Cotidiano

Justiça federal manda limitar lotação, transferir perigosos e reformar unidade

Diário da Manhã

Publicado em 7 de janeiro de 2018 às 02:00 | Atualizado há 4 meses

O juiz federal Leão Apare­cido Alves, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), emitiu na sex­ta-feira, 5, um mandado de inti­mação endereçado ao Estado de Goiás. O documento determina que o Governo reduza para 400 o limite máximo de detentos na Colônia Agroindustrial, palco de duas rebeliões na última sema­na. A ação também ordena que os presos considerados mais pe­rigosos sejam transferidos para o sistema penitenciário federal. O prazo para cumprir as deter­minações é de 10 dias e começa a correr a partir da notificação ao Estado. Em caso de descum­primento das decisões, será im­posta multa de R$ 50 mil por dia.

A intimação também determi­na um prazo de 6 meses para exe­cução de obras de melhorias nas condições da Colônia Agroindus­trial de Aparecida de Goiânia. Es­sas obras devem transformar a unidade em um “local adequa­do para abrigar os presos do re­gime Semiaberto, com atendi­mento adequado e pleno, e com segurança suficiente às pessoas ali privadas de liberdade, servi­dores, visitas, advogado etc”.

A OAB–seção Goiás também solicitou, na ação civil pública, a concessão de medida cautelar que determine a interdição total da Co­lônia Agroindustrial. De acordo com o documento, a Unidade deve ser interditada por conta “das graves violações aos Direitos Humanos, tanto dos internos quanto dos ser­vidores e segurança da população em geral”. O permaneceria fechado até que seja reformado e aprovado em vistoria do judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e OAB.

Para o presidente da OAB Goiás, Lúcio Flávio Siqueira de Paiva, a de­cisão não funciona apenas para ga­rantir o direitos dos reeducandos, mas também é uma medida de se­gurança pública, já que determina a transferência dos detentos consi­derados mais perigosos para presí­dios federais. “A sociedade goiana vê tutelada seu direito à segurança pú­blica. Essa é uma parte importante do pedido”, qualificou o presidente. Lúcio Flávio disse ainda que o man­dado foi necessário porque duran­te a última semana “as autoridades competentes ficaram batendo ca­beça sem dar solução efetiva”.

A liminar também determina que a situação dos presos do re­gime semiaberto que estão blo­queados “por falta de providência” seja apurada “imediatamente”. São considerados “bloqueados” presos que cometeram algum tipo de falta e, por isso, perdem o direi­to de executar funções externas à Unidade Prisional. A obrigação de avaliar esses casos são das Varas de Execuções Penais. A Diretoria­-Geral de Administração Peniten­ciária (DGAP) informou que vai se manifestar sobre a decisão judicial apenas depois que for notificada.

CRISE PENITENCIÁRIA

No dia 1º de janeiro, presos da ala C invadiram a ala B da Colônia Agroindustrial do Complexo Pri­sional de Aparecida de Goiânia. A rebelião teria acontecido por con­ta de briga entre facções rivais. Na ocasião, 9 presos morreram, dois deles decapitados, 14 ficaram feri­dos e 243 fugiram. A Polícia Militar recapturou a maior parte, mas 87 permanecem foragidos. De acordo com um relatório de inteligência da Polícia Militar, a ala C tem presos li­gados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) e a ala B detentos liga­dos ao CV (Comando Vermelho).

Em fevereiro de 2017, Thiago Topete, na época considerado um dos maiores traficantes de Goiás, foi morto na Penitenciária Odenir Gui­marães (POG). De maneira oposta ao que aconteceu no início da últi­ma semana, os presos da ala B é que invadiram a C, para matar o trafican­te. Outras três pessoas foram mortas. Embora tenha acontecido em outra Unidade Prisional, as rebeliões da última semana podem ser um des­dobramento da morte de Topete.

Segundo a Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Colônia Agroindus­trial tem capacidade para 468 pes­soas, mas abrigava 1.254 detentos.

 

 

ÍNTEGRA O MANDADO DE INTIMAÇÃO AO GOVERNO DE GOIÁS:

I–RELATÓRIO

A Ordem dos Advogados do Bra­sil – Seção de Goiás (OAB/GO ou autora) requer, na ação civil pública por ela proposta contra o Estado de Goiás, a concessão de medida cau­telar, inaudita altera parte, a fim de que: (a) “seja interditada na sua to­talidade a Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia, face as gra­ves violações aos Direitos Huma­nos tanto dos internos quanto dos servidores e segurança da popula­ção em geral”; (b) alternativamen­te, a “interdição dos locais avariados, até reforma plena e satisfatória com vistoria/inspeção antecipada pelo judiciário, MP, Defensoria Pública e OAB”; (c) a limitação do número de custodiados na referida Unidade Prisional até 400 presos, capacida­de máxima”;(d) a adoção de “provi­dências para abrigar os presos do re­gime Semiaberto, com atendimento adequado e pleno, e com seguran­ça suficiente as pessoas ali privadas de liberdade, servidores, visitantes, advogados, etc.” (e) [s]eja reavalia­da/apurada imediatamente, pelas Varas de Execução penais compe­tentes, a situação legal dos presos do regime semiaberto que estão “blo­queados/fechados”, por falta de pro­vidências de quem de direito”.

