Educação não é a única solução
Diário da Manhã
Publicado em 14 de fevereiro de 2018 às 23:58 | Atualizado há 4 meses
- Professor afirma que investir na educação básica, por si só, não é suficiente para salvar a população das mazelas da desigualdade social, e sim uma estrutura familiar sólida e pautada em união e diálogo
- Especialistas norte-americanos analisam mais de 50 anos de estudos sobre o assunto, e afirmam que somente a qualidade do ensino é que vai ditar o quão duradouro serão os benefícios da educação básica
- Para especialistas, a preocupação deve se ater à qualidade do ensino, mas que políticas públicas voltadas à desmarginalização das periferias dos grandes centros urbanos é um ponto a ser melhor explorado
Ultimamente, o Brasil foi tomado por um discurso político que coloca a educação básica no centro da redenção nacional, como se só a educação pudesse reduzir as desigualdades sociais e promover a justiça social. Ou seja, a “deseducação” é a causa, enquanto as desigualdades, a violência e as injustiças sociais são as consequências. Então, provendo mais educação e educação de melhor qualidade, promove-se igualdade e justiça social.
No entanto, quando o acesso ao ensino básico é limitado, de baixa qualidade e, em muitos casos, pode colocar a própria vida em risco, a máxima supracitada se coloca em xeque. O mesmo também vale quando existe a questão, numa utópica situação hipotética, onde a educação básica é de qualidade, seria ela o suficiente para transformar uma criança num indivíduo saudável, sabendo que ele vive num ambiente familiar doente, onde abusos, violência, álcool e drogas faz parte da rotina?
O professor Luciano Nakabashi fala sobre investimento no ensino. Para ele, “aqueles que pensam na educação como a solução para tudo estão enganados”, pois “o ensino é fundamental, mas não suficiente, para melhorar principalmente a produtividade no trabalho e o nível de desenvolvimento econômico e social das pessoas.”
Nakabashi afirma também que fica mais difícil educar crianças vindas de famílias instáveis, pois fatores psicológicos afetam o aprendizado. “Todo o ambiente de casa é fundamental para as crianças que chegam à escola. E é fundamental que os pais auxiliem nas atividades que devem ser feitas em casa. Ser mais inclusivo na comunidade escolar também é fundamental para o desenvolvimento da criança. Participar de eventos coletivos e celebrações, mais do que uma festividade para os meninos, é também um momento de formação do seu caráter, onde se aprende a importância do trabalho em equipe e do respeito pelo outro”, explica.
Antes de pensar no quesito de como melhorar a educação, deve ser pensado como melhorar o ambiente familiar. “Hoje, a ciência vem descobrindo que um dos elementos que mais afetam as crianças, em relação ao desempenho escolar, é a instabilidade emocional, com brigas em casa e separação, por exemplo.” Políticas públicas, portanto, podem ser utilizadas como um meio de amparo para essas famílias. “Bolsa Família é um exemplo de auxílio que, de certa forma, contribui; entretanto, o apoio psicológico é fundamental, tanto para a família quanto para a criança”, diz Nakabashi.
Pesquisadores de cinco universidades americanas acreditam que chegaram à resposta final para uma pergunta que há anos é debatida no meio acadêmico: educação infantil realmente funciona? Eles analisaram 22 estudos publicados entre 1960 e 2016, e concluíram que, sim, pode ser benéfica e seus impactos durarem por toda a vida escolar da criança. No entanto, o benefício depende da qualidade da educação ofertada. Dana McCoy, professora da Escola de Educação da Universidade Harvard, liderou a pesquisa que identificou que crianças com acesso à educação infantil de qualidade tiveram menos necessidade de reforço escolar, menor índice de repetência e mais chances de se formarem no ensino médio. Ela conversou com o Estado sobre esses desafios.
ORIGEM DA MÁXIMA
“‘O remédio seria prover educação pública básica de qualidade, para torná-los competitivos na vida, capazes de disputar não só melhores postos de trabalho como também os melhores cursos nas melhores universidades.’ Embora esta seja uma variante do pensamento meritocrático liberal, de que prover educação básica é ensinar a pescar ao invés de dar o peixe, é dar a todos condições de disputar em igualdade de condições o seu lugar ao sol em um mundo onde reina a competição e a livre iniciativa, este discurso é tão tomado de censo comum que mesmo os progressistas assumiram-no, como que a buscar legitimação num modo de pensar politicamente correto”, critica o jornalista e cientista político Renato Souza.
Para ele, o discurso trata-se, contudo, de um truísmo tão vazio de sentido político que pode ser compartilhado pela esquerda e pela direita, por progressistas e conservadores sem grandes controvérsias, como se o que os distingue fosse o que cada um pudesse fazer pela educação pública. “Este mesmo argumento tem sido usado com frequência e veemência para criticar, por exemplo, a recente expansão do sistema público de ensino superior e a política de cotas nas universidades públicas. Os críticos têm dito que, ao invés de gastar os parcos recursos públicos na expansão do ensino público superior, a estratégia correta deveria ter sido investir na qualificação do ensino público básico, e assim tanto os pobres quanto os negros teriam acesso ao ensino superior de qualidade sem que fosse preciso expandir o sistema público nem privilegiá-los com cotas”, aponta o jornalista.
