Artigo: A xenofobia europeia não tem barreiras
Diário da Manhã
Publicado em 5 de novembro de 2015 às 06:05 | Atualizado há 10 anosSoldados instalando quilômetros de cercas de arame farpado para manter refugiados afastados. Uma mãe e seu filho atolados num campo enlameado. Um caminhão estacionado na estrada que liga Budapeste a Viena, carregando os corpos em decomposição de 71 refugiados.
As cenas nas fronteiras orientais da Europa nas últimas semanas geraram horror e repulsa. “Os europeus orientais não têm vergonha?”, perguntou o historiador Jan Gross. Outro historiador, o alemão Jan-Werner Müller, exigiu que a União Europeia “ostracizasse” a Hungria — segundo ele, “um país que não segue mais os valores do bloco” — cortando seu financiamento e suspendendo direito de voto.
Para muitos, a falta de generosidade dos europeus orientais em relação aos refugiados reflete, na palavras de um colunista do “Guardian”, um “abismo político e cultural” que divide o continente. Nações da Europa Oriental se livraram do fardo soviético há apenas 25 anos e encaram os valores da democracia liberal como uma novidade. Etnicamente homogêneos, eles não estão acostumados com a imigração e, por isso, sugerem muitos, há o isolamento e o preconceito. A História recente moldou o caráter das sociedades na Europa Oriental. Mas são elas realmente mais xenófobas e hostis aos imigrantes do que as ocidentais?
Nos últimos 25 anos, a União Europeia construiu o que muitos chamam de “Fortaleza Europa”, mantendo imigrantes à distância não apenas com cercas, mas também com navios de guerra, helicópteros e drones de vigilância. Uma das razões pelas quais os imigrantes agora cruzam os Bálcãs é o fato de patrulhas marítimas terem bloqueado as rotais mais ao sul, em especial a que partia da Líbia para a Itália.
Europeus ocidentais podem parecer mais tolerantes quando perguntados em termos gerais, mas recentes pesquisas mostram que eles são tão intolerantes quanto os orientais em relação a grupos específicos. O “abismo cultural”, na verdade, está em seus discursos mais elaborados sobre a tolerância. O maior partido de extrema-direita da Europa não está na Polônia ou na Hungria, mas sim na França. Noventa por cento dos franceses dizem estar tranquilos com uma sociedade que englobe diferentes raças, culturas e religiões, mas quase um cada cinco eleitores votou na Frente Nacional, partido de Marine Le Pen, nas eleições de 2012. Na Holanda, o Partido da Liberdade, de Geert Wilders — que defende a proibição do Alcorão e da construção de mesquitas no país — lidera as pesquisas. Ambos podem se tornar líderes de seus países até o fim de 2017.
O tratamento a imigrantes por parte das nações da Europa Oriental é condenável e precisa ser combatido. Mas há algo de maldoso na condenação generalizada à região. Representar a Europa Oriental como uma região sem “nossos” valores e particularmente xenófoba serve apenas para disfarçar o papel das nações ocidentais na propagação da intolerância. A demonização da Europa Oriental não pode ser uma resposta ao modo como os líderes europeus ajudaram a demonizar os imigrantes.
Autor de “The Quest for a Moral Compass: A Global History of Ethics” (A busca de uma bússola moral: uma história global da ética)