II- FUNDAMENTAÇÃO

“A tutela de urgência será conce­bida quando houver elemtnos que evidenciem a probabilidade do di­reito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. CPC, Art. 300, caput.

A probabilidade jurídica de vi­tória da autora decorre de dois fa­tores. Os detentos têm direito a um tratamento digno. CF, Art. 5º, XLIX. Segundo o STF, “[o] tratamento dis­pensado aos detentos no sistema prisional brasileiro, com toda a cer­teza, rompe com um dogma uni­versal segundo o qual eles conser­vam todos os direitos não afetados pelo cerceamento de sua liberdade de ir e vir, garantia, de resto, expres­sa, com todas as letras, no art. 3º da nossa Lei de Execução Penal.”

Por sua vez, a sociedade tem di­reito à “segurança pública”, a qual é “dever do Estado”, e que deve ser “exercida para preservação da or­dem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. CF, Art. 144, caput. A deficiente atuação do Esta­do, na administração dos presídios, afeta o direito individual dos deten­tos e o direito coletivo da sociedade.

A autora sustenta a ocorrência do perigo de dano no fato de que, em 1º de janeiro de 2018, ocorreu uma re­belião nas dependências da Colô­nia Agroindustrial do Regime Se­miaberto de Aparecida de Goiânia, a qual resultou em 9 detentos mortos, 14 feridos e 100 foragidos. Esse fato notório justifica a urgência no reque­rimento da tutela. CPC, Art. 374, I.

A interdição total não se afigu­ra necessária, por ora, porquanto a própria autora afirma que já houve a “transferência de 99 custodiados para outras Unidades […] Prisionais, sendo elas o Núcleo de Custódia e a Penitenciária Odenir Guimarães”.

A interdição parcial já decorre naturalmente da necessidade de re­forma dos locais avariados.

Quando à limitação do número de custodiados da Unidade Prisio­nal, tem ração a autora. Os proble­mas enfrentados em nossos presí­dios decorrem de forma natural e inexorável da superlotação. A ma­nutenção, em cada unidade pri­sional, de um número de detentos compatível com as instalações res­pectivas é um imperativo constitu­cional. CFM Art. 5º, XLIX.

A autora também tem razão no ponto em que requer a adoção de providências visando a dota a uni­dade prisional de local adequado para a execução das penas. O STF decidiu que “[é] lícito ao Judiciá­rio impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na exe­cução de obras emergências em es­tabelecimentos prisionais.”

Os pedidos direcionados às Va­ras de Execução Penal devem ser formulados, originariamente, pe­rante os respectivos órgãos juris­dicionais.

III – DISPOSITIVO

À visto do exposto:

  1. A) defiro, em parte, a tutela de urgência requerida e determino ao Estado de Goiás que, no prazo de até 10 dias, limite o número de de­tentos na Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia ao máxi­mo de 400 detentos;
  2. B) para cumprir esse limite, o Estado deverá promover, den­tre outras ações, a transferência dos detentos mais perigosos para o sistema penitenciário federal, bem como a realização de mu­tirões para a apreciação dos pe­didos daqueles que fazem jus à progressão de regime ou ao livra­mento condicional;
  3. C) o prazo acima fixado começa­rá a correr a partir da notificação da presente decisão a um dos procura­dores do Estado de Goiás;
  4. D) o descumprimento desta De­cisão, no prazo acima fixado, impli­cará a imposição de multa no valor de R$ 50.000,00 por dia de descum­primento;
  5. E) determino ao Estado de Goiás que, no prazo de até seis meses, proceda à realização de obras na Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia, a fim de dotar a unidade “de local ade­quado para abrigar os presos do regime Semiaberto, com atendi­mento adequado e pleno, e com segurança suficiente as pessoas ali privadas de liberdade, servi­dores, visitantes, advogados, etc”, sob pena de aplicação de multa fixada na alínea anterior;
  6. F) notifique-se o Estado de Goiás na pessoa de um dos seus procura­dores para tomar conhecimento e cumprir esta Decisão;

Publique-se.

Goiânia, 5 de janeiro de 2018.

