Onde o filho chora e a mãe não vê
Redação DM
Publicado em 5 de abril de 2016 às 03:11 | Atualizado há 5 mesesInspeção da Corregedoria-Geral de Justiça nas dez maiores unidades prisionais do Estado de Goiás e nas cadeias públicas de 180 municípios revelou que o sistema carcerário goiano opera precariamente. É o que se infere da leitura do relatório de inspeção dos presídios de Goiás recentemente publicado, em formato de livro, pela Corregedoria-Geral de Justiça, órgão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. O desembargador Gilberto Marques Filho ocupa o cargo de corregedor-geral e publicou o relatório.
As inspeções foram realizadas entre março e setembro do ano passado, mas só agora o relatório veio a público. No momento em que o documento foi concluído, o sistema penitenciário goiano abrigava 15.965 presos. Foram vistoriadas celas, algumas aleatoriamente, nas maiores unidades, e entrevistados presos, aos quais se franqueava a palavra para agregar informações ou fazer reclamações. Vistoriou-se também instalações administrativas e ambulatoriais.
“Após realizado o trabalho de inspeção e fiscalização, pode-se afirmar que a estrutura do sistema penitenciário do Estado de Goiás é precária, a lotação dos estabelecimentos penais ultrapassa os limites de sua capacidade em instalações, o efetivo é muito baixo, nenhum tipo de assistência atinge suas finalidades, o que compromete toda a dinâmica dentro do sistema e exige dos diversos órgãos envolvidos ações efetivas que objetivem melhorias nas unidades prisionais”, afirma o corregedor geral na apresentação do relatório.
No que diz respeito às cadeias públicas, que sãos os cárceres municipais para cumprimento de penas curtas, a situação é parecida em todos os 180 municípios. Tome-se o exemplo, aleatório, da Cadeia Pública de Flores de Goiás, um dos menores municípios goianos, situado na região nordeste. A unidade visitada pelos inspetores executa o regime fechado e custodia presos provisórios. O estabelecimento foi planejado para oferecer 34 vagas, quatro especialmente para mulheres.
Em Flores de Goiás não havia, no momento da inspeção, superlotação. Apenas 24 pessoas, sendo uma mulher, ali estavam encarcerados. Dois deles estavam segregados para sua própria segurança. Constatou-se que não há assistência material aos presos, o que é comum em todo o sistema. Eles recebem três refeições diárias. No entanto, não existe posto de saúde na unidade. Em caso de emergência, o preso é levá-los a alguma unidade da rede pública, sob escolta.
Mesmo este atendimento é precário, já que falta escolta, falta médico e falta remédio nas unidades próximas da rede pública. Não há defensor público para prestar assistência judiciária aos pobres. Não há atividade educacional. Não há local para culto religioso. Ninguém na unidade – presos ou funcionários – tinham lembrança da última vez que por lá passou um promotor público. Quanto ao estabelecimento em si, os inspetores avaliaram como “regular” a limpeza e “ruim” todo o resto. Quinze itens foram avaliados.
Muitro pior era a situação da Cadeia Pública de Santo Antônio do Descoberto, município que faz divisa com o Distrito Federal. Cadeia com capacidade para 64 presos, estava abrigando 132 detentos. Desses, 32 cumpriam pena em regime fechado e 100 aguardavam julgamento. As queixas eram as de sempre, exceto que naquela cidade os detentos recebem material de higiene. Logo após a chegada dos inspetores, uma varredura no presídio levou à apreensão de 4 facas, 6 telefones celulares, 3 chips e 6 gramas de maconha. As estruturas prediais em geral são regulares, algumas ruins, nenhuma boa.
O fato é que das 180 unidades inspecionadas nenhuma, segundo o relatório, atende aos requisitos mínimos fixados na lei de execução penal.
