“Jataí na rota internacional do narcotráfico”, diz promotor de Justiça
Redação DM
Publicado em 26 de janeiro de 2017 às 00:37 | Atualizado há 5 meses
- Estado teria demitido-se da função de administrar sistema prisional, diz pesquisador Vinícius Vieira
- Apesar de presos, “capos” das facções criminosas exercem comando, informa o promotor de Justiça
- Ovo da Serpente, no Rio de Janeiro, teria sido gestado com transferência da capital, frisa estudioso
- Grupos nacionais ramificaram em Goiás, que é rota do tráfico internacional de drogas e de mulheres
– Ausência de Estado!
Esse teria sido o motivo para a ampliação do poder do Primeiro Comando da Capital [PCC], Comando Vermelho [CV] e facções rivais que disputam influência nas penitenciárias e no mundo do crime organizado no Brasil. É o que afirma ao Diário da Manhã o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público do Estado de Goiás [MP-GO] e autor de ‘Crime Organizado’, Editora Método, que sai, em fevereiro de 2017, na sua terceira edição no País.
– Estado, de forma inconstitucional, demitiu-se da função de administrar o sistema penitenciário!
As máfias – crime organizado – viram um vazio de poder e um terreno aberto para a instalação de seus Quartéis Generais, aponta o pesquisador. ‘Capos’ das principais facções criminosas nacionais estão presos e isso não lhes impede de exercer o comando, dispara o estudioso. o “ovo da serpente” – a violência no Rio de Janeiro – foi gestado na década de 60, por ocasião da mudança da capital federal Brasília, frisa.
– Do Rio de Janeiro para Brasília.
Poder político
O escritor analisa também que o crime organizado aparece, hoje, nas entranhas do poder político. Essas organizações, geralmente constituídas por (maus) empresários e (péssimos) políticos, são as responsáveis pela instituição do que se tem chamado de “corrupção sistêmica”, que ocorre quando a ‘propinocracia’ se torna parte do sistema de tal modo que, sem ela, aquele para de funcionar, fuzila. A Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/13representou um avanço para o nosso ordenamento jurídico, observa.
Leia a íntegra da entrevista:
Diário da Manhã – PCC e facções rivais disputam poder nos presídios brasileiros, hoje. Qual a sua leitura?
Vinícius Marçal Vieira – Essas facções disputam poder em face da ausência do Estado. No poder não há vácuo. Alguém irá ocupar o espaço existente. Na medida em que o Estado, de forma inconstitucional, demitiu-se da função de administrar o sistema penitenciário, o crime organizado de tipo mafioso detectou no vazio de poder um campo fértil para a edificação do seu “Q.G.”. Basta ver que os capos das principais facções criminosas nacionais estão presos e que isso não lhes impede de exercer o comando.
DM – Quando e como surgiu o crime organizado no Brasil?
Vinícius Marçal Vieira – Como fenômeno em si, não me parece possível apontar uma data. Há quem diga que o crime organizado no Brasil começou a aparecer na transição entre período colonial e o Império, vindo a se agravar com a instalação da República. Há quem aponte o cangaço, que atuou no sertão nordestino entre o final do século XIX e o começo do século XX, como o berço do crime organizado tupiniquim. Há, ainda, quem considere que na década de 70 ocorreu a gênese das organizações criminosas em nossas terras, o que teria sido impulsionado por uma multiplicidade de fatores, tais como: a eclosão da urbanização das cidades em decorrência do êxodo rural; crise do petróleo e estagnação da economia; aglomeração de desempregados em regiões periféricas, olvidadas pelo Estado etc. Foi nesse período que emergiu, no presídio da Ilha Grande-RJ, a “Falange Vermelha”, posteriormente convolada em “Comando Vermelho”. Entretanto, como ação criminosa prevista em lei, a formação das organizações criminosas no Brasil só veio a ser reprimida em 2013, com a edição da Lei 12.850.
DM – O crime organizado no Brasil teria sido anabolizado com a transferência da capital para Brasília. A informação tem fundamento?
