EUA farão guerra ao Brasil?
Diário da Manhã
Publicado em 3 de fevereiro de 2017 às 02:08 | Atualizado há 4 meses
Há quem diga que o Brasil poderia muito bem dissolver suas Forças Armadas. Economizaríamos milhões, gastos improdutivamente em uma organização sem finalidade. Os que dizem isso argumentam que o Brasil não tem conflito, atual ou latente, com nenhum de seus vizinhos. Também não tem interesses em adquirir novos territórios, seja porque nossa Constituição proíbe a guerra de conquista, seja porque nem sequer concluímos aquela que é a grande tarefa histórica dos brasileiros: a integração nacional. Por fim, tem os que argumentam que a existência das Forças Armadas será sempre um fator perturbador da ordem democrática. Sempre resta a possibilidade de os militares intervirem ilegalmente, por meio de golpes militares, na ordem político-institucional.
Esta possibilidade existe. Por mais tentadora que seja, contudo, ela hoje é muito mais remota do que em outros tempos. Sempre haverá civis, tolos uns, mal-intencionados outros, que suplicarão aos militares para que intervenham e baixem uma ditadura. São as eternas vivandeiras dos bivaques dos grandeiros, como Castelo Branco pejorativamente denominou aqueles políticos que, não tendo um projeto político capaz de empolgar a Nação. Não tendo qualquer esperança de chegar ao governo pela via eleitoral, açulam os militares contra o poder civil na esperança de que os homens de farda lhes entregaram o que à força foi conquistado.
Mas os militares não se mostram inclinados a nova aventura golpista. Há entre o pessoal da ativa, aqueles que se deixam seduzir pelos apelos dos “intervencionistas”, aqueles que rogam aos generais para que assumam o poder, mesmo não tendo clareza do que querem fazer com ele. Mesmo alguns generais assumidamente conservadores e anti-petistas já se manifestaram contra o golpismo militar. O comandante do Exército, general Villas Boas, já chegou a qualificar como birutas os que apelam à intervenção militar.
Este repórter tem uma opinião definitiva a respeito de intervenção militar na ordem política: será sempre contra, como sempre foi. Quanto à dissolução das Forças Armadas, tem também uma opinião definitiva: é contra. O Brasil não pode abrir mão de suas Forças Armadas. Pelo contrário, o momento é oportuno para promover o rearmamento interno, mas a partir de nossas próprias bases industriais.
Embora não tenhamos conflitos com nossos vizinhos (malgrado existam por aí um bobocas sonhando por um confronto armado com a Venezuela, por mero parti-pris ideológico), a ameaça de um confronto armado com grandes potências do hemisfério norte não pode ser descartada. Estivemos a um passo da guerra contra a França em 1963, por causa da lagosta cearense. Na undécima hora a França retirou seus navios de guerra e seus barcos pesqueiros da costa brasileira.
Se o Brasil tiver que, um dia, ir à guerra, será contra os Estados Unidos da América. Não é nenhum maluco esquerdista que pensa assim. Já existem nas Forças Armadas brasileiras quem considera seriamente esta hipótese, muito embora não haja nenhum atrito entre o Brasil e a América. Mas o conflito é latente e tem por objeto a posse das riquezas da Amazônia.
O coronel de Infantaria e Estado-Maior Paulo Ricardo da Rocha Paiva é um desses que não descartam a possibilidade de, um dia, termos que enfrentar uma agressão norte-americana. Na opinião dele, o Brasil tem que se preparar para esta eventualidade. Se o ataque fosse hoje, não teríamos a menor possibilidade material de fazer frente ao agressor.
O pensamento do coronel a este respeito pode ser acessado no site denominado “Revista Forças Armadas”. Os dirigentes do site se apressam em dizer que a publicação, dedicada a assuntos militares brasileiros, não tem vínculos com as Forças Armadas. Publica artigos de militares da ativa e da reserva, e até de quem não é militar, mas, adianta, a opinião de seus colaboradores não expressa, necessariamente, o ponto de vista da publicação.
Foi neste site que o coronel Paulo Ricardo publicou, em janeiro de 2015, um artigo muito franco a respeito da situação do Exército Brasileiro, em termos de armamentos, e a possibilidade de um ataque norte-americano. “Defesa antiacesso? As Forças Armadas teriam possibilidade de defender nosso território em um planeta cada vez mais carente de recursos naturais?”– este é o longo título do artigo. Apesar de ser velho de dois anos, o artigo ainda é atual. O que nele se discute não perdeu a pertinência.
“É notório que nesse mundo, cada vez mais carente de recursos naturais, entre eles a água, os países privilegiados nesse sentido têm que proporcionar à sociedade segurança de que não seremos usurpados em futuro próximo”, adverte o coronel.
