Dia da Consciência Negra pode virar feriado
Diário da Manhã
Publicado em 19 de novembro de 2017 às 02:12 | Atualizado há 4 meses
Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados pode transformar o Dia da Consciência Negra em feriado nacional. Em entrevista por telefone ao Diário da Manhã, o deputado federal Valmir Assunção (PT–BA), autor do projeto, ressaltou que a única coisa que irá fazer é “legitimar o que já existe na prática”, pois o dia já é feriado em cinco estados (Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro) e mais 128 municípios de outras unidades federativas. Para ele, essa data é um forte símbolo da luta dos negros por igualdade e liberdade na História do Brasil, e por isso digna de ser feriado nacional.
Atualmente, é de competências das assembleias estaduais e das câmaras municipais decidirem se a data é feriado ou não. O projeto que pode mudar isso, o PL 296/15, já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) e agora aguarda a apreciação em plenário.
O deputado afirmou que só quer levar o projeto à plenário depois de ter consenso entre os líderes partidários, com quem tem esforçado para dialogar. No dia 26 de outubro, o deputado se reuniu com a ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, quando ela firmou o compromisso de convencer a base. Enquanto isso, o deputado ficou responsável por persuadir a oposição.
Uma dificuldade apontada pelo deputado é a resistência do setor empresarial, o qual alega que o feriado atrapalha o comércio. De fato, antes de passar pela CCJ, o projeto foi aprovado na Comissão de Cultura mas rejeitado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviço.
No entanto, professor de filosofia e militante negro Domingos Dumas, argumenta que o feriado pode ser vantajoso economicamente. “O feriado de 20 de novembro, ao invés de causar prejuízos para a economia local, pode ser otimizado e gerar lucros. Pois a população negra vem se organizando do ponto de vista do empreendorismo e oferecendo bons produtos à sociedade. Assim, o impacto econômico é certo e toda a sociedade tem a ganhar”, explica o professor, que também é integrante do Conselho Municipal de Igualdade Racial.
Para enfrentar a oposição ao projeto, Valmir Assunção reconhece a necessidade da mobilização social. “O movimento negro tem que pressionar os deputados… Eu sinto que vai ter uma grande pressão dos lobbies brancos, mas confio na força da negrada”, exclamou ele. Para o deputado, a importância da data, especialmente se elevada a feriado nacional, é a valorização das lideranças negras. “Ela gera orgulho e autoestima na população negra e combate à discriminação e preconceito”. Dumas também defende os ganhos sociais do possível feriado: “O feriado pode e deve ser aproveitado para a organização de seminários e debates sobre as questões étnico- raciais, mostra de filmes negros, desfiles de moda negra, oficinas de turbantes e penteados.”
A data gera orgulho e autoestima à população negra e combate a discriminação e o preconceito”
Valmir Assunção (PT–BA), autor do projeto
Prefeitura de Goiânia trabalha pela igualdade racial por meio da conscientização
As políticas afirmativas contra o racismo se estruturaram em um órgão específico da Prefeitura de Goiânia somente em 2013, na gestão do ex-prefeito Paulo Garcia. A Secretaria Municipal de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR), como era chamada na época, se tornou em 2015 uma das superintendências da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas (SMDHPA), chefiada atualmente pelo secretário Filemon Pereira. O trabalho da Secretaria é basicamente conscientização e formação de estudantes e servidores públicos, realização de conferências temáticas e o recebimento de poucas denúncias.
Ogerentedeassistênciaàsvítimas de preconceito da SMDHPA, Dilmo Luís Vieira, contou que por causa do diadaconsciêncianegra, omêsdenovembro é um dos mais movimentados na Secretaria. Neste mês, muitas escolas procuram a Secretaria para realizarem palestras nas instituições, como por exemplo a Escola Municipal Coronel Gertulino Artiaga, do Setor Vila Nova, que ele citou. O trabalho de conscientização, segundo o gerente,é uma das principais ações da Secretaria em todo o ano.
“A gente trabalha muito mais com a formação do que propriamente com as denúncias. Quando chega até nós é porque a situação realmente já está muito difícil. O último caso foi de uma aluna que estava sendo perseguida pelo professor por causa do seu cabelo”, relata o gerente, que na ocasião interveio dando palestra na escola. Sobre a professora, Dilmo afirma que o racismo não é uma situação isolada e sim um sistema, ao qual estão sujeitos as instituições e os profissionais. Por isso ele aposta na informação e formação para mudar essa realidade.
Nesse sentido, as atividades da Secretaria se concentraram neste ano na IV Conferência Municipal da Igualdade Racial e em suas 38 pré-conferências, realizadas junto a universidades, grupos organizados da sociedade civil e órgão públicos. Outro programa da Secretaria é a capacitação de servidores públicos da Secretaria de Saúde e Secretaria da Educação contra o racismo institucional. O gerente afirmou que a Superintendência tem boas relações com estas Secretarias, o que considera crucial para o trabalho.
Outro braço da Secretaria Municipal de Direitos Humanos é Conselho Municipal para Igualdade Racial (COMPIR), criado em 2004. No entanto, um dos integrantes, o professor Domingos Dumas, reclamou que o Conselho está parado depois da posse da nova gestão. O Conselho, na teoria, se reúne para tratar de assuntos da população negra, sugerir projetos e até mesmo propostas de lei que combatam a discriminação racial.
Em resposta à contestação de Dumas, Dilmo e o superintendente de Igualdade Racial, Marcos Antônio da Silva, declararam que foi feita uma convocação do Conselho no começo do ano, mas os membros não a atenderam. Além disso, eles afirmaram que pretendem reestruturar o Conselho até metade do mês de novembro. Serão indicadas para o Conselho membros da Comissão organizadora da IV Conferência e será incluído também um representante da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia. A pressa em reformar o Conselho é porque este é um dos requisitos para o convênio com a Secretaria Nacional de Promoção de Igualdade Racial, do Ministério de Direitos Humanos. Esse convênio vai garantir para a SMDHPA uma verba de R$ 100.000,00.
Feriado foi considerado inconstitucional em 2012
O dia 20 de novembro se tornou feriado em 2009, depois da aprovação da Câmara Municipal e a derrubada do veto do prefeito Iris Rezende. Em 2012, porém, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) decidiu que a lei municipal era inconstitucional, pois, segundo a Lei 9335/96, o município tem autonomia apenas para criar feriados religiosos e de centenário da cidade. Já que o dia da consciência negra não entra em nenhum desses parâmetros, o Tribunal estabeleceu que a Câmara não poderia instituir o feriado.