Consequências eternas do bullying
Redação DM
Publicado em 31 de janeiro de 2017 às 01:10 | Atualizado há 5 meses
Até há pouco tempo, acreditava-se que quando uma criança sofria violência física ou psicológica, sobretudo no ambiente escolar, que aquele trauma seja superado na medida em que ela cresce. No entanto, novas pesquisas indicam que as cicatrizes podem acompanhá-la até quando adulta, e talvez, até mesmo, pelo resto da vida.
É o caso de uma investigação que seguiu mais de 7 mil britânicos desde a época em que frequentavam o colégio e tinham entre 7 e 11 anos até a quinta década de vida. A triste constatação: sujeitos que sofreram bullying possuíam maior probabilidade de encarar depressão, transtornos de ansiedade e pensamentos suicidas quando adultos. Não parava aí. Essas mesmas pessoas tendiam a apresentar nível educacional mais baixo e, entre os homens, salários menores.
“Nem todos os indivíduos agredidos na infância terão essas dificuldades depois, mas o risco de que isso aconteça nesse grupo é muito maior em relação ao restante da população”, analisa a psicóloga Louise Arseneault, do King’s College London, na Inglaterra.
Em outro levantamento, Louise notou que 26% das mulheres que foram vítimas de bullying mais jovens tornaram-se obesas aos 45 anos – entre as que não passaram por isso, o índice ficou em 19%. Na comparação, ainda foi possível discernir que quem sofreu com esse tipo de assédio, quando pequeno, apresentava mais tarde uma maior circunferência na cintura, algo que, além de incomodar a visão no espelho, pode ser maléfico à saúde.
Além do impacto no corpo, a mente e o convívio social também costumam sair traumatizados. “A autoestima fica abalada e geralmente a pessoa não consegue fazer amizades com tanta facilidade”, observa Lúcia Williams, professora de psicologia da Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista. “Nesse contexto, pode se desenvolver certa aversão à escola e há casos de indivíduos que param até de estudar”, atesta.
Não é por menos que Lúcia e outros especialistas defendem que a melhor forma de conter ou minimizar todos esses danos é intervir ainda no âmbito da instituição de ensino. O bullying tem de ser encarado de maneira séria, e não apenas como mera brincadeira infantil.
Para Louise Arseneault, é necessário identificar quem precisa de ajuda e oferecer apoio se houver sinais de sofrimento e angústia. “Devemos ficar vigilantes quando as crianças de repente param de querer ir ao colégio, quando há uma mudança repentina de humor… Esses comportamentos estão associados ao bullying”, afirma.
Divã
No entanto, não significa que seja tarde demais para contra-atacar as sombras do bullying. Os especialistas sugerem sessões de terapia, que permitem assimilar, superar ou driblar as marcas do passado. Muitas vezes, também, possibilitando oferecer um perdão “interno” ao autor do bullying. “Perdoar não é encontrar uma justificativa para aquela ação ruim. É substituir uma emoção negativa, como ódio e rancor, por um sentimento melhor, de alívio”, esclarece Lúcia.
Os conselhos e as ferramentas concedidos pelo terapeuta ainda ajudam a escapar de saídas ineficazes e por vezes prejudiciais, como vigiar pelas redes sociais a vida do carrasco de infância, mesmo que seja numa tentativa de desculpá-lo pelos seus erros. Lúcia alerta que, além de ser inócuo, esse comportamento não gera uma reflexão e absolvição profundas, o que vai produzir mais desconforto.
E não é só a vítima de bullying que precisa de apoio, seja na escola, seja no trabalho. De acordo com Paloma Pegolo de Albuquerque, professora de psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, há evidências de que os autores da agressão necessitam de orientação para estabelecer formas mais saudáveis de convívio com os colegas.
“Muitas vezes, eles não tiveram modelos apropriados de relações respeitosas e democráticas nem foram expostos a ambientes com normas e limites”, explica. Isso não quer dizer que devam ficar impunes. A ideia é adverti-los e guiá-los para que não continuem a ferir os outros, e nem a si mesmos.
Ofensas no trabalho
Brincadeiras de mau gosto não são raras na vida adulta, principalmente no ambiente profissional. E também podem trazer agravos psicológicos – a autoestima e a motivação no emprego tendem simplesmente desaparecer. Mas, diferentemente da criança, mais imatura e vulnerável por natureza, o adulto costuma ter mais ferramentas próprias para se defender.
Se preciso, não se deve hesitar em abrir o jogo com os colegas e o chefe ou procurar ajuda dentro da própria empresa. Vale lembrar que casos mais graves até se enquadram na infração do assédio moral, e existem diversos recursos legais para evitar e punir situações do tipo.
Depressão cresce entre os adolescentes
Uma pesquisa da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, acessou dados de 176.245 adolescentes de 12 a 17 anos e de 180.459 adultos com 18 a 25 anos, no período entre 2005 e 2014. E o resultado foi preocupante: analisando as respostas de questionários ligados ao bem-estar psíquico, a taxa de jovens que reportaram ter sofrido algum episódio de depressão subiu 37%. O pior é que uma a cada seis meninas alegou manifestar o quadro no último ano.
Segundo Miguel Boarati, coordenador do Ambulatório de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas, em São Paulo, o panorama não é exclusividade dos americanos: “Temos notado uma busca acentuada de adolescentes por tratamentos em saúde mental”, afirma o especialista. “Mas não temos um estudo formal para confirmar isso, como nos Estados Unidos”, atesta.
Os autores daquele trabalho não sabem responder com clareza o que está causando esse aumento significativo. Para Boarati, a maior cobrança por bons desempenhos e o cyberbullying podem ser apontados como alguns dos vilões. Mas por que as garotas estariam sendo mais afetadas? Questões hormonais e culturais podem estar envolvidas. Inclusive, o próprio padrão de beleza atual e as exigências por trás dele – que certamente são mais fortes no sexo feminino – teriam um papel importante nesse sentido.
Impactos
É nessa fase da vida que o desenvolvimento social e escolar evolui a pleno vapor. Daí porque a depressão pode ser particularmente perigosa quando ocorre entre os 12 e 17 anos “O adolescente é mais suscetível a apresentar um quadro grave rapidamente”, atesta Boarati. “Ele tem menos recursos que um adulto, que já está encaminhado na vida, para lidar com o problema”. Infelizmente, os sintomas depressivos são acompanhados de uma tendência a consumir álcool e maconha exageradamente e aumentam o risco de suicídio.
Agora um dado chocante: o levantamento americano aponta que as mortes por suicídio na faixa etária dos 10 aos 14 anos superam as por acidentes de carro. “Não temos ideia da extensão desse problema aqui no Brasil”, adverte Boarati. “Muitas vezes os casos não são divulgados. Mas notamos que estão de fato crescendo”. Ele observa que faltam serviços especializados para atender esse público, especialmente em postos de saúde próximos a escolas. Ao reconhecer sintomas suspeitos em um jovem, tenha sensibilidade, mas busque ajuda.