Instituição de referência em psiquiatria vive impasse

Com atrasos de até cinco meses, instituição filantrópica sem fins lucrativos enfrenta dificuldades

Referência de qualidade em atendimento em psiquiatria e dependência química no Estado de Goiás, o Hospital Espírita Eurípedes Barsanulfo, a Casa de Eurípedes, instituição filantrópica sem fins lucrativos, vive impasse por não conseguir receber, por parte do poder público municipal, valores que chegam a R$ 207 mil, com atrasos de até cinco meses.

Em entrevista à reportagem do jornal Diário da Manhã, a coordenadora de projetos da Casa de Eurípedes, Lisete Kliemann Gomes, esclareceu que os recursos em atraso são fruto de um acordo entre o poder público estadual, municipal e a instituição filantrópica. Acordo, ela explica, que foi firmado na tentativa de estabilizar a situação financeira da casa.

“Assinamos o Termo de Compromisso nº 001/2013 com a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia visando a execução do Plano de Fortalecimento da Atenção Especializada em Saúde Regionalizada no Estado de Goiás, portaria nº 096/2013-GAB/SES-GO, termo este estabelecido em parceria com as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, cumprindo-se a portaria 039/2014 da SMS”.

Ela acrescenta que o acordo tem como objeto principal a complementação da diária paga pelo SUS à casa, uma vez que os valores repassados pelo Ministério da Saúde, aproximadamente de R$ 49/dia, seriam insuficientes para cobrir o mínimo dos custos financeiros do hospital.

“O município e o Estado procuram o nosso serviço, sabem da importância, relevância dele, porém, o município não está realizando os repasses financeiros de acordo com a portaria nº 039/2014. O último repasse administrativo sobre o complemento das diárias de psiquiatria recebidas por nossa instituição foi em 21/07/2016 referente a competência de novembro de 2015, sendo que já se encontram com mais de cinco mês de atraso as demais”, revela.

Presidente da Casa de Eurípedes, o psiquiatra Jeziel da Silva Ramos observa que, diferente da SMS, a Secretaria Estadual de Saúde, responsável por 50% dos repasses, tem feito a transferência dos recursos para o município de Goiânia regularmente. No entanto, ele ressalta: “não estamos conseguindo receber, por parte do poder público municipal, Secretaria Municipal de Saúde, os valores devidos, inclusive a parte que corresponde ao repasse do poder estadual”.

Jeziel avalia que encontrar uma solução para o impasse significaria evitar que a Casa de Eurípedes venha a se deparar em breve com a total inadimplência financeira e econômica, que resultaria, ele afirma, em prejuízos importantes para milhares de pessoas que hoje se beneficiam do atendimento da instituição.

“A justificativa é de que eles não têm dinheiro, justificam que não estão recebendo dinheiro do governo federal, que os repasses do governo federal estão diminuindo e eles não estão repassando para nós por causa disso, mas nós não temos nada a ver com isso. Mesmo porque metade dos recursos é do Estado e o Estado não está reclamando, está repassando”, menciona.

Casa oferece atendimento humanizado

Com mais de 10.000 m² de área construída, num amplo espaço de 135.000 m² de jardins, praças, bosques e cursos de água, a Casa de Eurípedes é uma instituição hospitalar psiquiátrica que desenvolve assistência em saúde mental em pleno acordo com a política de desospitalização do paciente portador de sofrimento psíquico, em um ambiente terapêutico humanizado, com amplos espaços verdes e de lazer.

De acordo com a coordenadora de projetos, Lisete Kliemann, o hospital desenvolve uma política de reinserção do paciente psiquiátrico no seu meio sócio-familiar, sendo a única unidade de hospital‐desse tipo no Estado de Goiás. Ela alude que o hospital tem capacidade para atender 216 leitos integrais e 100 leitos hospital-dia. “Por sermos uma instituição filantrópica, devemos destinar 60% dos leitos ao SUS e 40% nós podemos ocupar com atividades privadas. Mas nossa demanda gira em torno de 80% com pacientes do SUS, atendendo a parcela mais carente socialmente da população”.

