Bullying: o mal que se camufla no silêncio
Diário da Manhã
Publicado em 21 de outubro de 2017 às 11:07 | Atualizado há 4 meses
Uma a cada três crianças do mundo é vítima de bullying em colégios. O dado é do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Justamente essa prática está sendo apontada como a motivação dos tiros disparados pelo adolescente de 14 anos contra estudantes, no Colégio Goyazes, em Goiânia.
Goiás nunca havia presenciado um atentado como este. O estado goiano e todo o país se perguntam o que está acontecendo com as crianças e adolescentes brasileiros cada vez mais envolvidos com assassinatos.
No dia 23 de agosto deste ano, um outro adolescente de 13 anos matou a sua vizinha de 14 anos na escadaria do prédio que moravam. Ambos estudavam no mesmo colégio. Segundo a polícia, o menino tinha uma lista com nomes de pessoas que gostaria de matar na instituição de ensino que estudava.
Nos termos da lei, considera-se como bullying todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
As agressões e intimidações do tipo sempre existiram no ambiente escolar, mas para algumas pessoas há uma impressão de que os casos de bullying estão cada vez mais comuns. O fato é que, desde que o termo caiu no uso popular, todos passaram a ter mais consciência dessa forma de violência. Talvez venha daí a sensação de que o problema está mais frequente.
“Não podemos afirmar que aumentou os casos. É preciso fazer um estudo comparando as estatísticas de ontem com hoje. O que posso afirmar é que hoje o bullying é mais divulgado, e esta divulgação gera a impressão de um aumento da violência”, explica o psicólogo criminal Leonardo Faria.
COLÉGIO
Conforme o coronel da Polícia Militar Anésio Barbosa da Cruz, o autor dos disparos do atentado de ontem era alvo de chacotas de colegas. “Informações preliminares dão conta que ele estaria sofrendo bullying, se revoltou contra isso, pegou a arma em casa e efetuou os disparos”, disse.
Colegas de sala de aula que estudavam com o adolescente contaram para a imprensa que o rapaz era alvo de comentários maldosos. “Ele sofria bullying, o pessoal chamava ele de fedorento”, afirma um estudante do colégio. Ainda de acordo com os alunos, uma das vítimas, inclusive, teria levado um desodorante para a aula.
BULLYING
O mesmo dia que ocorreu o atentado na escola goiana, dia 20 de outubro, é considerado como o Dia Mundial de Combate ao Bullying. A data serve como um alerta internacional para o problema comum, que muitas vezes é negligenciado em esferas públicas.
Desde fevereiro de 2016, uma lei federal determina que todas as escolas públicas e privadas do Brasil precisam “assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying)”. Segundo especialistas, caso fique claro que a escola não possui um sistema organizado de ações para prevenir o problema, ela corre o risco de ser processada.
“Não é possível achar um culpado neste caso aqui em Goiânia. A gente precisa lembrar que aquele que pratica bullying também é uma vítima de violência, e que muitas vezes está apenas repetindo o que fizeram com ele”, explica o psicólogo Leonardo Faria. Conforme ele, geralmente a prática pode ser explícita ou implícita. Os meninos demonstram a atitude com agressões físicas contra a vítima de bullying. Já as meninas isolam uma colega e começam a espalhar boatos, por exemplo.
Contudo, se é difícil perceber um bullying é possível identificar os sinais que estas agressões causam nas crianças e nos adolescentes. Mudança de humor, irritabilidade, isolamento e queda no rendimento escolar são algumas das características de meninos e meninas que são vítimas do bullying.
“A receita para combater o bullying é o diálogo. Precisamos estabelecer um diálogo com os nossos filhos. E ao identificar que ele é vítima de agressão descobrir em qual grupo social isto está acontecendo e dialogar para haver mudança”, aconselha o psicólogo Luciano Faria.
DOENÇAS
Para o psiquiatra Marcelo Caixeta, a sociedade em geral tende a julgar casos como o que ocorreu ontem sob a ótica da intolerância ou falta de humanismo. Apesar destes fatores existirem e serem relevantes, ele pontua que é preciso levar em consideração que algumas doenças psiquiátricas fazem com que a pessoa fique muito sensível a diferentes críticas.
“Muitas doenças psiquiátricas tornam o paciente bem mais estranho do que os outros, sujeito à chacotas. Por exemplo, nesse caso específico, conforme a mídia notificou, o paciente exalava odores e isso era motivo de chistes. Muitas doenças psiquiátricas fazem com que o paciente reaja com enorme irritabilidade. Por exemplo, há determinadas substâncias neuroquímicas que, quando alteradas, baixa de 5-hidroxitriptamina na depressão, induzindo a comportamentos agressivos ou psicóticos”, revela o psiquiatra.
De acordo com o médico, na adolescência a depressão quase sempre é acompanhada de outros sintomas, não sendo apenas a tristeza. Um dos sinais é a extrema irritabilidade que se torna delirante. Ou seja, o paciente acha que as pessoas olham diferente para ele, falam dele, a vítima acredita que estão dizendo que ele anda diferente, que é gay, que tem um nariz grande, espinhas nojentas, chulés, corpo desengonçado ou jeito estranho de andar.
“Esse tipo de delírio, nomeado como sensitivo-paranóide de Kretschmer, acoplado com depressão e geralmente com transtorno afetivo bipolar, é de diagnóstico muito complexo, e requer grande tirocínio por parte do profissional psiquiatra. Quando esses sintomas se encontram com uma arma dentro de casa a agressividade se torna catastrófica”, afirma o médico psiquiatra Marcelo Caixeta.