Ele informa que, ao elaborar esta “matéria hipotética”, serve-se de dados contidos em estudos do general de Brigada R/1 Luiz Eduardo Rocha Paiva, professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, ardente defensor da “estratégia de defesa antiacesso”. Por meio desta indicação, supõe-se que o assunto é tratado, ainda que como mera hipótese, na alta cúpula do Exército brasileiro.
Eis que, suponhamos, a comunidade internacional, alarmada com a falta de previsão e descaso com que o País trata o problema de abastecimento d’água (justo o Brasil, a parte do mundo melhor aquinhoada, com a maior quantidade em recursos hídricos), resolve se garantir de molde a que não falte o precioso líquido para o abastecimento do primeiro mundo, por absoluta incompetência dos naturais daquele subcontinente. As potências militares são instadas a solucionar este desafio à estabilidade internacional, ao que se somam os pertinentes às seguranças energética e ambiental, fato que cai como uma luva para o atendimento aos seus objetivos nacionais permanentes, qual seja o de manutenção do status de seu poder mundial. Ou seja, pretextos para nos atacar eles têm.
O coronel observa que o Brasil, entretanto, surpreendentemente, após tantos alertas dados pela “intelligentsia” (estudiosos militares da ativa, da reserva e, também, civis) nacional, partidária do princípio de que “defesa não se improvisa”, ainda que não dispondo de poder de dissuasão nuclear, já havia se debruçado com grande profundidade no planejamento e preparo da única estratégia capaz de, sem dispor a curto prazo de artefatos domésticos nucleares, se contrapor, com possibilidade de êxito, a uma ameaça deste nível.
A Estratégia Nacional de Defesa havia determinado a elaboração de projetos unificados de reequipamento e articulação. Um Projeto Conjunto de Forças tinha sido traduzido num Sistema Único de Defesa Antiacesso. Esse sistema, interagindo com o Sistema Brasileiro de Inteligência, composto por subsistemas integrados de vigilância, havia sido estabelecido de forma a se dispor de: satélite brasileiro; defesa antiaérea; mísseis de longo alcance, com plataformas móveis terrestres, navais e aéreas tripuladas e não tripuladas seriam acionados, de forma a, só em último caso, serem empregadas as forças terrestres móveis para engajar o inimigo que acessasse os limites nacionais.
E que inimigo seria este? O coronel traça-lhe o perfil: “O inimigo desloca pelo Mar do Caribe uma armada de porte, onde não faltam porta-aviões e submarinos nucleares, bem escoltados por fragatas e corvetas, uma grande parafernália de meios aeronavais no rumo da foz do Amazonas. Nosso propósito será neutralizar ou desgastar esta pletora de armaria ainda longe do litoral”.
Linhas adiante, ele identifica claramente este indivíduo: “Não podemos raciocinar em bater o oponente tão somente quando ele estiver sulcando o mar de água doce gerado pelo Amazonas nas águas do Caribe. Devemos, sim, castigá-lo tão logo tenha largado ferros das bases na Flórida e do restolho insular colonial franco britânico. Por Deus! Quem não pensa assim já perdeu a guerra antes de entrar em combate. Será que nossas vitórias, a partir de agora, vão ficar limitadas apenas à ocupação de favelas? Que lástima!”
Que inimigo seria este que levantaria ferros a partir da Flórida? A Marinha e os fuzileiros navais dos Estados Unidos da América. Quem mais poderia ser senão eles?
“O Sistema de Defesa Antiacesso seria posto à prova numa situação real, em cumprimento da missão constitucional mais importante das Forças Armadas, qual seja, a de defender o território nacional de inimigos externos. Hoje, agora, o estabelecimento deste sistema de grande potencial dissuasório está ainda apenas no estágio das conjecturas! Por quê?
O coronel expressa sua justa indignação pelo fato do Brasil não ter dado às suas Forças Armadas os meios necessários para um tal enfrentamento. “Sabe-se que o Exército brasileiro, em setembro de 2013, testou com êxito o MTC (míssil tático de cruzeiro) 300, com alcance de 300 Km. Tudo muito bonito, só que fica muito forte engolir este tipo de assertiva: a arma está no limite Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (o MTCR), do qual o Brasil é signatário. O acordo restringe o raio de ação máximo a 300 km e às ogivas de 500 Kg (Brincadeira!) Quem referendou este crime de lesa pátria?”
O MTC300 está dentro da distância fixada pelo inimigo que tem condições de nos ameaçar, e que não são os países latinos. “Brasileiros! Ou o País se dá ao respeito e denuncia estas mordaças humilhantes ou vamos continuar sendo olhados como a coisa nenhuma em termos militares”, adverte o coronel.
E se Trump…
Se Trump mandasse a 4ª Frota dos EUA entrar pelo Rio Amazonas afora para afastar a soberania brasileira sobre a região, não teríamos como resistir à invasão. Poderíamos, quando muito, organizar uma resistência patriótica à ocupação estrangeira, usando táticas de guerrilha. Mas disso o coronel não trata. Seu objeto é o rechaço de uma hipotética invasão ianque. Seu artigo é um alerta ao País. Não temos meios de rechaçar um ataque desses.
