Lambança pericial
Diário da Manhã
Publicado em 1 de fevereiro de 2017 às 01:23 | Atualizado há 4 meses
O juiz de Aparecida de Goiânia, Leonardo Fleury Curado Dias, determinou a reabertura da investigação sobre a morte de Márcio Teixeira de Freitas e sua mulher, Sielza da Mota Barbosa, após perícia apontar graves falhas no inquérito e no laudo de criminalística. Os dois morreram em circunstâncias suspeitas, em setembro de 2015, e o laudo inicial, feito pelo Instituto de Criminalística de Goiás, sustentar que Márcio assassinou Sielza e em seguida suicidou-se com três tiros na cabeça.
A reapreciação do caso seguiu parecer favorável da promotora de Justiça Daniela Haun de Araújo Serafim, com base em longo parecer emitido pelo médico legista Fortunato Badan Palhares, de São Paulo. Esse procedimento terá reflexo direto em outro caso rumoroso, ocorrido em Itapuranga e que ainda tem preso Ogier de Oliveira Lobo Filho, acusado de ser o mandante da morte de Rogério de Jesus Lobo e cujo executor teria sido Márcio. Ogier está preso em Itapuranga desde dezembro de 2015 por causa da morte de Rogério e um dos principais fundamentos da denúncia oferecida pelo MP é a morte de Márcio.
O imbróglio remonta há mais de 10 anos quando surgiu o conflito entre Ogier Filho e Leonardo, sócios em uma fazenda em Cocalinho, no Mato Grosso. Segundo o Ministério Público Ogier queria desfazer a sociedade com o primo Rogério e o pressionava a aceitar a divisão em bases que lhe seriam prejudiciais e que para fazer pressão contratou Márcio Teixeira de Freitas, conhecido como Márcio Capivara ou Márcio Chacal.
Em julho de 2015 Rogério estava em uma estrada vicinal entre Itapuranga e o distrito de Cibele e foi morto quando desceu do veículo para fazer necessidades. Sua mulher, Viviane, contou que estava notou apenas quando o marido deu murros na porta pedindo socorro e ela viu um Voyage preto saindo em disparada. Ela não teria ouvido os tiros porque, soube-se depois, a arma era uma pistola acoplada a um silenciador. A mulher contou que percorreu os 16 quilômetros de estrada de terra até Itapuranga em uma hora para levar Rogério para ser socorrido no hospital.
Essa mesma arma com silenciador reapareceu em setembro na mão de Márcio em um motel de Aparecida de Goiânia. Márcio jazia morto com três tiros na cabeça e sua mulher, Sielza da Mota Barbosa também estava morta com um tiro na cabeça. Os dois estavam nus e sobre a cama. Márcio Humberto Teixeira de Freitas, segundo o Instituto de Criminalística de Goiás, teria assassinado sua mulher Sielza e dado cabo de sua vida em seguida, atirando três vezes contra a própria cabeça e com todos os tiros transfixando o crânio. As dúvidas sempre existiram, mas para o Ministério Público o laudo pericial era conclusivo e encerrava o assunto. O suposto suicídio de Márcio pacificava a sentença sobre Ogiel e não mais existiria a quem indagar se teria matado Rogério, por qual motivação ou a mando de quem.
Especialista renomado atuou em caso
Os advogados de Ogiel Filho e sua família não concordaram com a perícia feita pelos legistas do Instituto de Criminalística Leonardo Rodrigues e foram em busca de uma sumidade no assunto. Fortunato Badan Palhares, médico legista mais renomado e laureado pelo Brasil afora e professor dessa matéria na prestigiada Universidade de São Paulo. Em longo arrazoado sobre sua experiência o próprio Badan Palhares citou breve relato dos casos que atuou: “Durante minha atividade profissional como Patologista, Médico-Legista e Professor Universitário, realizei mais de 1.000(mil) necropsias clínicas, mais de 10.000 (dez mil) necropsias médico-legais, 800 (oitocentas) exumações e 600 (seiscentos) pareceres”.
De posse do inquérito na mão e com o laudo dos peritos de Goiás do lado ele começou a esmiuçar o caso com olhos treinados para encontrar falhas. E não tardou para que elas saltassem diante do perito experiente e que conhece o assunto como poucos no Brasil. O ambiente violado onde ocorreram as mortes, com detalhes elucidadores maculados pela imperícia dos peritos, aspectos minuciosos esquecidos pelos peritos, falta de exames categóricos para esclarecer as mortes e outros tantos vacilos que sacramentaram o laudo como inconfiável e que determinou a reabertura do inquérito por absoluta inviabilidade de continuar esquecido.