Vinícius Marçal Vieira – Conquanto a assertiva seja polêmica, não se pode rotular como equivocada essa análise, no sentido de que o “ovo da serpente” – a violência no Rio de Janeiro – foi gestado na década de 60, por ocasião da mudança da capital federal do Rio para Brasília. O Rio de Janeiro não teria sido preparado para a mudança, circunstância que, abruptamente – sem uma gradual transição -, redundou na “criação” de milhares de desempregados. Daí porque a transferência da capital foi para o Rio “uma Hiroshima econômica e social”. E os efeitos de uma bomba nuclear, sabemos nós, são duradouros…
DM – O que diz a lei de 2013 do crime organizado?
Vinícius Marçal Vieira – A Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/13), apesar de não ser um instrumento legislativo tecnicamente perfeito, representou um grande avanço para o nosso ordenamento jurídico. Foi essa lei que criou, pela primeira vez em nosso país, um rito procedimental para a formalização do acordo de colaboração premiada, o que dá mais segurança jurídica ao colaborador e ao jurisdicionado. Também recebeu expressa previsão legal o acordo de imunidade, por meio do qual o Ministério Público deixa de oferecer denúncia contra um integrante da organização criminosa em troca de informações sobre a estrutura da facção; os crimes que ela pratica; seus integrantes; a localização dos produtos do crime etc. A lei avançou, ainda, no tratamento de outras técnicas especiais de investigação, como a infiltração policial e ação controlada. E, talvez a novidade mais importante, criminalizou as condutas de promover, constituir, financiar ou integra organização criminosa.
DM – A descriminalização das drogas, como no caso de Portugal, e o seu monopólio de produção e circulação pelo Estado, não poderiam criar a cadeia do tráfico?
Vinícius Marçal Vieira – Esse tema é por demais complexo. Uma coisa é certa: a descriminalização do narcotráfico não significaria, como tantos acreditam, um verdadeiro golpe no crime organizado. Os traficantes de hoje continuariam a exercer suas funções, vendendo entorpecentes por preços bem abaixo dos “oficiais”, importando “novidades”, “eliminando” concorrentes do submundo do crime etc.
DM – O crime organizado opera, hoje, em quais ramos – drogas, tráfico humano e de órgãos, nas cadeias, etc?
Vinícius Marçal Vieira – Além desses nichos, há um outro ainda mais nocivo: o crime organizado nas entranhas do poder político. Essas organizações, geralmente constituídas por (maus) empresários e (péssimos) políticos, são as responsáveis pela instituição do que se tem chamado de “corrupção sistêmica”, que ocorre quando a propinocracia se torna parte do sistema de tal modo que, sem ela, aquele para de funcionar. Em virtude desse estado de coisas, a população sofre com falta de medicamentos, estradas ruins, escassez de policiamento ostensivo e preventivo etc.
DM – É possível, hoje, em Goiás, detectar a presença do crime organizado?
Vinícius Marçal Vieira – Sim, sem dúvida. Temos informações oficiais que dão conta da presença de integrantes de organizações criminosas de abrangência nacional em nosso Estado. Além disso, as organizações criminosas de colarinho branco estão espalhadas por quase todos os nossos municípios. Quem atua no ramo sabe bem do que falo.
DM – O Sudoeste goiano é rota do tráfico de drogas?
Vinícius Marçal Vieira – A polícia federal já considerou a cidade de Jataí, por exemplo, como uma importantíssima rota do narcotráfico internacional. Isso parece algo inconteste.
DM – Qual o motivo de o Estado de Goiás ser rota e exportar mulheres para alimentar o tráfico internacional de mulheres?
Vinícius Marçal Vieira – Como é sabido, três rodovias federais e várias estaduais cortam o município de Jataí. Essas estradas ligam Goiás a Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que fazem fronteira com o Paraguai e Bolívia, países produtores de maconha e cocaína. Por outro lado, a razão de as mulheres goianas serem objeto de tráfico internacional de pessoas continuam a ser estudadas. Nesse sentido, uma pesquisa – intitulada: Tráfico Internacional de Mulheres: Goiás – Pensando a Prevenção – vem sendo realizada pela professora Telma Durães, da Universidade Federal de Goiás, com o objetivo de responder à pergunta: por que as mulheres de Goiás estão entre as que mais se envolvem com o tráfico de pessoas?
DM – O sistema prisional da Noruega, mostrado por Michael Moore, em O Invasor Americano, é apontado como referência em recuperação. A reincidência, em 100%, seria de apenas 20%. Já nos EUA, com a política de encarceramento em massa, pós-Richard Nixon, é de 80%. O que mudar no sistema brasileiro?
Vinícius Marçal Vieira – Em primeiro lugar, devemos reconhecer que “recuperação” ou “ressocialização” é um fim utópico da pena. Pena é castigo. Pena é retribuição por uma ação delitiva, nada mais. Ressocialização pode ser encontrada em escolas, na família, na religião etc., não em presídios. Nosso legislador diz que a pena tem finalidade retributiva (castigo) e, também, preventiva, de maneira a evitar a reincidência e viabilizar a ressocialização. Na prática, o escopo preventivo não passa de uma poesia, algo para ficar bem no cenário internacional. O Brasil teve o seu sistema penitenciário reconhecido pelo STF como um “estado de coisas inconstitucional”. Está tudo errado! Ao preso falta tudo: espaço, higiene, saúde, comida etc. Ou se investe na reforma desse sistema penitenciário falido e, ao mesmo tempo, nos direitos sociais inscritos na Constituição, sobretudo na educação, ou seremos eternamente um “estado de coisas inconstitucional”.
DM – Pesquisas apontam que as prisões no Brasil têm nítidas posições de raça e classe social: negros e proletários, pobres. A análise é correta?
Vinícius Marçal Vieira – Sim. Essas pessoas praticam crimes nas ruas, nas praças, em ônibus. São crimes visíveis, que chegam ao conhecimento das instâncias de poder. Ao contrário, as tramoias do colarinho branco são praticadas nos gabinetes, em restaurantes, às escondidas. Raramente se tem um registro policial sobre corrupção, apesar de ela ocorrer amiúde. Além disso, as forças policiais são constituídas para combater os “crimes de rua”, e não para reprimir os crimes societários, a lavagem de capitais, os crimes contra a ordem econômica e tributária. Ou seja, a seletividade do direito penal é real.
DM – O que o senhor analisa em Crime Organizado, livro em parceria com Cleber Masson [SP]?
Vinícius Marçal Vieira – Em “Crime Organizado”, abordamos a evolução legislativa sobre a criminalidade organizada no Brasil, com maior ênfase ao estudo da Lei 12.850/13. Ainda, realizamos detida análise acerca: a) do conceito das organizações criminosas; b) de sua aplicação extensiva às hipóteses de crimes à distância e às organizações terroristas internacionais; c) dos novos tipos penais trazidos para o nosso ordenamento jurídico (crime organizado por natureza; impedimento ou embaraçamento da persecução penal; identificação clandestina de colaborador; colaboração caluniosa ou inverídica; violação de sigilo nas investigações; sonegação de informações requisitadas; divulgação indevida de dados cadastrais); d) das técnicas especiais de obtenção da prova (colaboração premiada; captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; ação controlada; acesso a registros de ligações telefônicas, telemáticas e a dados cadastrais; interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas; afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal; infiltração de agentes; cooperação entre instituições e órgãos); e) das políticas de prevenção ao crime organizado e à corrupção etc.
DM – A Lei antiterrorismo sancionada por Dilma Rousseff enquadra movimentos sociais como o MST, MTST e até dos estudantes. Qual a sua análise?
Vinícius Marçal Vieira – Com o devido respeito, discordo da afirmação que a lei enquadra movimentos sociais e estudantis. O autor do crime de terrorismo, necessariamente, há de ser uma pessoa. Qualquer pessoa, diga-se. Pode ser ou não um integrante de movimento social, assim como ocorre com os delitos de homicídio, roubo, furto etc. O projeto que originou a Lei 13.260/16 realmente continha previsões controversas e classificava como atos de terror as ações de “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”, o que, entretanto, foi vetado pela presidência da República. Além disso, a lei é clara ao mencionar que o disposto no artigo que define o terrorismo “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios […]” (art. 2º, §2º).
Jataí é rota do narcotráfico internacional”
Vinícius Marçal Vieira
Promotor e escritor
Perfil
Nome completo: Vinícius Marçal Vieira
Idade: 35 anos
Formação: Bacharel em Direito pela FD/UFG. Pós-graduado em Direito Penal
Posição no MP [GO]: Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal
Há crime organizado nas entranhas do poder político”
Vinícius Marçal Vieira,Promotor e escritor
Serviço
Lançamento: Fevereiro de 2017
Titulo do livro: Crime Organizado
Editora: Método
Edição: 3ª edição
Autor: Vinícius Marçal Vieira