Ele assina outro artigo, na mesma publicação, agora avaliando os meios de que dispomos e os meios de que deveríamos dispor. O título é “Dissuação Extra Regional”.
“Vamos tratar do que realmente pode machucar o inimigo antes que ele possa chegar perto do nosso território. Vamos discutir sobre como estamos nos enganando”, adianta ele. Primeiramente, considere-se o alcance dos mísseis fabricados no Brasil. São foguetes muito bons para fazer frente a ameaças de países sul-americanos em nossas fronteiras. O coronel fornece uma lista desses mísseis, cujo alcance variam de 30 quilômetros a 300 quilômetros. É um míssel capaz de defender o pré-sal, por exemplo. Mas estão sediados em Fomosa, Goiás, muito longe do litoral, que é onde deveriam estar. Existe um outro grupo desses mísseis em Belém. Mas indaga o irônico coronel: “Seria esse o nosso trunfo de dissuasão extrarregional? Meu Deus! Que alguém me prove que não estamos viajando na maionese”.
“Ou o País toma vergonha na cara e denuncia este ajuste internacional que nos limita a 300km/500 km ou vamos começar a apanhar bem cedo, com os grandes predadores militares mandando seus presentes desde 1500/2500 km. Vejam que, já do mar, esses poderosos inimigos podem atingir nossas baterias de “Astros II” ainda em Brasília. E nós? Parece que ninguém se dá conta! Nós vamos estar em deslocamento acelerado pelas nossas estradas esburacadas, correndo atrás do atraso desde a saída da capital federal”, protesta o coronel.
Vejam, 300 km de alcance é muito pouco! Grandes predadores militares que cheguem a esta distância da nossa fronteira norte ou da bacia do pré sal é como se já tivessem alcançado a “distância de assalto”, ou seja, aquela em que se manda calar baionetas. “Deixar esta gente chegar assim, sem nenhum castigo de longa distância, é não dar a mínima para nossos filhos e netos que vão estar na linha de frente”, adverte o oficial. Ele defende um programa de adoção de mísseis que possam alcançar até 1500 quilômetros. Um alcance até modesto se considerarmos que a Rússia de Putin voltou a construir mísseis com alcance de 12 mil quilômetros, capaz de levar várias ogivas nucleares.
O coronel não dá maiores informações sobre o tal míssil. Mas de outras fontes sabe-se que será fabricado pela Avibrás, empresa genuinamente nacional respeitada em todo mundo pela excelência dos mísseis que desenvolve e fabrica. Apesar de seu curto alcance, trata-se de uma arma eficiente, com altíssimo grau de precisão. Guiado por GPS, pode ter sua rota traçada ainda em terra. Viaja a velocidade de 1500 km/hora. Leva uma carga explosiva de 200 quilos, sendo ideal para atingir edifícios, destruir pistas de pouso e afundar navios. Pode ser disparado a partir de plataforma Astros II. Mas só estará operacional depois de 2018. Por enquanto, está na fase de testes e homologação.
“Um remendo urgente, emergencial, seria dotar nossas 14 belonaves de escolta da Marinha, cada uma, com uma seção de Astros II, a fim de que os ínfimos 300 km fossem contados já a partir de alto-mar”, sugere o oficial. “A propósito, esses navios de guerra já foram, todos, dotados com os mísseis Exocet (que a Força Naval já fabrica) para ataque/defesa aproximada, ou se vai priorizar os recursos para compra de 27 navios patrulha, aqueles para exercício de tiro ao alvo pelo inimigo?”– indaga Ricardo Rocha Paiva.
Outra linha-de-ação (de remendo, até se dispor do VDR-1500) é dotar, todos, os grupos de artilharia do Rio de Janeiro de uma bateria de Astros II – sugere, por fim, o coronel. O grande trunfo militar brasileiro é seu parque industrial, que pode ser rapidamente requalificado para produzir material bélico em caso de guerra. Nem o Chile, nem a Venezuela, que possuem as mais bem equipadas Forças Armadas da América Latina, dispõem desta vantagem comparativa. A própria indústria bélica nacional é, hoje, grandemente respeitada em todo mundo, embora já tenha vivido melhores dias.
Mas o rearmamento de nossas Forças Armadas, nos dias de hoje, está muito longe das cogitações das equipes econômicas do governo federal. Com o congelamento das despesas públicas pelo Novo Regime Fiscal, o Brasil terá que passar mais 20 anos sem poder adquirir sequer uma garrucha nova. A economia brasileira, já em depressão anunciada, não pode se recuperar contando apenas com as forças de mercado. O mercado está exangue. Um programa desenvolvimentista, que preconizava maciços investimentos públicos, traria de volta a prosperidade. No contexto de um plano como este, um programa de rearmamento das Forças Armadas, por meio da indústria nacional, teria não apenas um sentido estratégico geopolítico, mas também um alto significado econômico.