O que importa é o dinheiro
Redação DM
Publicado em 5 de março de 2017 às 01:39 | Atualizado há 8 anos
O BRB Banco de Brasília S/A até tentou usar a lei estadual nº 16.898/2010, que permite ser descontado até 50% da folha de pagamento dos clientes, mas foi controlado constitucionalmente. O magistrado Gabriel Consigliero Lessa, do Juizado Especial Cível e Criminal de Piracanjuba, determinou que a empresa deixe de descontar da folha de pagamento da idosa Carmita Inácia da Silva Ferrari valores acima de 30% de seu rendimento.
Trata-se de mais um caso de abuso amparado por leis estaduais inconstitucionais. Goiás, diga-se de passagem, é reino de inconstitucionalidades. Recentemente, a pesquisadora Paulinny Marques Freitas, da Universidade Federal de Goiás (UFG), realizou pesquisa sobre a judicialização da política e revelou que o Estado tem um grande índice de Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Em um dos momentos da tese, diz a pesquisadora, é corrente nos tribunais afirmar que aos poucos a “Constituição Federal chega em Goiás”.
Pois bem, a Carta Magna chegou para Carmita Inácia da Silva e BRB.
Ela pediu na Justiça que o banco se abstenha de descontar de seus rendimentos valores que excedam ao limite previsto em lei para empréstimo consignado.
O pesadelo de Carmita começou quando foi ofertada para ela uma proposta de empréstimo consignado. Ela diz que foi induzida a assinar o contrato. Disse que era analfabeta e com idade avançada, mas o banco teria optado em salgar a conta de Carmita em vez de aconselhá-la para não sofrer prejuízos.
O magistrado disse que não encontrou o princípio da boa-fé no contrato. Carmita recebia um total de R$ 813,27, mas a parcela cobrada batia R$ 406,63, quase 50% de seus proventos a título de parcelas de empréstimo consignado. “Em análise aos argumentos das partes, observo que a solução do caso trazido à baila é iluminada pela aplicação do princípio da boa-fé objetiva, o qual impõe aos contratantes deveres relacionados à proteção das partes em todo o desenvolvimento do processo obrigacional, denominados de deveres anexos ao contrato, os quais vão além daqueles ligados à prestação propriamente dita”, explicou.
Caberia ao banco exercer a boa-fé objetiva e informar a consumidora de que poderia ocorrer um superendividamento. O banco, especialista em números e dinheiro na hora que convém, silenciou-se.
O magistrado disse que a concessão excessiva e irresponsável de crédito é absurda, pois traz “a reboque a exclusão do indivíduo do mercado de consumo, contribuindo sobremaneira para o seu aniquilamento social e para uma existência indigna”.
Aí o juiz arrematou a decisão: pois tudo que o banco fez é indesejado pela Constituição. O magistrado diz que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificou: os descontos em folha de pagamento não podem ultrapassar 30% dos vencimentos do servidor.
Dignidade
O magistrado disse que o banco não deve agir de má-fé e se arvorar apenas na lei estadual, facilmente questionada em qualquer instância, pelo controle de constitucionalidade. “Tal situação mostra-se violadora do mínimo existencial, corolário lógico do princípio da dignidade da pessoa humana, que se constitui em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consoante artigo 1º, inciso III, da Carta Política”, sentenciou Gabriel.
Desta forma, o magistrado apontou vício de inconstitucionalidade material na lei estadual. Ou seja, ela vai continuar válida para outras situações a não ser que seja questionada nos tribunais através de um controle direto. Para o caso de Carmita, ocorreu a declaração incidental de inconstitucionalidade material do artigo 5º, 5º parágrafo, da Lei Estadual nº 16.898/2010, que teria violado o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que trata da dignidade da pessoa humana. O caso é emblemático da expressão: o direito não socorre os que dormem. Carmita não dormiu.