Cotidiano

Futebol: Fenômeno social complexo e relevante

Redação DM

Publicado em 24 de junho de 2018 às 03:25 | Atualizado há 7 anos

“Em futebol, o pior cego é aquele que só vê a bola”. Escrita em crônica pu­blicada no ano de 1958, quando a seleção canarinha venceu seu pri­meiro mundial, a frase do jornalista Nelson Rodrigues é um instrumento para entender a influência que o es­porte bretão possui sobre a socieda­de. Em época de Copa do Mundo, bares e restaurantes ficam cheios de pessoas com olhos atentos ao televi­sor, nervosos em jogadas erradas e fervorosos no momento do gol. Por outro lado, a máxima de que a peleja é “pão e circo” ganha força entre par­te considerável dos brasileiros neste período. No entanto, é inegável que o certame mobiliza milhares de torce­dores em torno do mesmo propósito: reverenciar um time.

Por isso, a análise dos fenômenos presentes na realidade do futebol, da paixão e dos conflitos entre torcidas organizadas deve ser baseado em conceitos estudados pelas ciências sociais. Assim, o cenário de massifi­cação e abrangência do jogo segue as tendências propostas pela globa­lização. Em contrapartida, o esporte tem uma série de particularidades que precisam ser compreendidas à luz das análises propostas por cientis­tas sociais. Se a tônica que rege a lógi­ca da peleja é o negócio, os jogadores sãoseuprincipalproduto. Opapelso­cial que o futebol dispõe é primordial para assimilar os motivos que levam o craque a virar ídolo de determinada torcida, pois são eles que garantem a presença de multidões nos estádios e angariam exposição midiática.

Professor da Universidade Fede­ral de Goiás (UFG), o pesquisador Glauco Roberto Gonçalves expli­cou que o futebol precisa ser enten­dido como uma manifestação social complexa que mexe com a estrutu­ra da sociedade. Segundo ele, a ca­pacidade que o esporte bretão tem de mobilização é “mágica”. “Esse fa­tor em específico chama bastante atenção, porque as pessoas se jun­tam, se encontram com um objeti­vo em comum, que é torcer por um time”, pontua. Para o pesquisador, a ideia de que o jogo seja ‘pão e circo’ é uma avaliação “simplista” que dei­xa de lado várias dimensões sociais responsáveis por compor o universo do torcedor. “Há dimensões de so­ciabilidade enormes, já que ações políticas e culturais são promovidas por conta do futebol”, argumenta.

Na década de 1930, o sociólogo Gilberto Freyre disse, em várias obras, que o futebol representa a miscige­nação da população brasileira. Para o estudioso, cuja seleção no período emqueescreveusuascrônicasespor­tivas tinha como craque Leônidas da Silva, a qualidade dos jogadores da seleção canarinha, o drible, a dança gingada confirmam a brasilidade da terra tupiniquim. “Os nossos passes, os nossos pitu’s, os nossos despista­mentos, osnossosfloreioscomabola, o alguma coisa de dança e de capoei­ragem que marca o estilo brasileiro de jogar foot-ball, que arredonda e adoça o jogo inventado pelos ingle­ses e por eles e por outros europeus jogado tão angulosamente”, discor­re Freyre, no texto Foot-ball mulato.

Além disso, influências familia­res também podem despertar gos­to por um clube. O jornalista Nas­ser Najar, 25, relatou que começou a torcer pelo Vila Nova por influên­cia da família. Adepto do ditado de que um “sujeito troca de casa, mas não o clube do coração”, a paixão pelo tigre da vila famosa foi herdado de seu pai e desde a infância o clu­be possui espaço reservado em seu coração. “Sempre brinco que me di­virto torcendo para o Fluminense e o Vila é a minha religião”, diz ele, que não desgruda os olhos da tele­visão nesta Copa do Mundo. “A gen­te espera quatro anos para ver jogos que só são possíveis de serem assis­tidos neste torneio. Não entendo o porquê de a galera tecer comentá­rios contrários acerca desse hábito”.

NOVA ERA

“Você já entrou, alguma vez, num estádio vazio? Experimente. Pare no meio do campo, e escute. Não há nada menos vazio que um estádio vazio. Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém”. O jornalista e escritor uru­guaio Eduardo Galeano escrevera esse trecho em meados da década de 1990, quando a “modernização” do futebol estava sendo colocada em prática aos poucos. Ao ser inau­gurado em 1950 para a disputa da Copa do Mundo, o estádio do Mara­canã virou símbolo e identidade na­cional. Com o passar dos anos, po­rém, foram surgindo novos tipos de torcedores, alguns mais ativos, ou­tros mais retraídos. Portanto, o tem­plo mundial do futebol incorporou ao jogo um caráter de festa popular.

Porém, com a virada do milê­nio, o hábito de fazer do jogo uma celebração genuinamente popular vem se transformando. Reformas sucessivas, que foram acentuadas por conta da Copa do Mundo de 2014, modificou o estilo do estádio mais famoso do mundo. As chama­das gerais foram praticamente extin­tas em várias cidades do Brasil e as arquibancadas passaram a ganhar novos assentos, que incentivam tor­cedores a assistir aos jogos sentados e, de preferência, em silêncio. Além disso, o preço cobrado pelos times em partidas disputadas pelos tor­neios domésticos afastou aficiona­dos pelo esporte bretão com poder aquisitivo menor, fato que pode ser constatado na Arena Corinthians.

 


Há dimensões de sociabilidade enormes, já que ações políticas e culturais são promovidas por conta do futebol”

Glauco Roberto Gonçalves, pesquisador.

 

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