, quando Lúcio Flavio iniciou um processo de destituições de presidentes de comissões. A ação faz parte do que o presidente da Ordem classificou de “oxigenação” natural do mandato.
Lúcio Flávio não quis comentar o grampo.