O risco das panelas vazias
Redação
Publicado em 30 de maio de 2018 às 03:42 | Atualizado há 4 meses
- Procuradoria Geral da República (PGR) diz que paralisação ameaça direitos fundamentais
- Paralisação coloca mães desesperadas com filhos doentes, movimento ameaça perda de rebanhos, deixa crianças fora da escola. O que mais querem os caminhoneiros que ainda estão em greve?
A greve dos caminhoneiros teve início há dez dias. A pauta inicial do movimento que uniu motoristas de empresas e autônomos visava principalmente reduzir o preço do óleo diesel, combustível utilizado pelos caminhoneiros para realizarem fretes.
A pauta dos motoristas ampliou após sexta-feira, quando o governo federal resolveu zerar a Cide. Deste então, após o governo novamente não obter acordo, a greve assumiu características diversas.
O grupo de grevistas não se dispersou. Em vez disso, demonstrou contradições, uma vez que o presidente Michel Temer apresentou garantias como a não majoração durante 60 dias do preço do combustível e uma discussão quanto ao preço do frete.
A situação atual é de completa perplexidade da população brasileira: desabastecimento chegou nos mercados, coloca em risco animais como frangos, pintinhos, bois, vacas e cria uma profunda erosão social, já que aulas de ensino fundamental, médio e universitárias foram adiadas e hospitais enfrentam a falta de profissionais e insumos de trabalho.
Conforme o Ministério da Agricultura, já morreram 64 milhões de animais devido a falta de alimentos.
Diante deste cenário, a procuradora geral da República, Raquel Dodge, diz que a paralisação já fere “direitos fundamentais”.
E na escala normativa nenhum direito pode estar acima dos direitos fundamentais, responsáveis por garantir os direitos básicos de dignidade humana, de proteção à vida, à liberdade e segurança.
Mais uma vez o país enfrenta, portanto, uma comoção intestina que pode levar à ruptura institucional. É evidente que o direito de greve é legítimo. “É certo que há o direito à greve e que há o direito ao protesto e à reivindicação, mas também há uma responsabilidade de um abuso da situação, que possa resultar em prejuízo a indivíduos, ao público e à sociedade”, disse ontem Dodge. Conforme sabe bem quem estuda o direito e a jurisprudência que dele emana, chegou a hora do Estado chamar para si a responsabilidade da maioria diante de uma luta que é justa, mas que não é uma causa de toda a população.
A ausência de comida nas panelas e o risco do desespero das famílias com doentes desprotegidos pode fazer eclodir reações inesperadas na população e, desta forma, instruir até mesmo uma ruptura democrática–valores democráticos que são inegavelmente o anseio da maioria da população brasileira.
POLÍCIA FEDERAL
É inegável que o caso da manutenção da mobilização será investigado pela Polícia Federal, já que existe a suspeita de locaute. Mas outras dúvidas permanecem no ar. Pedro Moreira, da Associação Brasileira de Logística (Abralog), diz que os empresários acreditam que o Governo Federal fez o possível e impossível com seu acordo de domingo e que a paralisação segue com autônomos desorganizados. E a demora na desmobilização se deve à falta de liderança efetiva do movimento–o que torna instável toda a interação social com os paredistas. Afinal, como atender a todos? Daí o aumento de episódios em que parte deles agridem até mesmo a imprensa.
Por mais que os caminhoneiros indiquem uma enorme indignação com tudo que se tem instalado no país, não justifica a insistência na defesa de uma ruptura democrática, como se vê com as faixas em defesa de intervenção militar.
O Brasil não era melhor durante a ditadura. É um equívoco dos caminhoneiros defenderem uma época em que inexistia liberdade e transparência. O mais grave é acreditar que a simples intervenção mudará o sistema insidioso instituído nas instituições do país. E tal defesa dos caminhoneiros provoca profunda crise: o próprio comando das Forças Armadas já começa a temer que soldados enviados para combater a greve venham a desertar e passem a defender o movimento.
O que mais o governo teme é que a complacência dos militares ajude a alastrar outros eventos grevistas no país.
Já se fala no Exército quanto a hipótese de desordem horizontal e difusa que tenha participação dos militares.
GOLPE
Mas é preciso alertar: a Constituição Federal não tolera o golpe. Ferir o direito da maioria é mais do que ferir um direito fundamental. É um crime contra a ordem constitucional e a própria constituição da pátria. A lei é clara: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Qualquer ação deve se submeter ao presidente da República. Ferir a lei é um crime maior e mais grave, que deve ser rejeitado pelos integrantes do movimento grevista.
Se é verdade que existem manifestantes interessados em defender a pauta de toda a sociedade (caso da luta contra corrupção e o combate ao preço exorbitante da gasolina) é certo que intervencionistas que pedem o golpe militar tentam segurar os caminhoneiros nas estradas.
Esta suspeita é uma das linhas de investigação da Polícia Federal. Ivar Schmidt, líder do (Comando Nacional dos Transportes (CNT), declarou para a imprensa que existe um movimento por trás da greve: “Existem aqueles que não encerraram a greve porque querem intervenção e derrubar o governo. E existem também aqueles que se sentem comprometidos com a população e passaram a defender também a queda do preço da gasolina”, afirma.