As mentiras de Natal que nos contam
Redação DM
Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 12:38 | Atualizado há 8 mesesA celebração das festas de final de ano mexe com as pessoas. De repente, um ritmo frenético surge nas ruas com a chegada do dia 24 de dezembro. No comércio, aceleram-se as vendas, as vitrines ficam lotadas, mais e mais estoques chegam para alegrar os vendedores. Músicas lembram sinos e relatam a história de um bom velhinho. Mais a frente uma melodia fala do filho de Deus e que a noite será feliz.
Festa criada para a comemoração do nascimento de Cristo, o Natal, por incrível que pareça, não tem ao certo um dia para o aniversário do menino Jesus. É uma celebração montada e editada pelos governantes que aos poucos se transformou no que é hoje.
Nem o Evangelho de Matheus ou mesmo de Lucas falam exatamente a data do nascimento, apesar de relatarem aspectos da natividade. Por estes evangelhos, percebe-se que os magos trazem presentes para Cristo e existiria no céu a estrela de Belém.
Primeiro de tudo, o dia 25 de dezembro é uma imposição do imperador Constantino, que, pressionado pelos demais líderes políticos da época, precisou fechar um acordo com os seguidores de Cristo, que deram sustentação ao seu império. Em troca, estes avalizaram o imperador, impedindo sua queda. Em compensação, os cristãos cobraram maior participação no serviço público e militar e uma nova era de moralidade já que Roma enfrentava tempos conturbados e decadentes.
Como agradecimento, Constantino então decidiu criar o “Natal”. Em vez de proibir as festas que ocorriam de 17 de dezembro até 25, caso das Saturnálias, que incitavam as bebedeiras e quebras de várias regras da ordem pública, ele sugeriu que o ocidente festejasse o nascimento de Jesus Cristo.
O pedido da igreja era estratégico: contrapor não apenas a Saturnália, mas fazer desaparecer, aos poucos, o mitraísmo, religião que concorria com o cristianismo e que fazia a cabeça dos soldados do Império Romano. Sua celebração foi declarada ilegal pelo imperador romano Teodósio I em 391. E qual o dia de celebração do nascimento do deus do Mitraísmo? Mitras – deus Sol – nasceu em 25 de dezembro.
O padre Rafael Magul, pároco da Igreja Ortodoxa de Goiânia, diz que o Natal é um período importante para a celebração de Jesus Cristo, mas concorda que a data está equivocada. “O nascimento tende a ser mais para 6 do que para 25”, informa.
Nem o Evangelho de Matheus ou mesmo de Lucas falam exatamente a data do nascimento, apesar de relatarem aspectos da natividade. Por estes evangelhos, percebe-se que os magos trazem presentes para Cristo e existiria no céu a estrela de Belém.
Bem antes destes relatos, os romanos trocavam presentes na Saturnália. E os escravos recebiam atenção especial, quando os ricos os celebravam como iguais.
Magul diz ao DM que a celebração é positiva, pois traz bons sentimentos, como o de esperança, solidariedade e da bondade. “Essa característica é o que importa para nós, pois temos a oportunidade de falar de Jesus”, diz o padre. Rafael reconhece que a festa é complexa e apresenta uma grande variedade de mistérios e fatos que não foram esclarecidos.
Os mistérios da data sequer passam pela cabeça dos que agora correm para comprar presentes e atender uma sanha consumista. Um dos costumes mais populares da festa, que é cantar músicas natalinas, não surgiu com os corais e suas cantatas infantis. E não tem nada de santa a cantoria inicial: teve início com bêbados agressivos que ameaçavam as pessoas de porta em porta. Eles buscavam comida e bebida. Para isso, cantavam alto até que alguém aparecesse na porta da casa. O costume das saturnálias levava os alcoólatras a incomodarem moradores e despertar um sentimento distinto na época do ano – bem diferente do que sentimos hoje, com as festas natalinas.
Por isso se costuma dizer que as verdadeiras histórias do Natal, se reveladas, acabam com o encanto da festa. E podem confundir a cabeça de quem já se habituou a fazer coisas tão estranhas quanto enfeitar árvores e iluminar casas com luzinhas coloridas.
[box title=”Poema que originou a figura clássica do papai Noel”]
“Véspera de natal”
(Clement Clarke Moore)
Era véspera de Natal, e nada na casa se movia,
Nenhuma criatura, nem mesmo um camundongo;
As meias com cuidado foram penduradas na lareira,
Na esperança de que Papai Noel logo chegasse;
As crianças aconchegadas, quentinhas em suas fronhas,
Enquanto rosquinhas de natal dançavam em seus sonhos;
Mamãe com seu lenço, e eu com meu gorro,
Há pouco acomodados para uma longa soneca de inverno;
Quando no jardim começou uma barulhada,
Eu pulei da cama para ver o que estava acontecendo.
Para fora da janela como um raio eu voei,
Abri as persianas, e subi pela cortina.
