Cotidiano

O ano da (in) segurança

Redação DM

Publicado em 9 de janeiro de 2017 às 13:49 | Atualizado há 7 meses

Em um estado que não fez a tarefa de casa sobram demandas sociais. E a maior delas é a segurança pública.  Com índices cada vez mais alarmantes de crimes e uma explosão penitenciária que se anunciou na semana passada, resta aos governantes correrem atrás de recursos públicos para atender uma área que é de origem e base do estado: o combate à violência.

Uma das teorias que dizem respeito ao surgimento do estado o trata como detentor do monopólio da violência. Ou seja: se existir necessidade de violência, o estado é que deve fazer uso desta coação física e simbólica. O sociólogo Max Weber enxerga nele a capacidade de ordenar a sociedade e monopolizar os atos violentos.

Mas sem esse poder, como é patente, restou aos estados contemplar a violência como quem perde um jogo. E tentar reduzi-la é agora uma meta cada vez mais difícil.

 

A conta da violência é tão complexa que nada ou pouco se deve esperar da União – a não ser o que é conseguido por meio de emendas parlamentares.

Por exemplo: 42,43% do orçamento geral da União, em 2015, foi utilizado para pagar juros e amortizações de dívidas; 22,69% foi aplicado em previdência social; 8,96% acabou utilizado em transferências para estados e municípios; 4,14% foi destinado às políticas de saúde; 3,91% foi destinado à educação. Agora pegue a lupa e anote o que foi gasto com segurança pública: 0,54%.  É menos do que se gasta, por exemplo, com a agricultura – 0,80%.

Má gestora em quase todas as áreas, a União, durante o pacto social implantado na constituinte de 1987, optou em repassar a área de segurança pública para os estados. A atitude levou ao caos atual: uma população sem educação e emprego acaba vulnerável, tornando-se amplificadora das mazelas que o próprio estado ajudou a criar por conta de sua ineficiência.

A instituição de um Plano Nacional de Segurança Pública obrigatoriamente fará o Governo Federal investir no segmento, apesar da crise.

Conforme Márcio Lima Lázaro, que defendeu mestrado sobre orçamento público federal e segurança pública no Brasil, os gastos com tema tão relevante são absurdos e ínfimos. “A média anual de gastos com a Segurança Pública no período estudado é de R$ 6,1 bilhões, ou seja, 0,37% sobre a média anual dos gastos totais do Governo Federal. Em uma comparação com países como Argentina, Reino Unido e Estados Unidos, no ano de 2011, os gastos com Segurança Pública no Brasil tiveram o menor percentual sobre o gasto total, o menor percentual do gasto sobre o PIB e o menor gasto per capita”.

Márcio alerta em seu estudo que muitas vezes os recursos chegam aos estados, mas estes, por sua vez, computam como se fossem gastos dele. Ou seja: não bastasse ser reduzido o orçamento, alguns gestores estaduais ainda fazem de conta que o que investiram saiu dos cofres regionais. “Infelizmente, os dados informados como gastos estaduais não são confiáveis, possuem um grande risco de conter informações repetidas (como o repasse do Governo Federal embutido nos valores informados). Também não estão disponíveis os dados das transferências do Governo Federal para todas as Unidades Federativas na área de Segurança Pública, sendo necessária a consulta direta a contabilidade de cada unidade”.

O pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) alerta que áreas como a polícia investigativa, por exemplo, recebem apenas 1% da distribuição das despesas diretas do Departamento da Polícia Federal e Rodoviária Federal.

A polícia investigativa, diga-se de passagem, costuma ser a que mais sofre com a falta de recursos. É ela que acelera as investigações, colheita de provas e consequente finalização de um inquérito policial – base para a denúncia do Ministério Público e documento que compõe o processo criminal que orienta a tipificação e pena.

ESGOTAMENTO

A tendência nos estados é de esgotamento na área. Em Goiás, a superintendente Rejane Barcelos diz que ocorreu um progresso por conta da nomeação de 230 novos servidores.

A gestora diz que o efetivo aumentou em quase 70%. No ano que passou, ela informa que o IML realizou 9.544 exames de lesão corporal, 6.221 cadavéricos, 2.836 de prática sexual delituosa, além de 32.644 de corpo de delito. Os números, infelizmente, dão conta exatamente do tamanho da violência que ocorre no Estado: quanto mais exames, mas indícios de que vivemos uma epidemia de agressividade e selvageria.     

