Invisíveis aos olhos, mente e coração
Diário da Manhã
Publicado em 3 de janeiro de 2016 às 15:20 | Atualizado há 4 meses
Destituídos dos seus direitos, eles lutam pela sobrevivência diária e resistem à exclusão de uma sociedade que não os vê pelas ruas da cidade. É assim que se pode definir as condições de uma pessoa em situação de rua na grande Goiânia, ou qualquer outro lugar do mundo. Enquanto uns insistem em não enxergá-los, outros compreendem que assim como qualquer pessoa que se encontra no conforto de sua casa o morador de rua tem sonhos, esperança, afeto, amor e uma história para contar.
São iguais e carecem de acesso à saúde, à moradia, à alimentação adequada e ao trabalho. Tigrão, como prefere ser identificado, de 52 anos, morava em Aparecida de Goiânia, era motorista e operador de máquina. Após perder o pai, a mãe e a esposa considerou que o sentido da vida havia acabado. “Acabei vindo parar nas ruas, o baque é grande. Perde tudo para ver”, expõe ele que hoje perece com pneumonia e dengue nas ruas da cidade.
Francinei Conceição Rodrigues, 37 anos, visivelmente debilitada pelo uso de drogas, titubeia nas palavras e prefere não contar os motivos que a fizeram parar nas ruas. “Tocar no assunto machuca muito”, desabafa.
Ao contrário dela, Mário Jorge Inácio de Faria, 26 anos, que morava em Inhumas, revela que depois de participar de um roubo a banco levou seis tiros e ficou seis anos preso. Mas, os motivos que o levaram para a rua foram à morte da mãe há oito anos. “Vim parar nas ruas depois que perdi minha mãe. Hoje sou alcoólatra e por isso não consigo sair das ruas”, justifica.
Reginaldo Rocha, 46 anos, é de Orlândia, município do estado de São Paulo, e descreve que não volta para casa porque não tem bom relacionamento com os familiares. “Tenho seis filhos que acham que estou morto e não volto porque não dou certo com a família”, declara.
Ele reconhece a vulnerabilidade de viver na rua e expõe o que sente sobre a dura realidade de não ser aceito pela sua condição, não ter proteção quando necessário e não fazer parte de políticas públicas que permitam que suas necessidades básicas sejam atendidas. “Ninguém dá chance para nós sair da rua. Não durmo à noite por medo de morrer e peço sempre para Deus ter misericórdia de nós”, conta.
É preciso enxergar
Com o intuito de fazer despertar consciências e mobilizar a sociedade para a condição das pessoas que se encontram em situação de rua na Capital, o funcionário público aposentado pela Secretaria da Cidadania e Trabalho de Goiânia, João Evangelista de Castro, 70 anos, ainda trabalha. Ele busca passar para as pessoas a importância de contribuírem de alguma forma para modificar a dura realidade dos moradores de rua – que muitos ainda insistem em não querer enxergar.
“Ajudar essas pessoas da maneira que consigo é algo que Deus colocou no meu coração. É uma preocupação minha com a situação deles, que são vistos como páreas da sociedade, que vivem uma situação miserável e degradante. Sempre vou ao encontro deles com ajuda espiritual e em busca de autoridades responsáveis para resgatá-los da rua”, conta.
Evangelista procurou a reportagem do Diário da Manhã para evidenciar as condições de abandono das pessoas em situação de rua na capital. Preocupado, ele narra a história do morador de rua Leopoldo, viciado em bebidas alcoólicas e que se encontra em estado “deplorável”.
“Ele mal consegue se erguer do chão, uma hora o vejo jogado, como um lixo, em um canto na Avenida Independência. Outra em frente à Câmara Municipal de Goiânia em condições desumanas”, conta.