O departamento de terapia da Casa de Eurípedes conta com a atuação da área da psicologia, musicoterapia e a terapia ocupacional para atuar em conjunto com os pacientes. O musicoterapeuta Jefferson Pereira da Silva faz parte da equipe da psicoterapia, conjunto de técnicas que se baseiam numa relação interpessoal entre o paciente e o terapeuta para promoção do tratamento de doenças e problemas psíquicos.

“Aqui é uma instituição onde a gente tenta humanizar o máximo o tratamento do paciente e ter a musicoterapia como facilitador do processo terapêutico, para acessar a psique do indivíduo, é gratificante. Tratando esses pacientes nos seus aspectos biopsicossociais que é trazer eles para o insight de que ele é o indivíduo da própria cura e acima de tudo saber que ele é um ser humano, de descobertas, redescobertas, reinvenções e nunca taxá-los”, avalia.

A psicóloga Ronildes Santos do Vale desenvolve um trabalho focado na psicoeducação em quê, ela explica, são desenvolvidas psicoterapia de grupo, temas voltados para o comportamento humano, habilidades sociais as quais os pacientes precisam retomar ao longo da vida. Experiências que levam os pacientes a perceberem seu movimento através de vivência e técnicas que são aplicadas. “O resultado é muito positivo e eles mesmos conseguem se dar esse feedback de um para o outro percebendo essas mudanças”, ajuíza.

O tratamento dura em média 28 dias, período em que os pacientes participam de oficinas, como a de marcenaria, onde restauram móveis na terapia ocupacional, tiram leite, cuidam da horta e dos cavalos como recurso terapêutico. “Os pacientes da dependência química cuidam dos animais e a equoterapia é feita com os pacientes de transtorno mental”, define o musicoterapeuta Jefferson.

Jefferson observa que retomar a rotina, por parte do paciente dependente químico, é muito importante, uma vez que a dependência química tira deles essa lógica existencial causada pelo vício. “A fissura pela droga faz com que a dependência vire o sol deles, eles giram em torno daquilo, então a gente trabalha com rotina. Além desses tratamentos, também temos o tratamento de risoterapia que é os palhaços que vêm no final de semana”.

Acolhimento

Referência em atendimento em psiquiatria e dependência química, a Casa de Eurípedes atende hoje, conforme levantamento do musicoterapeuta Jefferson Pereira da Silva, em sua maioria pacientes com transtorno bipolar do humor, depressão, esquizofrenia, transtornos orgânicos e derivados da dependência química.

“Tive um surto em casa, peguei o facão, quebrei o armário, quebrei o raque, o guarda louça e joguei a televisão no chão, tenho transtorno bipolar do humor”, descreve a paciente V.S.B, 36 anos. Ela está ansiosa para voltar para casa e rever a família. “Quero trabalhar, cuidar da minha vida, tenho dois filhos tenho que cuidar deles, tenho um filho de 18 anos e um de 8 anos. Na minha ausência eles ficaram com o pai, o de 18 anos mora sozinho, é independente”, relata.

L.S. A., 23 anos, se define ex-usuária de crack e foi parar na Casa de Eurípedes após tentar tirar a própria vida. “Vim parar aqui porque era usuária de crack e me furei, graças a Deus a Casa de Eurípides me deu muitos ensinamentos bons, não tenho nada a reclamar daqui, semana que vem faz 28 dias que estou aqui e já estou curada, até o cigarro que eu fumava parei de fumar”, define ela, que tem uma filha de cinco anos e acredita estar grávida.

P.R.M.R.J., 17 anos, usa maconha desde os 14 anos e após o uso de substâncias alucinógenas ficou fora de controle. Na casa, o jovem passa a maior parte do tempo envolvido entre atividades de lazer e aprendizagem. “Gosto de jogar pebolim, malhar e participar do curso de garçom que gosto muito de fazer. A Casa de Eurípedes é muito boa, ela ajuda a gente do começo ao fim com medicação e tratamento espiritual também”, diz.

A reportagem do DM entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde em busca de esclarecimentos para o impasse, que na concepção do presidente da Casa de Eurípedes é o único meio de evitar que a casa venha a se deparar com a total inadimplência financeira, mas não obtivemos nenhum posicionamento.