“As escolas públicas, estas que se afirma serem tão piores que as privadas, não podem selecionar seus alunos, localizam-se com frequência em contextos sociais violentos e/ou vulneráveis. Muitas vezes lidam com o tráfico de drogas à sua porta impondo regras de funcionamento, acolhem todo o tipo de aluno e lidam com todos os perfis e contextos familiares. Não raramente com aquelas famílias que, por sua vulnerabilidade, desestruturação e baixa escolaridade dos pais, não tem nenhuma condição de prover qualquer forma de apoio e orientação escolar aos alunos, tampouco acompanhar a sua vida acadêmica”, explica.
Renato aponta que, além disso, as escolas públicas brasileiras estão distribuídas em todo o vasto e diverso território nacional, sem qualquer distinção em relação às condições econômicas e sociais locais. Já as escolas privadas orientam-se pela viabilidade de seus negócios, localizando-se em regiões economicamente mais desenvolvidas e socialmente mais estruturadas. “Isto tudo complexifica muito a questão, e indica que o problema da educação pública não é só o da qualidade da escola pública, mas também dos contextos sociais, culturais e econômicos onde ela atua”, conclui o especialista.
56 ANOS DE ESTUDOS
Pesquisadores de cinco universidades americanas analisaram 22 estudos publicados entre 1960 e 2016, e concluíram que a educação, sim, pode ser benéfica e seus impactos durarem por toda a vida escolar da criança. No entanto, o benefício depende da qualidade da educação ofertada.
Dana McCoy, professora da Escola de Educação da Universidade Harvard, liderou a pesquisa que identificou que crianças com acesso à educação infantil de qualidade tiveram menos necessidade de reforço escolar, menor índice de repetência, e mais chances de se formarem no ensino médio. Em entrevista ao Estadão, ela falou sobre esses desafios.
ENTREVISTA COM DANA MCCOY
Quais os benefícios já comprovados da educação infantil?
Uma educação infantil de qualidade permite que as crianças desenvolvam habilidades sociais, emocionais e cognitivas que as ajudam a ter mais sucesso na vida escolar. Um exemplo são projetos pedagógicos que trabalham foco e atenção para que elas convivam melhor com os colegas e controlem seus impulsos. São habilidades centrais para ter sucesso na vida adulta.
A escola desenvolve mais e melhor algumas habilidades do que em casa?
Em um cenário ideal, as crianças vão desenvolver habilidades em casa e na escola e esses dois ambientes vão se reforçar positivamente. Para famílias com severos problemas de adversidade, como violência e pobreza, promover um ambiente doméstico positivo pode ser difícil. Nesses casos, uma educação infantil de qualidade pode ter um papel de proteção, ajudando as crianças a desenvolverem habilidades para lidar com o estresse do ambiente familiar.
O que é preciso para garantir qualidade na educação infantil?
Há vários elementos centrais para uma educação infantil de qualidade. De um lado, as escolas devem assegurar que seu ambiente físico é seguro e envolvente para as crianças. É um requisito básico. Além disso, as escolas devem ter professores capazes de promover interações afetuosas e estimulantes com as crianças, que são centrais para seu aprendizado e desenvolvimento. Estudos já comprovaram que oferecer aos professores oportunidades de formação, salários adequados e práticas pedagógicas baseadas em evidência podem ajudá-los a ofertar essas interações na sala de aula. Menos alunos por professor também é importante para assegurar que cada criança receba a atenção individualizada que precisam.
Uma educação infantil de má qualidade pode trazer impactos negativos?
Não é suficiente só oferecer o acesso à educação infantil. A qualidade do ensino é absolutamente crítica.
A criança aprende a desenvolver diferentes formas de afeto quando vai para a creche?
Interações positivas entre crianças e adultos são absolutamente críticas para o desenvolvimento afetivo. Em geral, os pais exercem o papel primário de cuidado, mas as crianças se beneficiam muito quando os cuidados de acolhimento e carinho são oferecidos também por outros adultos, como professores, educadores, pais e outros membros da família. No Brasil, algumas escolas privadas oferecem períodos escolares de até 12 horas para crianças a partir dos seis meses, currículo bilíngue, atividades esportivas e artísticas.
É preciso cuidado com o excesso de estímulo?
Crianças pequenas estão constantemente aprendendo, mesmo com as interações mais básicas. Apesar de atividades estruturais serem benéficas, é importante que as crianças possam brincar livremente e explorar de forma independente ou com outras crianças da sua idade. É por meio da brincadeira livre que elas desenvolvem criatividade, aprendem como o mundo funciona e começam a estabelecer boas relações com seus pares.
Um grande desafio no Brasil é ainda o acesso à creche por famílias mais pobres. Os governos estão dando a devida importância para os investimentos na educação infantil?
Governos em todo o mundo estão enfrentando desafios similares com a expansão da educação infantil. Há um grande entusiasmo com programas de desenvolvimento da primeira infância, mas também o reconhecimento de que essas ações precisam de qualidade para ser bem sucedidas. Balancear acesso e qualidade é um desafio.
As conexões neurológicas desenvolvidas na primeira infância são preservadas ao longo da vida?
Evidências iniciais sugerem que a exposição a adversidades nos anos iniciais da vida tem um impacto negativo no cérebro décadas depois. Não vemos esses mesmos impactos quando eventos adversos acontecem mais tarde na vida. Isso sugere que a primeira infância é um período particularmente sensível para o desenvolvimento do cérebro e reforça a importância de protegermos as crianças de adversidades nesses primeiros anos.
Dana é professora assistente da Escola de Graduação em Educação da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. É pós-doutora em Psicologia Aplicada, e seu trabalho visa a entender como as condições socioeconômicas afetam o desenvolvimento cognitivo e socioemocional na primeira infância