Cotidiano

Governo mata gênios do Brasil

Redação DM

Publicado em 20 de setembro de 2016 às 15:10 | Atualizado há 7 meses

O Censo Escolar de dez anos atrás, realizado pelo Ministério da Educação, registrou 2.553 crianças e adolescentes superdotados no Brasil. Em outras palavras, gênios e pessoas de grande capacidade cognitiva que hoje estariam na casa dos 13 a 25 anos.

Pela lógica, 2.553 gênios estariam espalhados no Brasil em um levantamento pessimista, já que existe a tese de que teríamos, naquele ano, 1,3 milhão no país. Explica-se o 1,3 milhão. Estima-se que 3% da população tenha talentos especiais. No entanto, uma década depois, são raros os superdotados que avançaram para o notório conhecimento público.

O fato é que o Brasil perde seus gênios. E o mais grave: ignora o fato, nivelando todos jovens por baixo, sem incentivar ou mesmo adequar as políticas públicas de educação para eles.

Até parece que existe, na verdade, uma inveja institucional com os “supertalentosos”. Em vez de iluminá-los, a política de estado faz questão de escondê-los.

As altas habilidades e a criatividade são algumas das características dos superdotados. Geralmente, eles têm algo a mostrar diferente da maioria das pessoas, daí serem sempre um “valor-notícia” e chamarem a atenção de quem os observa.

“Não existe uma forma em específico para identificar um superdotado.  Se existisse uma fórmula, mas nem QI nem o teste Wais são suficientes. A solução: um grupo de especialistas atestar a genialidade, avaliando idade, tempo gasto para adquirir a habilidade e complexidade da tarefa. E daí investir, apontar para o Estado a pessoa”, diz a psicóloga especialista em educação Maria Tereza Souza.

A pianista e educadora Lilian Carneiro Mendonça – que comanda um núcleo de estudos sobre inteligência no Lilian Centro de Música – diz que os “gênios” precisam de estímulos. “Não nasceram com isso, penso eu. Eles desenvolvem. Ninguém nasce sabendo. Tem talento que depende de esforço. O gênio quando descobre sua aptidão, quando compreende a linguagem, passa o dia inteiro envolvido no estudo, seja de música, de arte ou de matemática”, diz.

Lilian acredita que é preciso fomentar políticas públicas e privadas de atenção especial às pessoas superdotadas. “Se não identificarmos o gênio, perdemos ele. A criança começa a pensar que é muito esperta, que tem facilidades, até que abandona a atividade. E lá se vai mais um superdotado perdido no Brasil. Precisamos dar para ele acompanhamento direcionado, com foco, com novos desafios”.

Para Lilian, não existe gênio sozinho “que se virou na terra”.  Lilian cita o caso de Mozart, que demonstrou enorme habilidade ainda criança. “Tente retirar desta história a figura de seu pai, Leopold Mozart, professor de violino, autor de manual de estudos, que você terá um talento desperdiçado. O pai ajudou a dar o foco”.

De fato, Mozart surge em um contexto de grande incentivo e observação.  Daí que o que ele teve falta para muitos: um foco e atenção da família.

O senador goiano Wilder Morais diz que o Brasil desperdiça “cérebros” com burocracia e falta de incentivo. Para ele, é necessário que o estado oferte incentivos através de bolsas para inventores e superdotados, além de programas de acompanhamento público e continuado.

Titular da Comissão de Educação, Cultura e Esporte no Senado Federal, o parlamentar aposta em políticas voltadas para identificar gênios e pessoas talentosas. Wilder Morais cita ao DM o exemplo de Maria Vitória Valoto, aluna do ensino médio, que estará neste mês em evento do Google.

A jovem paranaense de 16 anos que criou cápsula para intolerantes à lactose vai à feira do Google Science para participar, na verdade, de um encontro de “gênios”.  “Ao identificar uma adolescente como esta é necessário avaliá-la, dar oportunidade de pesquisas e acreditar em seu potencial. Por isso defendo uma legislação específica para o Brasil, pois só assim para chamarmos atenção deste fato”, diz Wilder Morais.

SÓ NOTÍCIA

A adolescente do Paraná desenvolveu um sachê que torna o leite comum bom para o consumo de intolerantes à lactose. Como ela, outros também se destacam com ideias inovadoras, mas sem um suporte e um incentivo serão apenas notícia uma vez.

Jovens com grandes ideias e grandes habilidades se aproximam dos gênios, mas ainda existe uma discussão conceitual do que é ser gênio.  “É preciso revelar uma grande habilidade, inventar algo, uma forma diferente de fazer coisas já feitas. Acredito que o gênio é bem mais raro. Mas é evidente que eles nascem no Brasil. E não os identificamos”, diz a psicóloga Maria Tereza Souza.

Ela aponta, por exemplo, o goiano Hebert Valim Barbosa, estudante de engenharia da produção, que criou aplicativo que avisa quando o carro chega a cerca de 70 metros da rodovia através do GPS munido com seu aplicativo. E nele surge uma música do Tim Maia, “Acenda o Farol”. “Não podemos falar que é gênio. Mas cumpre uma das premissas: cria algo da realidade existente. No mínimo é dotado de grande conhecimento”.

