Cotidiano

Lixo na nascente

Redação DM

Publicado em 28 de julho de 2016 às 02:27 | Atualizado há 8 meses

Empresa quer construir aterro sanitário onde nasce o único curso d’água que abastece a população de Aragoiânia. Justiça determinou a suspensão do processo

O padre Alaor Rodrigues de Aguiar, vigário da Paróquia de Santa Luzia de Aragoiânia, está em uma cruzada santa pela mobilização da população para impedir que um desastre ambiental anunciado comprometa o único curso d’água que abastece a cidade. O ribeirão Vereda está com sua nascente ameaçada pela construção de um aterro sanitário logo onde ele brota, em uma fazenda no município de Guapó, próximo da divisa.

A empresa Resíduo Zero Ambiental iniciou um processo de construção do aterro sanitário no local e chegou a conseguir uma licença prévia junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima), mas o processo foi barrado com a união dos esforços da Saneago, Prefeitura de Aragoiânia, Ministério Público e o padre Alaor. “Precisamos mostrar que está em curso a destruição de um importante manancial hídrico, que atende à população de Aragoiânia e que poderá contaminar ainda o lençol freático e causar um desastre ambiental muito maior”, explica.

A tentativa da Resíduo Zero vem desde 2013 com a licença prévia concedida pela Secima. A empresa anunciou que pretendia instalar um aterro sanitário para atender as demandas geradas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos e fazer com que os municípios acabem com seus lixões, que além de imundos são altamente poluentes. Como detentora de um aterro, a empresa oferece para prefeituras da Região Metropolitana de Goiânia e municípios próximos a possibilidade de dar destinação final a seus resíduos sem que as prefeituras tenham de construir aterros em seus limites, fazer a correta operação e se enquadrar no que manda a legislação ambiental. Para isto, a ideia era fazer um grande aterro e trazer lixo a granel para ser enterrado nos domínios de Guapó, quase divisa com Aragoiânia.

Reação

Acontece que a população da antiga “Biscoito Duro”, como Aragoiânia foi conhecida por décadas antes de se tornar a acolhedora cidade que é hoje, reagiu de forma rápida e frontalmente contrária aos interesses da destruição da nascente. Com o Padre Alaor à frente, associações de moradores, proprietários rurais e o prefeito Nauginel Antunes do Prado, o movimento buscou a Justiça para tentar barrar a agressão iminente a um dos mananciais que abastece a cidade.

Uma audiência pública realizada em junho desse ano no Fórum da cidade contou com a presidência da juíza Rita de Cássia Rocha Costa, o promotor de Justiça Wesley Marques Branquinho, o prefeito Nauginel e diversos representantes da comunidade, além dos advogados da Resíduo Zero. Os donos da empresa não apareceram para justificar perante a população que pretendem destruir uma nascente e poluir o lençol freático com metais pesados, chorume e outros poluentes provenientes de um aterro sanitário. Mesmo com sobrenomes poderosos na história de Goiás, como Roriz e Rizzo, os responsáveis pelo grupo EcoParticipações, que envolve a Resíduo Zero, não apareceram para defender seus interesses no empreendimento.

A Saneago, que controla a exploração de água em Goiás, emitiu laudo técnico também francamente contrário à construção do aterro sanitário no local devido ao grande risco de contaminação do lençol freático e por se tratar de uma área de platô, que é um divisor de águas que abastece populações inteiras.

O Padre Alaor acompanhou a reportagem ao local onde a Resíduo Zero pretende fazer o aterro sanitário. Ele mostra com lamentos profundos a vereda que ainda resiste no local onde deveria haver uma preservação muito maior por se tratar de Área de Preservação Permanente (APP). A empresa cercou o local com uma fileira de postes e arames lisos para evitar que o gado invada a nascente. Uma placa colocada pela Resíduo Zero confirma haver água subterrânea e os exemplares de buritis atestam se tratar de uma vereda, ou nascente como é chamada o local onde a água brota.

O delegado da Polícia Civil Luziano de Carvalho, titular da Delegacia Estadual de Meio Ambiente e um dos maiores entusiastas da proteção de nascentes de mananciais em todo o Estado, confirmou que já fez um inquérito para apurar a tentativa de construção de um aterro sanitário no local e atesta: lá não é local para esse tipo de empreendimento. “Aquele lugar é totalmente inapropriado para um aterro sanitário por várias razões. A começar que se trata de um platô e uma vereda, onde brota um manancial importante e, além disso, é um lugar de recarga do lençol freático, de recomposição do manancial”, explica.

Luziano é enfático ao lembrar que o local é de infiltração de água e não de colocar manta e impermeabilizar o terreno. “Só não concluímos pelo indiciamento dos responsáveis como incursos em crime ambiental porque ainda não havia se configurado o ato criminoso”, pondera. Entretanto, a discussão ainda está muito longe do fim e se os responsáveis insistirem em destruir a nascente poderão estar certos de que o poder de polícia da Delegacia do Meio Ambiente será mais célere e preciso que possam imaginar.

O prefeito Nauginel também faz coro aos que protestam e garante que o município vai lutar com todas as armas disponíveis para impedir a construção do aterro sanitário naquele local, ainda que seja em outro município. “A vida e o meio ambiente são mais precisos do que o lucro buscado com um aterro sanitário naquele local”, finaliza.

A reportagem procurou a empresa para se manifestar sobre as acusações. No telefone 3282-XXXX uma pessoa que se identificou como Gabriel disse que passaria o recado para os responsáveis. Até o fechamento da edição isso não ocorreu.

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