Leão Aparecido Alves

Juiz Federal

 

“Decisão da Justiça pela transferência de presos perigosos converge com propostas de Marconi”

 

A decisão da Justiça Federal em Goiás pela transferência de presos perigosos do sistema prisional do Estado para vagas da União, divul­gada neste sábado (6/1), converge com o conjunto de propostas apre­sentada pelo governador Marconi Perillo para o aperfeiçoamento do sistema nacional de segurança pú­blica. Marconi tem afirmado que o rápido crescimento da população carcerária, como resultado da in­tensificação das ações de comba­te à criminalidade, superlotou os presídios estaduais pelo País, im­pondo a necessidade de revisão da divisão de atribuições no cum­primento das penas.

Em decisão proferida na sexta­-feira (5) e divulgada neste sábado (6), o juiz federal Leão Aparecido Alves determinou que o Gover­no de Goiás transfira, para presí­dios federais, os detentos “mais perigosos” que estão cumprindo pena no regime semiaberto na Co­lônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia. Em nota, o Governo de Goiás afirmou que “a decisão vem ao encontro de teses publicamen­te defendidas” pela administração estadual “no tocante à responsa­bilidade federativa relativamente à custodia de apenados pelos di­versos entes federados”.

A nota afirma ainda que o Go­verno de Goias tomará, “imediata­mente, todas as medidas no senti­do de providenciar a transferência dos presos de maior periculosi­dade que estão cumprindo pena no regime semiaberto na Colô­nia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia para presídios federais, conforme decisão da Justiça Fede­ral, limitando a 400 o número de detentos naquela unidade penal”. Informa ainda que a Diretoria-Ge­ral de Administração Penitenciá­ria fará junto ao governo federal as gestões necessárias no sentido de que indique para quais unidades os presos deverão ser transferidos”.

O governo estadual, por meio da Diretoria-Geral de Administra­ção Penitenciária afirma ainda, na nota, que “solicitará integral apoio aos processos de logística e de se­gurança imprescindíveis ao cum­primento da decisão” do juiz fede­ral. Ressalta que “igualmente, apoia a determinação de que sejam reali­zados mutirões para apreciar pedi­dos de progressão de regime ou de liberdade condicional”, bem como “a realização de obras de reformas na Colônia Agroindustrial para do­tá-la de condições adequadas ao atendimento aos presos”.

Na quinta-feira, em entrevista à CBN Brasil, o governador afirmou que havia determinado a prepara­ção de uma ação pedindo o ressar­cimento das despesas com os presos federais abrigados no Estado. “O Es­tado assume com toda a boa vonta­de esses presos, temos um convênio para isso, mas já pedi para fazerem o cálculo de quantos presos são de responsabilidade da União”, disse.

“No entanto, independente­mente disso, precisamos colocar a razão em primeiro lugar e pla­nejar as ações daqui para a frente com o conjunto de governadores. O que aconteceu no ano retrasa­do no Rio Grande do Norte, Ama­zonas, Roraima, e agora em Goiás, pode acontecer a qualquer hora com qualquer Estado”, afirmou, na entrevista, assim como em ou­tras ocasiões. “Eu tenho defendi­do fortemente que a gente mude a Constituição, porque ela obriga só os governos estaduais a investirem em segurança do cidadão, com a a União como grande coordenado­ra das políticas”, disse.

 

 

 

NOTA DO GOVERNO DE GOIÁS

 

Em relação à decisão judicial exarada nos autos da ação civil pública movida pela OAB/GO, o Governo de Goiás informa que to­mará todas as medidas necessá­rias para o adimplemento do dis­positivo da decisão liminar.

Iniciará, imediatamente, to­das as medidas no sentido de pro­videnciar a transferência dos pre­sos de maior periculosidade que estão cumprindo pena no regime semiaberto na Colônia Agroin­dustrial de Aparecida de Goiâ­nia, para presídios federais, con­forme decisão da Justiça Federal, limitando a 400 o número de de­tentos naquela unidade penal.

OGovernodeGoiásreafirmaoseu compromisso com o Estado Demo­crático de Direito, respeitando a inde­pendênciadospoderescomocumpri­mento, a tempo e a modo, de decisão judicial regularmente prolatada.

Destaque -se que a decisão vem ao encontro de teses publicamente defendidas pelo governo de Goiás no tocante à responsabilidade federati­va relativamente à custodia de ape­nados pelos diversos entes federados.

O Governo de Goiás, por meio da Diretoria-Geral de Administra­ção Penitenciária, fará junto ao governo federal as gestões necessá­rias no sentido de que indique para quais unidades os presos deverão ser transferidos, bem como solici­tará integral apoio aos processos de logística e de segurança imprescin­díveis ao cumprimento da decisão.

Igualmente, apoia a determi­nação de que sejam realizados mutirões para apreciar pedidos de progressão de regime ou de li­berdade condicional. Por fim, a realização de obras de reformas na Colônia Agroindustrial para do­tá-la de condições adequadas ao atendimento aos presos e à segu­rança de todos já constava do pla­nejamento do Governo do Estado.

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