A invenção do goiano fez sucesso logo após a promulgação da norma que obrigava o uso de farol nas rodovias. Uma ideia simples, mas que mexeu com milhares de brasileiros.

A questão é que o jovem deveria ser identificado e convidado a participar de grupos de acompanhamento, o que é bastante comum em países da Europa e Estados Unidos. Mas no Brasil o maior prêmio é ser citado em várias reportagens. Depois disso, reina o silêncio e o gênio passa a ser considerado comum, até que o Estado e a humanidade perde alguém que poderia escrever um grande concerto ou descobrir a cura da aids.  

[box title=”Escolas e governos ignoram assunto”]

A genialidade é ignorada nas escolas do Brasil. Com raríssimas iniciativas a regra é deixar no congelador os superdotados. Para Maria Tereza Sousa, psicóloga especializada em educação, o tema é encarado como tabu. “Não é necessariamente maldade, mas o caso vai para o caminho do excêntrico. No Brasil, existe um sensacionalismo das próprias pessoas que contemplam estes pequenos gênios. Elas acham o máximo, mas não sabem lidar”.   

A lei municipal de Goiânia nº 9606/2015, que institui o Plano Municipal de Educação, por exemplo, mesmo sem querer, trata o tema no compartimento da deficiência.

A meta 4 da lei diz que uma das funções do PME é: “Universalizar, para a população com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação e ao Atendimento Educacional Especializado, preferencialmente, na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, instituições educacionais ou serviços educacionais especializados, públicos ou conveniados em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino”.

Ao considerar a superdotação como algo diferente, deficiente, no nível dos que apresentam transtornos globais, a Prefeitura apenas reforçou um dos estigmas dos superdotados: de que não são normais. Mas doentes.  

A reportagem do DM ligou para dez entidades de ensino da Capital e em nenhuma delas obteve respostas de que exista algum programa que atenda a Lei nº 9606/2015 ou descobriu em que medida a educação é direcionada para os superdotados ou mesmo se ao menos identificaram algum gênio em suas unidades. Se existem, eles são desconhecidos. Mas a estatística permanece: 3% da população apresenta poderes intelectuais e cognitivos acentuados.  Sem devido trabalho com os especialistas, tendem a tornar-se mais comuns do que os menos inteligentes – também na faixa de 3% da população, conforme o Censo.  

ELES EXISTEM

Lilian Carneiro Mendonça, pianista e professora, diz que “gênios” realmente existem. Mas sem uma comunidade preparada para observá-los, sem os habituais desafios para crescerem, a tendência é que a mediocridade e a visão mediana das coisas acobertem suas inteligências.

Um dos alunos de Lilian Carneiro Mendonça, Diego Caetano, formou-se em piano em Goiás pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Aos 25 anos já era doutor. Hoje, é um dos instrutores mais festejados dos EUA.

O pianista goiano saiu de Anápolis para terminar seus estudos nos Estados Unidos, de onde seguiu para turnês e apresentações com orquestras e em grandes concursos de música pelo mundo. “Acredito que ele seja um gênio. Mas era extremamente focado no que fazia quando estava aqui. Mas o gênio, o superdotado, tem facilidades de aprendizado, então ele também tinha facilidades, fala várias línguas, é habilidoso em outros campos”, analisa Lilian.

Como Diego, todos os anos, exportamos gênios e superdotados para a Europa e Estados Unidos.  O Brasil, definitivamente, não sabe o que fazer com eles.   

[/box]

 

Concursos e eventos nacionais ajudam a identificar potenciais superdotados

Quando não conseguimos identificar os superdotados, resta ainda permitir que eles mesmos se enfrentem. E desse “conflito” surge sempre alguém com grande habilidade. Foi o que aconteceu com uma escola de Iporá (GO).

Após serem selecionados na Olimpíada Internacional Matemática sem Fronteiras (MSF), os alunos do C. E. Odilon José de Oliveira garantiram uma vaga na Convenção Internacional de Jovens Matemáticos, que será realizada, em dezembro, na Índia.

Em tese, eles estão acima da média e merecem uma avaliação mais detalhada dos conselhos de educação e demais pesquisadores. Mas o absurdo: precisam fazer uma vaquinha para realizarem a viagem até o concurso da Índia. Ou seja, não bastasse ter que enfrentar todos os problemas cabeludos das equações matemáticas, eles ainda são obrigados a se virar para conseguir chegar em um encontro com gênios do mundo.  

TALENTOS

Conforme os especialistas, os superdotados têm talento em uma ou mais áreas de habilidades: inteligência, criatividade, capacidade de boa convivência e sensório-motor.

Não faltam no Brasil exemplos de gênios, caso de Pelé, Santos Dumont, Heitor Villa Lobos e Juscelino Kubitschek.

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia