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Mãe solo, sem filtro: a invisibilidade da mulher

A cultura negativa da violência contra mulher e o Código Civil de 1916, do direito do homem sobre corpos femininos

Reprodução Agência Brasil Reprodução Agência Brasil

Ser mãe solo, é perder totalmente o direito de ser mulher, de ser vista como uma pessoa, com direito ao próprio corpo. Passamos a ser alvo do coletivo, para criticas, pré-conceitos, preconceitos e discriminações. Ou nos encaixamos na qualidade de um corpo 'sagrado' ou teremos a dignidade moral posta à prova. De um lado vivemos a realidade da 'Vaca Profana' de Gal Costa, do outro sambamos ao som 'Joga Pedra na Geni' de Chico Buarque.

É assim que se sente Natália Araújo, mãe de três crianças, com 12, 10 e três anos. Os dois mais velhos, frutos do primeiro casamento, "Casei certinho, no civil. Tive dois filhos, o pai ajuda e faz a parte dele, não sofro com isso. O problema começou na terceira gestação, de outro relacionamento, hoje sofro as consequências, tenho depressão e tomo medicamento controlado, eu escolhi isso? Não, não escolhi sofrer as pressões que sofri, ele, o pai do meu bebê, não sofreu nada, não mudou um minuto da vida dele, continua como se não tivesse filho, ele pôde escolher, ninguém cobra dele as responsabilidades que a sociedade diz ser só minha." - desabafa.

A emancipação feminina ainda está longe de ser completa. O modelo absurdo do Código Civil de 1.916 perdurou até meados deste século, ainda ecoa em piadas, conversas, discussões domiciliares e ameaças. Período em que a cultura negativa da violência contra mulher ganhou direitos sob a égide da justiça para o homem com status de direito do marido sobre e contra o sexo feminino.

Em 2021, dados um programa emergencial de apoio a população, que ficou vulnerável diante do lockdown, a mulher no papel de chefes de família causou discussão e debates à cerca da realidade em que vive milhares de mulheres que são abandonadas com os filhos. Ganhando contornos preocupante em falas machistas e misóginas que percorriam o país, ao descobrirmos que 50% dos lares no Brasil tinham à mulher como única provedora.

Camila, mais conhecida como Cacau Mila, comunicadora, terapeuta tântrica, que incluí no currículo ser mãe, ela entende bem essa situação de ser a chefe de família, embora conte com uma rede de apoio e com o pai do Miguel, ela precisou se reinventar, encontrar uma nova profissão "Depois da licença maternidade eu fui demitida. E então eu tive que me recolocar no mercado. Então como eu não encontrei eu tive que rebolar e criar um novo caminho descobrir o que fazer sentido para mim. É muito revolucionário pensar que essa sexóloga essa mulher que é uma inspiração. Ela só foi para esse desafio da sexualidade, só nasceu porque nasceu Miguel."


		Mãe solo, sem filtro: a invisibilidade da mulher
Cacau Mila Créditos foto: Camila Alves


O retorno da licença maternidade e o fim da estabilidade no emprego define o destino da mulher na empresa. Muitas são demitidas imediatamente, dificultando ainda mais a vida daquela mulher que muitas vezes não contam com a pensão obrigatória, "O homem pode chegar e dizer que não tem dinheiro e muitas vezes fica por isso. Um bebê chorando de fome, sem leite, sem comida, acha que ele entende se a mãe disser não tenho dinheiro?", Simone Alves, mãe de duas meninas com cinco e dois anos, ás vezes não sabe o que fazer, demitida há dois meses, ela enfrenta muitas dificuldades, "a sociedade exige de nós que não deixemos as crianças passar fome, e como fazemos, eu estou cansada, mas não posso cansar, me dizem, você é mãe, você tem que se virar."

Natália é outra mulher que sabe disto, há muito tempo, antes das estatísticas, e embora todas as críticas recebidas, nunca houve ajuda de fato ou uma rede de apoio que ajudasse pelo menos entender porque aquela gestação foi para ela uma tortura constante, "Os meus próprios amigos falava que eu era muito irresponsável que eu podia ter tomado remédio que existe camisinha e agora Natália que que você vai fazer da sua vida criar esse menino sozinho? Como se alguém me sustentasse." e completa, "eu acordo 5h da manhã não é fácil e vou dormir depois das 23h, isso desde a gestação do bebê."


		Mãe solo, sem filtro: a invisibilidade da mulher
Natália Araújo Reprodução Redes Sociais


Muitas vezes a mulher é levada a exaustão, no corpo sagrado de mãe, acaba seu direito a ter desejos sexuais, viver um novo romance ou simplesmente sair para se divertir, pois os olhos da sociedade está sobre ela para vigiar seus passos e passeios, seja num comentário maldoso, seja em falas de repreensão.

Cacau Mila alerta que a mulher precisa se libertar dessas imposições, encontrar um equilíbrio e se impor "ninguém precisa de uma capa de super-heroína. Até porque não existe 'pães' se uma mulher tá ocupando lugar de 'pães'. É uma mulher sobrecarregada que não está demandando. Infelizmente eh, o que precisa se estar demandando não tá sendo atendida e se não tá sendo atendida. A justiça está aí para ser usada."

Esse é caso da Natália que explica, "O pai do menorzinho paga pensão, mas nunca veio buscar ele, é como se o filho não existisse, meu filho vai crescer e ver o pais dos mais velhos vir aqui, o que faço? Eu ligo, insisto que ele fale com a criança pelo telefone, ao menos, mas ele não quer, fica em silêncio quando o bebê fala. Eu não sei o que fazer, isso me faz muito mal." Ela conta que não tem vida social há quatro anos, que quando saí precisa levar a criança, "Tem dia que o meu cansaço mental é tanto que eu espero os meninos dormir pra chorar porque a mãe tem que ser forte né? Até na frente dos filhos, então eu espero eles dormir pra mim chorar de cansada"

"Quando a gente saí para se divertir, tomar uma cerveja com as amigas, colegas de trabalho, é horrível, a quantidade de gente: Cadê as meninas? Tomou seu anticoncepcional? Vai voltar embuchada!" desabafa Simone. Os mesmos questionamentos são feitos a Natália que desistiu de ter vida social, "Nossa é horrível porque fala: Cadê seus meninos? As pessoas acha que onde a mulher vai tem que levar os filhos, não é porque eu tenho filho que eu não posso sair sozinha."

Segundo levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN) em 2022, mais de 164 mil crianças foram abandonadas pelo genitor ainda no útero materno. Em 2023, esse número passou dos 106 mil até julho.

No Brasil são mais de 11 milhões de mulheres que criam seus filhos sozinhas.

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