A Polícia Técnico-Científica, da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP) tem aos poucos iniciado um processo de descentralização de suas atividades, com a realização de exames e investigações em cidades que antes dependiam de Goiânia e outros estados.   

Rejane Barcelos afirma que descentralizar as análises de balística, que eram feitas apenas em Goiânia, é essencial para ampliar a eficácia de uma espécie de policial que tem enorme importância para a efetivação da Justiça.

Agora, o problema: o Governo Federal ajuda de forma apenas pontual, com aportes pedidos geralmente por parlamentares ou quando o Governo de Goiás consegue se comunicar através de programas de financiamento.

Todas estas ações ocorrem sem uma verba federal sistemática, certa e direta. Trata-se, assim, a segurança por ondas – muito de vez em quando – sem levar em conta que o crime é progressão constante.

Quem vê o governo e seus números, formulados a partir do Plano Nacional de Segurança Pública, acha que está tudo certo: recursos sobrando e que a violência responde a tecnocratas que sistematizam estatísticas. A morte, numa semana, de cem presos serviu para mostrar que a violência brasileira é profissional e seu combate amador.

Conforme o Governo Federal, o plano pretende reduzir em 7,5% o número anual de homicídios dolosos nas capitais do país em 2017.  Mas não explicita os recursos para crises urgentíssimas, caso dos presídios que envergonham o país.  

 

Plano do governo federal é criticado por especialistas

Entra governo e sai governo e uma das ações mais clichês dos gestores é propor planos. A Constituição Federal é instituída tendo como base sistemas que exigem planos para ações – seja em educação, meio ambiente ou saúde.

O problema na segurança é que os planos são baseados em orçamentos reduzidos e metas ousadas – como a nova proposta do Governo Federal.

O plano apresentado pelo ministro Alexandre Moraes visa reduzir em 7,5% o número anual de homicídios dolosos nas capitais do país em 2017. A partir de 2018, diz o gestor, a meta será ampliada para cerca de 200 cidades no entorno das capitais.

A proposta é amplamente criticada por especialistas. Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, disse em sua rede social que Alexandre Moraes “reproduz e repagina medidas que não compõem um plano, mas sim são atividades permanentes do Ministério da Justiça“.

Renato diz que o governo chega a ser ingênuo ao divulgar tal documento: ele não contém cronograma, orçamento, matriz de responsabilidade, qual o percentual de cada meta está sendo atingido.

 

[box title=”Pontos anunciados pelo Plano Nacional de Segurança”]

Objetivos

De acordo com o Ministério da Justiça, os três principais objetivos são a redução de homicídios dolosos e de feminicídios; o combate integrado à criminalidade organizada internacional (em especial tráfico de drogas e armas) e crime organizado dentro e fora dos presídios; e a racionalização e modernização do sistema penitenciário.

Violência doméstica e Patrulha Maria da Penha

Governo quer dar celeridade às investigações e aos processos envolvendo crimes de violência doméstica. A intenção é implementar cursos de mediação de conflitos, solução pacífica de conflitos e cultura de paz.

Centros de inteligência

O Plano Nacional de Segurança elaborado pelo governo federal prevê a instalação de núcleos de inteligência que reunirá forças policiais e de investigação nos 26 estados e no Distrito Federal, de acordo com o ministro da Justiça.

Prevenção

O combate aos homicídios dolosos, feminicídios e à violência contra a mulher, segundo o plano, valorizará a prevenção por meio da capacitação dos agentes envolvidos.

Mapeamento de homicídios

O governo fará um mapeamento dos locais onde ocorrem homicídios, que começará pelas capitais e depois será expandido para as regiões metropolitanas.

Crime organizado

O combate ao crime organizado terá como foco o tráfico internacional de drogas e de armas.

Perícia criminal

O plano prevê também a criação de um laboratório central de perícia criminal em Brasília em apoio aos estados, com estimativa de ser construído em 2017.

Radares

O governo prevê a ampliação dos radares Alerta Brasil com mais 837 cameras da PRF nas rodovias, totalizando 935 unidades.

Construção de presídios

O governo anunciou o investimento de R$ 200 milhões para a construção de cinco presídios federais, com capacidade para 220 presos de alta periculosidade. (Box: EBC)

[/box]

 

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia