Nem velhas, nem virgens!
Diário da Manhã
Publicado em 9 de dezembro de 2020 às 06:06 | Atualizado há 4 anos
A tríade da porra-louquice encharcada em sexo, bebedeira e rock parece não ter deixado o som da banda Velhas Virgens, e agora ganhou um sopro de modernidade ao demonstrar sintonia com questões cruciais do mundo atual. Ponto pros paulistas.
O novo disco do grupo veio à vida durante a pandemia de coronavírus e já de cara nossos tímpanos sacam influências de Eric Clapton, B.B. King, The Stooges, David Bowie e até mesmo Lynyrd Skynyrd e seu rockão cru tocado largamente nas rádios roqueiras espalhadas por aí. “O Bar Me Chama” já está disponível para audição nas plataformas digitais e no site da autoproclamada maior banda independente do País.
De fato, justiça seja feita, Paulão de Carvalho continua mandando frases de efeito que lhe valeram o rótulo de machista por cantar “abre essas pernas pra mim, baby” ou “e o que a gente quer?/ A gente quer fuder./ e o que a gente quer?/ a gente quer./ BU-CE-TA. Buceta”, mas a presença da vocalista Juliana Kosso no centro da banda está cada vez mais presente.
Com um riff bluseiro tocado pelo guitarrista Alexandre Dias, a sétima faixa do disco, “Vícios e Pecados”, nos apresenta uma mulher falando coisas como “pegue suas coisas e desapareça/ Mas deixe os tranquilizantes na gaveta/ E uma garrafa de gin”.
Ora, se os machões sempre tiveram voz no universo do rock, por que diabos as mulheres também não podem cantar sobre cachaça, relacionamentos e dramas da vida?
Kosso brilha ainda ao frisar “Não é não” “Não insista/ Não é não/ É o que é” ou “pode ser numa festa/ Ou numa mesa de bar/ Num bloco de Carnaval/ Você pode até tentar”. São tempos de empoderamento feminino e é essencial cantá-lo, pois vemos homens que continuam esbanjar seus comportamentos decrépitos. Obrigado, companheira.
Além dessa inversão de papéis, “O Bar Me Chama” tem momentos que fazem jus à trajetória roqueira construída pelo grupo à margem do sucesso. “Mazzaropi Blues” é um exemplo disso. Com um instrumental embriagado pelo entorpecente do gênero eternizado por Muddy Waters, o que mais me chamou atenção na faixa foi à condução de Paulão: o cara precisou apenas de uma gaita de boca pra dar charme à música.
Meio rockabilly, meio blues, mas – entre nós – bem certeiro. Certeiro: essa é a palavra!
Em seguida, com o volume do escarro lá nas alturas, vem “O Bar me Chama”, ode à boêmia que poderia ter sido composta por Cazuza na época em que o poeta era vocalista da banda Barão Vermelho: a música é bem-humorada e chama todo mundo pra festa – você é besta e vai ficar fora dessa, meu amigo?
Depois, somos surpreendidos com uma sequência debulhadora de “Leprechaun”, “Brechó Cintilante, “Não é Não”, “Carregue Sua Cruz com Classe”, porém o ponto alto do disco é “Luísa e Ana” – releitura de “Louisiana”, sucesso pouco conhecido dos anos 1970 na voz de Mike Kennedy. A canção faz alusão a um cara que tenta namorar uma menina que, vejam vocês, já tem namorada! Ela, naturalmente, não dá bola pro infeliz. É uma composição, com toque de David Bowie em “Rebel, Rebel”, sobre diversidade.
As Velhas Virgens não estão nem velhas, muito menos virgens. Estão, isto sim, atentas às transformações sociais, e mantém o grito da liberdade sexual sempre em alta.