De acordo com Evangelista, devido ao estado de desnutrição Leopoldo não consegue falar claramente. Para tentar ajudá-lo, o aposentado pede ajuda Secretaria da Saúde de Goiânia para o homem ser resgatado o mais rápido possível:
“Faço um apelo para que ele seja internado na Casa de Recuperação Missão Vida, em Anápolis. Ao governo e a sociedade peço que olhem com muito carinho e amor a situação dos moradores de rua e busquem ajudá-los no que for possível para que eles tenham uma vida humana e digna”.
É possível transformar
A partir de uma atitude solidária isolada para fazer o bem ao próximo, o pastor Wildo Gomes dos Anjos fundou, ainda jovem, o Centro de Recuperação Missão Vida, em Anápolis. Tudo começou após ele estabelecer contato com uma pessoa em situação de rua; desenvolveu forte amizade pelo morador de rua que depois de alguns meses veio a falecer. “Isso marcou profundamente o pastor que decidiu viver em função de ajudar essas pessoas”, conta o diretor do departamento de comunicação da Missão Vida, pastor Arlindo Ribeiro Junior.
Hoje a ONG, que começou a partir da decisão de um homem com ajuda dos próprios moradores de rua, resultou no Centro de Recuperação Missão Vida. De acordo com Arlindo Ribeiro é o primeiro e maior centro de recuperação de pessoas em situação de rua do Brasil. “Ele existe há 32 anos e possui núcleos nas cinco regiões do país. Hoje disponibilizamos mais de 600 leitos para acolher homens que chegam da mendicância e dos vícios”.
Ribeiro observa que o processo de recuperação acontece em três fases distintas: triagem, recuperação e a reintegração. A recuperação demora em torno de sete meses e a reintegração em seis meses. “A Missão vida é um entidade Filantrópica, sem fins lucrativos, e por ter um público alvo que são homens em situação de rua ela não cobra nada para acolher esses indivíduos”, explica.
A instituição se mantem através de doações de pessoas e igrejas que contribuem mensalmente com valores a partir de 15 reais. Para as pessoas que desejam doar a orientação é que entre no site www.mvida.org.br. “As pessoas que virem homens nessa situação de mendicância podem fazer contato com o núcleo da missão vida mais próximo, verificando a disponibilidade de vagas e, havendo vagas levar essa pessoa até a ONG”.
Em busca de apoio
Conforme informações da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) a equipe do Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas) realiza o serviço de abordagem a pessoas em situação de rua com frequência, priorizando a reflexão sobre o processo de saída das ruas.
Afirmam que este é um trabalho de educação social contínuo e por vezes demorado, pois necessita da aceitação da pessoa para o processo gradativo de saída das ruas. Após as abordagens sociais as pessoas que aceitam acolhimento são encaminhadas para a Casa de Acolhida Cidadã (casa de passagem do município) e outras instituições conveniadas ao órgão, que abrigam pessoas em situação de rua – abrigo São José, Bom Samaritano, Associação Maçônica de Erradicação da Mendicância (Amem), abrigo São Vicente de Paulo, São Tomaz entre outros.
“Nestes locais, além dos cuidados de higiene e alimentação, são verificadas as necessidades individuais por meio de entrevista social realizada pela equipe técnica responsável pelo acompanhamento dos casos. Quando necessário são realizados encaminhamentos para as demais políticas públicas, incluindo atendimento de saúde, bem como a abrigos e casas de recuperação se for o caso”, informa a nota.
A Semas evidenciou que dentre o atendimento oferecido está a possibilidade de recâmbio ao local de origem daqueles que assim o desejarem, ressaltando que esta possibilidade é trabalhada considerando todos os critério técnicos necessários com vista a garantia plena de um dos Direitos presentes na Constituição a todo cidadão Brasileiro – o Direito de ir e vir. “A Semas esclarece ainda, que a inclusão social de pessoas em situação de rua exige ação integral e multiprofissional, dos mais variados âmbitos e esferas de poder”.
De acordo com o coordenador do Abrigo Casa Bom Samaritano, Izidio Onofre o abrigo consegue atender 80 pessoas e atualmente conta com cinco vagas. “A gente faz uma relação diária, agora nesse momento temos vagas”, informou.