Carrascos em casa
Diário da Manhã
Publicado em 20 de março de 2018 às 02:00 | Atualizado há 7 anos
Nas últimas semanas histórias de crianças que foram espancadas até a morte chocaram o país e trouxeram a tona uma triste realidade de violência contra menores. Em Anápolis, em fevereiro, a jovem Giovana Souza de Jesus, de 20 anos, e o seu marido, Arafat Dias da Silva, de 30, foram presos suspeitos de agredir uma criança até a morte. A vítima Isaac Souza Ramos, de 2 anos, era filho de Giovana e enteado de Arafat.
No começo deste mês, Emanuelly Aghata da Silva, de 5 anos, morreu após supostamente ter sido espancada pelos próprios pais, em Itapetininga (SP). Ontem, foi enterrado um bebê de 1 ano e cinco meses que morreu suspeito de ter sido espancado e abusado sexualmente pelo próprio pai em Piracicaba (SP).
São tantos os casos que as crianças e os adolescentes são os grupos cujas violações de direitos humanos sofridas em 2016 tiveram mais denúncias por meio do Disque 100 (Disque Direitos Humanos). Das 133 mil denúncias recebidas por meio do canal, 76 mil atendimentos se referem a essa faixa etária. Situações de negligência, violência psicológica, física e sexual são as violações mais comuns. O balanço de 2017 ainda não foi divulgado pelo governo federal.
Contudo é possível acessar aos dados de 2017 pelo site do Ministério dos Direitos Humanos. Em Goiás, no ano passado, foram registrados 2588 denúncias de violências contra as crianças e adolescentes. Destes, 967 por negligência e 504 por violência física. Esse quadro pode ser ainda mais grave se levado em consideração que muitos crimes nunca chegam a ser denunciados.
“O Disque 100 trata sobre denúncias, não olhamos os dados e automaticamente dissemos que isso reflete a violência dos grupos que atendemos. A maioria absoluta dos casos não são nem denunciados. Se não chegam ao Disque Direitos Humanos, em muitas vezes não chegam nem às delegacias nem aos órgãos de proteção. A gente sabe que as violações no Brasil são subnotificadas”, explicou a ouvidora nacional dos Direitos Humanos, Irina Bacci.
LIVRE DAS PALMADAS
De acordo com a psicóloga Lidia Carvalho, o processo educativo no país sofre influência histórica e, por isso, gerações mais antigas repetem muito a frase: “apanhei e não tive nenhum problema”. Antigamente, acreditavam que as palmadas tinham sentido educativo. Hoje, com o crescimento de outros métodos, segundo a psicóloga, ela só acontece quando os pais não dão conta do filho.
“Apanhar não vai fazer com que a criança aprenda. Vai deixar ela com medo”, disse. Lidia lembra que todo aprendizado exige repetição, assim como é para escovar os dentes. A especialista analisa que bater demonstra que os pais têm dificuldades de controlar emoções ou achar alternativas saudáveis para educar os filhos. “As palmadas ainda geram culpa para os pais, que muitas vezes voltam atrás da proibição por conta do remorso”.
CONSEQUÊNCIAS
Uma pesquisa da Universidade de Manitoba, em Winnipeg, no Canadá, revelaram que adultos que sofreram algum tipo de agressão na infância, como tapas ou empurrões, tiveram mais chance de desenvolver obesidade (31% contra 26%), artrite (22,5% contra 20%) e doenças cardíacas (9% contra 7%) do que aqueles que foram educados sem nenhum tipo de violência.
Crianças e adolescentes submetidos a episódios de violência desligam involuntariamente partes do cérebro responsáveis pela memória, empatia e emoções, colocando a mente, como afirmam professores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em “modo de sobrevivência”. Assim, a capacidade de concentração e de processamento de novas informações fica comprometida, aponta o estudo feito pelo Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Secretaria Estadual da Educação do Rio Grande do Sul.
As consequências na vida adulta podem ser devastadoras se o problema não for diagnosticado a tempo, assegura Roberta Grudtner, psiquiatra que cursa especialização em abordagem da violência contra crianças e adolescentes pela PUC-RS. A médica explica que os déficits cerebrais apontados na pesquisa acarretam em distúrbios de socialização, facilitam o envolvimento com drogas e álcool, aumentam a agressividade e ajudam na formação de adultos impulsivos.
MAIS 4 RAZÕES PARA NÃO BATER NO SEU FILHO
1- Pais que adotam a palmada passam a mensagem de que os problemas podem ser resolvidos na base da força física.
2 – Se a criança já não responde da mesma forma às palmadas, castigos físicos cada vez mais severos podem ter início.
3 – Quem apanha tem mais chance de se tornar um agressor.
4 – Nos casos mais graves, a criança pode desenvolver dificuldade de aprendizagem, postura de medo em relação aos pais e sequelas físicas.
(Fonte: Revista Crescer)