A lua no colo da recém-caída neve,
Dava um lustro de meio-dia em tudo em que tocava,
Quando, para meus olhos curiosos, o que apareceu:
Um trenó miniatura, e oitos renas pequenininhas,
(parte lida pelo Adam)
Com um motorista velhinho, tão alerta e muito ágil,
E eu soube, na mesma hora, que era o Papai Noel.
Mais rápido que uma águia vinha pelo caminho,
E assobiava, e gritava, e as chamava pelo nome;
“Agora, Dasher! Agora, Dancer! Agora, Prancer e Vixen!
Venha, Comet! Venha, Cupid! Venham, Donder e Blitzen!
Por cima da sacada! Para o topo do telhado!
Agora fora, depressa! Fora todos, bem depressa!”
Como folhas revoltas antes do furacão,
Sem encontrar obstáculos, voaram para o céu,
Tão alto, acima do telhado voaram,
O trenó cheio de brinquedos, e Papai Noel nele também.
E então num piscar de olhos, ouvi no telhado
O toque-toque e o arrastar dos casquinhos.
Como um desenho em minha cabeça, assim que virei
Descendo a chaminé Papai Noel vinha resoluto
Todo vestido de peles, da cabeça até os pés,
E com a roupa toda manchada de cinzas e carvão;
Um saco de brinquedos em suas costas,
Parecia um mascate ao abrir o saco.
Seus olhos – como brilhavam! Suas alegres covinhas!
Suas bochechas como rosas, seu nariz como uma cereja!
Sua boquinha sapeca curvada para cima como num arco,
A barba em seu queixo tão branca como a neve;
O cabo do cachimbo bem preso em seus dentes,
A fumaça envolvendo sua cabeça como uma guirlanda;
Tinha um rosto redondo e uma barriga grande,
Que sacudia, quando ele sorria, como uma tigela de geléia.
Era gordinho e fofo, um perfeito elfo velhinho e alegre,
E eu ri quando o vi, sem poder evitar;
Uma piscada de olhos e um meneio de cabeça,
Na hora me fizeram entender que eu nada tinha a temer;
Não disse uma só palavra, mas voltou direto ao seu trabalho,
E recheou todas as meias; então virou no pé,
E colocando o dedo ao lado do nariz,
Acenando com a cabeça, a chaminé escalou;
Pulou em seu trenó, ao seu time assobiou,
E para longe voaram, como pétalas de dente-de-leão.
Mas ainda o ouvi exclamar, enquanto ele desaparecia
“Feliz Natal a todos, e para todos uma Boa Noite!”
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Como surgiu papai Noel
Figura mais midiatizada do que a de Jesus Cristo, o que de certa forma demonstra como o Natal pode ser deturpado, o Papai Noel surge também de uma imagem santa – o venerado São Nicolau. Padre Rafael Magul, da Igreja ortodoxa São Nicolau, diz que papai Noel como se revela na propaganda não existiu. Todavia, sua inspiração é celebrada na igreja. “Existiu um monge chamado São Nicolau. Daí Santa Claus, o nome do papai Noel. Ele era semelhante ao papai Noel, em bondade e aparência”.
Nicolau viajava pela Europa e auxiliava doentes e miseráveis. Uma das lendas é de que realmente dava presentes para as pessoas. Conforme estudos da Universidade de Roma, o religioso teria nascido por volta de 280 d.C., em Patara, na atual Turquia, quando ainda não se celebrava o Natal como o conhecemos.
São Nicolau é o protagonista de uma lenda que teria salvado três irmãs pobres. Os relatos indicam que elas seriam vendidas como escravas, todavia Nicolau deu um dote para que as moças pudessem se casar e, assim, se afastarem da escravidão.
DESGOSTO
A Reforma Protestante de vertente calvinista optou em combater o Natal. E uma das primeiras ações foi colocar a festa católica no mesmo nível das saturnálias. E mais adiante, a igreja realizou forte campanha contra ‘bom velhinho’ Nicolau.
Enquanto a generosidade de Nicolau vem da abastada família em que nasceu – e daí a possível bondade dele – a imagem mais tradicional de papai Noel surgiu nos Estados Unidos, a partir do poema de Clement Clark More. O texto surgiu na imprensa e influenciou ilustradores e empresas, que passaram a fomentar a imagem de Noel como aquele que veste vermelho e anda de trenó.
DICKENS
Ebenezer Scrooge, personagem criado pelo escritor Charles Dickens, encarnado também em ‘O Grinch’, da obra do clássico infantil Dr. Seuss, é outra figura que nos sacode devido a exatidão dos sentimentos: Scrooge odeia o Natal, é avarento e abomina a felicidade nesta época do ano. É o oposto – por exemplo – do papai Noel.
Ao criar estes arquétipos, Charles Dickens acabou por dar mais vida aos festejos, que a cada ano tornaram-se mais populares, principalmente pela dedicação da indústria cultural, que fatura alto com a celebração.