Chumbo
Para início de conversa havia a suspeita de como um homem poderia ter matado sua própria mulher em um motel e suicidado em seguida com um tiro na testa e dois tiros no queixo, com todos os projéteis atravessando a cabeça, dilacerando o cérebro e com poder de tirá-lo de ação desde o primeiro disparo. A dúvida continua com o fato de que a arma–uma pistola Taurus calibre 380 – era equipada com silenciador, o que determina um comprimento de aproximadamente 30 centímetros, o que não daria distância para Márcio e disparar contra a própria cabeça.
Os peritos goianos também não realizaram um exame para detectar “polimetila de chumbo” ou resíduos de pólvora nas mãos, o que seria imprescindível para atestar que ele mesmo disparou contra sua mulher e contra si. Badan Palhares anotou no seu laudo essa falha. “Outro fato a ser considerado prejudicial, foi o da não colheita de material para exame residuográfico nas mãos de Márcio, no local do encontro dos cadáveres, fato que só aconteceu após o exame necroscópico ter terminado, quando o cadáver já tinha sido lavado, o que na minha visão pericial, já tornam esses resultados inidôneos. Os peritos do IC de Goiânia foram alertados no laudo da Polícia Federal sobre isso, e mesmo assim o consideraram como prova no laudo deles”.
Além disso “não foram também colhidos materiais junto aos orifícios de entrada dos projéteis, tanto no senhor Márcio como na senhora Sielza, para avaliação das distâncias dos disparos”, frisou.
Os peritos não colheram impressões digitais na arma nem nos estojos de munição colhidos no local. “Chama atenção o fato de não ter sido possível encontrar fragmentos ou partes consideráveis de impressões papilares, quer na arma, como no silenciador e menos ainda nos estojos das munições, em número de 12 (doze) recuperadas no carregador da arma, 3 (três) estojos encontrados no local do evento, e 1 (um) no IML ( aquele que não foi visto pelos peritos de local, na região posterior do corpo do Sr. Marcio)”.
“Mesmo tendo sido observado e fotografado pelos peritos um copo e uma garrafa de água, usados sobre o refrigerador esse material não foi colhido para exame de impressões digitais, o mesmo ocorrendo com a outra garrafa de água que estava no criado mudo, junto com os pertences de Sielza, o que vale dizer também que o material que estava no interior das garrafas e do copo, não terem sido levados para exame”, marcou Palhares em seu laudo, desclassificando o laudo feito em Goiás.
O casal estava em um motel, foram encontrados nus e mesmo assim nenhum perito goiano teve o discernimento de verificar as partes íntimas ou detalhes que pudessem elucidar o caso. “Não houve também descrição de ter examinado os órgãos genitais como a vagina, de ter colhido material para exame, como esperma, para saber se tinham ou não tido relação sexual antes da morte, ou até se tinham usado preservativo. Pericialmente isso é muito relevante, pois ambos foram encontrados nus, estavam num motel e MARCIO, apresentava hematoma vinhoso, na bolsa escrotal”, frisou. Esse “hematoma vinhoso” era uma mancha roxa nos testículos de Márcio, denotando ter sofrido uma pancada que tenha provocado esse hematoma, coisa suspeita em um suicida.
“No laudo, os peritos do Instituto de Criminalística em seu item nº 13, fls 13/16 e 14/16 procuram complementar o que descrevem, após terem conhecimento do exame necroscópico. Os peritos do local de crime foram ao IML colher material para exame residuográfico das mãos do cadáver Márcio, após término da necropsia e, de ter esse cadáver sido lavado assim como também já ter sido colhida as impressões digitais. Essa prova dos resíduos de partículas de disparo, não pode mais ser considerada idônea, como já fiz referência anteriormente”, completa Palhares. “É de se estranhar que no presente caso, não fossem colhidos materiais para exames toxicológicos de ambos, assim como no conteúdo das garrafas e copo. Como aceitar agora que as duas personagens desse crime não estivessem sob uso de algum elemento químico, que os impedisse reagir?”, indagou
Ao final ele sentencia: “Concluo que, nos documentos examinados, os peritos efetivamente não conseguiram comprovar o suicídio, somente levantaram uma hipótese, pois faltaram elementos de convicção técnico-científica da dinâmica real do evento, para se convencerem do que eles declararam no laudo”.
Badan Palhares deu uma aula de questionamentos da medicina legal ao sentenciar que “o segundo disparo, com muito mais razão, impossibilitaria a vítima Márcio de disparar um terceiro tiro com a mesma arma. Pois, como apresentado, ambos pelas características próprias dos disparos de arma de fogo afetaram seriamente as áreas motora (Córtex Motor Primário), sensorial (de Associação Motora), e do comportamento. Impossibilitando, portanto movimentos após serem atingidos. Isso na visão da Neurologia”.
Revisão
Os familiares e advogados de Ogier Filho esperam agora que com esses questionamentos levantados a prisão dele seja revista e o caso do homicídio de Rogério Lobo tenha a linha de denúncia alterada. “Quem mandou matar Rogério cuidou de apagar também Márcio para não deixar a verdade vir à tona”, resumiram em nota.