Big brother no céu
Diário da Manhã
Publicado em 15 de novembro de 2015 às 05:05 | Atualizado há 9 anosRIO — O que faz uma ave fora do ninho? Para onde ela voa? Em que locais encontra comida? Para responder a essas perguntas, só com ajuda da tecnologia. O Projeto Ilhas do Rio encontrou num GPS especial, fabricado na Polônia, o caminho para entender o comportamento das fragatas, ave marítima que tem no Arquipélago das Cagarras seu santuário. Em setembro do ano passado, duas fêmeas e um macho da espécie (seu nome científico) foram “chipadas” com o equipamento, que envia de seis em seis horas informações sobre a localização dos animais. Nesse tempo, com base nos dados, os pesquisadores constataram que as fragatas – conhecidas também como tesourão e joão-grande – costumam voar cedo das Cagarras para a Baía de Guanabara, onde se alimentam. A descoberta acendeu o alerta:
Fregata magnificens
– Elas saem quase diariamente, de manhã bem cedo, por volta das 6h, para a Baía de Guanabara e voltam, no final da tarde, para dormir nas ilhas – explica a bióloga Larissa Cunha, responsável pela pesquisa. – O problema é que elas estão se alimentando num ambiente extremamente impactado e podem estar sendo contaminadas por meio dos peixes. Já encontramos em ovos de atobá-marrom (ave que também vive nas Cagarras) alta concentração de óleo ascarel, que era usado para refrigerar transformadores e geradores e está proibido. E achamos que o atobá se alimenta na baía também.
A partir de agora, afirma Larissa, o mesmo estudo será feito nos ovos das fragatas. Ela diz que, embora proibido há mais de 30 anos, o ascarel (ou PBC), que á altamente tóxico, não sofreu qualquer controle sobre o seu descarte e, por isso, continua presente no ambiente.
– Estudos em outras espécias marinhas mostram que o ascarel pode provocar má-formação dos embriões e alterar o comportamento reprodutivo. Há casos também de tumores. Algum impacto negativo vai ter – alerta a bióloga, explicando que as fragatas, que não mergulham, se alimentam de peixes capturados na superfície da água, de filhotes de outras aves e também de comida roubada dos atobás.
Das fragatas “chipadas”, uma fêmea parou de enviar sinais logo no começo da pesquisa, 16 dias depois de receber o aparelho, que pesa 15 gramas e conta com um painel de energia solar (que mantém a bateria sempre carregada) e um chip de celular internacional (para que os dados sejam baixados por meio de qualquer operadora). No último registro feito pelo GPS, ela sobrevoava Nilópolis. Não se sabe o motivo da “falta de notícias”: entre as hipóteses, estão a morte do animal, ferimento causado por linha de pipa (algo comum) ou defeito do aparelho. A outra fêmea enviou dados até o dia 16 de junho deste ano. Pelas informações, ela se alimenta predominantemente na Baía de Guanabara, que deve ser incluída como área de alimentação da espécie no plano de manejo do Monumento Natural das Ilhas Cagarras, documento em fase final de elaboração.
– Pode-se propor uma proteção maior da Baía de Guanabara pela sua importância para essas aves – diz Larissa.
O único macho com GPS continua enviando dados. Muitos, curiosos. Elas revelaram que a espécie pode voar longe, bem longe. Mais do que se pensava. Em setembro do ano passado, ele se deslocou até a Ilha de Alcatrazes, em São Paulo, considerada a maior colônia de fragatas do Brasil (as Cagarras teriam a segunda maior população, com 5.500 aves). Após três dias, retornou para as Cagarras, distante 260 quilômetros. Em março deste ano, ele foi até a divisa entre o Espírito Santo e a Bahia. A distância para as Cagarras? De 590 quilômetros. Levou três dias para ir e retornou no dia seguinte, voando até o Rio durante dois dias.
Ainda não se sabe exatamente o que leva o macho monitorado das Cagarras a ir tão longe. Mas, até onde se conhecia da espécie, de acordo com estudos feitos no Caribe, uma fragata cobria, no máximo, um raio de 300 quilômetros.
– Pode ser um macho mais aventureiro – ri a bióloga, ressaltando que é preciso ampliar a pesquisa. – Não podemos afirmar ainda que toda a população se comporta do mesmo jeito. Precisamos de um número maior de aves marcadas – avalia ela, dizendo que o financiamento da Petrobras Ambiental chega ao fim este ano e que tentará uma renovação, assim como parcerias com outras instituições, para que o projeto também voe mais alto.