Ativistas goianos apoiam secundaristas
Diário da Manhã
Publicado em 1 de setembro de 2018 às 01:56 | Atualizado há 4 meses
Após serem processados pela gestão do ex-governador Beto Richa (PSDB), os adolescentes que participaram das ocupações de escolas públicas no Paraná durante o ano de 2016 vão contar com apoio do Movimento Liberdade aos 23, de Goiânia. Os ativistas goianienses repudiaram na tarde de ontem decisão divulgada pela Justiça paranaense e ressaltaram que os secundaristas estavam exercendo o livre direito à manifestação.
Na sentença, a pena pela participação no levante estudantil foi fixada em multa que pode variar entre R$ 700 a R$ 30 mil. Ao longo da última semana, centenas de estudantes de várias partes do Paraná receberam notificação em função da decisão final perpetrada pela justiça paranaense. Até o momento, todavia, não há informações se existem manifestantes nessa mesma situação em outros Estados que tiveram grande número de escolas ocupadas na segunda metade de 2016.
Em Goiás, por exemplo, os protestos que aconteceram no início de 2016 contra Organizações Sociais (O´s) do ensino público estadual acabaram em prisões de alunos e professores contrários à implementação da parceria público-privada. Após documento de reintegração de posse ter sido expedido pela Justiça, alguns secundaristas em São Paulo teriam sofrido intimidação da polícia para desocuparem os colégios.
Presidente da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes), o secundarista Wellington Tiago, 18, afirmou que os manifestantes paranaenses foram processados por terem descumprido prazo para reintegração de posse de escola que estavam funcionando normalmente há quase dois anos. “Esta perseguição é feita não só para deslegitimar o maior levante estudantil do último período, mas também para que estudantes se sintam intimidados em participar do movimento estudantil”, diz o presidente da Upes.
O advogado especialista em direitos sociais Luiz Fernando Obladen disse que a sentença, ao envolver interdito proibitório e ter como objetivo a reintegração de posse, deveria ter inocentado os estudantes. “Não havendo mais ocupação e inexistindo danos não há mais interesse em agir por parte do Estado, podendo ocorrer julgamento antecipado e extinção dos processos”, diz o advogado, que é assessor jurídico dos secundaristas, em entrevista a um portal de notícias paranaense.
PUNITIVISMO
Militante anarquista e condenada pela Justiça do Rio de Janeiro por atuar em protestos entre os anos de 2013 e 2014, a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Camila Jourdan relatou que foi detida pela polícia carioca dois dias antes da final da Copa do Mundo de 2014. Em vídeo que circula nas redes sociais, ela revelou que as condenações foram “as mais absurdas”, começando “com crime de informática, depois indo para formação de quadrilha armada e, depois, corrupção de menores”.
Camila disse ainda que as emissoras de televisão chegaram a noticiar que o movimento tinha “um plano para explodir o Maracanã”. “A condenação aos 23 é também a condenação de nossas pautas, como a denúncia da máfia do transporte, das mortes nas favelas do Rio, da farsa eleitoral”, argumenta a professora da UERJ. “A resposta punitivista do Estado é uma decisão dura, e é um reconhecimento do Estado de que 2013 está vivo, que 2013 ainda está ali”, finaliza.
O advogado popular Allan Ferreira explicou que as sentenças com caráter condenatório aos movimentos sociais não fruto de acúmulo punitivista. Em palestra na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (FD), ele destacou que em Goiás “há um histórico de repressão aos movimentos sociais” e lembrou que atualmente está sendo colocado em prática “um ativismo reverso, que é fascista, genocida e jurídico”
Esta perseguição é feita não só para deslegitimar o maior levante estudantil do último período, mas também para que estudantes se sintam intimidados em participar do movimento estudantil”Wellington Tiago, presidente da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes)
A criminalização aos movimentos sociais em Goiás não é algo necessariamente recente”
Allan Ferreira, professor de Direito da UFG
Em Goiás também ocorreu episódio de repressão aos movimentos sociais
Em 2014, a luta pelo transporte coletivo ganhou contornos históricos em Goiás. Ao todo, quatro militantes foram presos no âmbito da Operação R$ 2,80, alusão ao preço da passagem na época. As prisões dos estudantes universitários Heitor Vilela, Ian Caetano e o secundarista João Marcos mobilizaram vários setores progressistas do Estado na luta contra a repressão e criminalização dos movimentos sociais.
Após as prisões, estudantes e professores se reuniram na Praça Universitária assegurar o direito de protestar. O objetivo era levar uma lista com 1.500 assinaturas ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) pedindo a soltura dos três estudantes.
Professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), Alexandre Santos disse na época que o inquérito que levou os três à prisão teria sido apresentado pelas empresas de transporte público da capital goianiense. Na ocasião, ele afirmou que a representação foi genérica, com vários nomes, e no decorrer da investigação supostamente houve indicação por parte da Polícia Civil da autoria dessas três pessoas.
No dia 29 de maio de 2014, logo após sair da Casa de Prisão Provisória (CPP), o então estudante universitário Heitor Vilela explicou ao DM no mês passado que não era criminoso, e sim um militante da causa do transporte coletivo. “Eu estava atuando principalmente como desenhista e chargista nas manifestações, mas disseram para a gente que queimamos mais de cem ônibus em uma semana. Uma coisa absurda. Não havia nenhum registro de prova, nada que nos condenasse”, disse Vilela.
À época, o delegado responsável pela Operação R$ 2,80, Alexandre Lourenço, da Delegacia Estadual de Repressão e Ações Criminosas Organizadas (Draco), declarou que os estudantes eram suspeitos de depredarem pelo menos 100 ônibus do transporte público da capital goianiense em 2014. Em entrevista à imprensa na ocasião, o delegado disse que os protestos eram legítimos, porém as prisões teriam de acontecer para evitar que novos casos de violência.