Goiânia
O relatório de inspetoria destaca as unidades prisionais da capital. Começa pela Casa de Prisão Provisória. Pelos dados ali contidos, supõe-se tratar daquela Casa de Prisão Provisória situada em Aparecida de Goiânia. Não há no texto referência a que cidade pertence a unidade inspecionada, falha que poderá ser suprida numa segunda edição do relatório. É um estabelecimento destinado a presos preventivamente, aguardando julgamento. Os inspetores relatam contratempos. Por duas vezes lá estiveram sem poder efetuar a inspeção. Não estava presente uma autoridade que pudesse acompanhá-los.
Com um quadro de 84 servidores, tem capacidade para abrigar 600 presos. No dia da inspeção, lá estavam 2.047 detentos, dos quais 140 mulheres. Os inspetores filmaram o que viram. As celas coletivas, dimensionadas para oito pessoas, abrigavam 18 presos. Existem dependências para atendimento médico e odontológico de pouca complexidade, psicológico e de assistência social, abertas de segunda a sexta pela manhã. Existem celas do tipo “maternidade”. Três mães com seus recém-nascidos as ocupavam. Em caso de urgência, o detento é levado, sob escolta, a uma unidade da Saúde Pública.
A inspetoria constatou mau acondicionamento dos alimentos, comida de má qualidade, quando não faltante e falta de atendimento médico. Tratamento desrespeitoso a visitantes. Os inspetores presenciaram a distribuição de comida. Eis o que relataram do que viram: “pudemos concluir que o mal estado de conservação das caixas, onde são colocadas as marmitas, e o mau acondicionamento fazem com que o alimento chegue impróprio para o consumo, o que é reclamação de toda a população carcerária”. Sobre a estrutura física, foram avaliados como regulares o prédio em si e o local de visitação. Todo o resto ganhou conceito “ruim”.
A penitenciária
Um complexo de estabelecimento situado no município de Aparecia de Goiânia, outrora chamado popularmente de “penitenciária’, era conhecido também pelo nome Cepaigo, sigla criada no governo de Mauro Borges. O complexo é formado por um presídio, a “Penitenciária Odenir Guimarães”, Pelo Centro de Triagem, pelo Núcleo de Custódia e pela Colônia Agroindustrial do Regime Semi-aberto.
O Centro Regional de Triagem é um estabelecimento destinado à “observação criminológica/remanejamento”. Por ser unidade de alta rotatividade, não há locais de trabalho para presos. Há superlotação e más condições de vida para os detentos. Mas as queixas frequentes referem-se à administração. Os presos reclamam de que há demora na transferência para outras unidades. Falta atendimento médico e odontológico. Falta medicamento. Ocorre acúmulo de presos provisórios oriundos de outros estados. Sentenciados são misturados a provisórios.
A Colônia, segundo os inspetores, também funciona precariamente. A capacidade é para 122 reeducandos. Por ocasião da visita, lá estavam 330 pessoas, mas já chegou a abrigar mais de 400. Existe posto médico, mas falta médico e remédio. Os presos não recebem material de higiene. Recebem assistência judiciária gratuita de um único defensor público. Não há local para culto religioso.
Estabelecimento destinado a dar oportunidade de trabalho ao preso, a Colônia, contudo, dispõe de apenas 87 vagas. “São apreendidos com frequência aparelhos de celulares e drogas de todos os tipos”, Afirmam os inspetores. Os inspetores ouviram do diretor do estabelecimento que alguns reeducandos pertencem a facções criminosas. Estão segregados em alas distintas.
Não há locais para visitação íntima. Os encontros amorosos dos presos com suas mulheres acontecem ali mesmo no pátio. “Com frequência ocorre de a mãe levar a criança para visitar o pai e a criança tem de ficar no pátio com outros reeducandos, durante a visita íntima de sua mãe, ou tem que presenciar as relações sexuais de seus pais, dentro do alojamento, por falta de local apropriado para elas ficarem”, informa o relatório.
As instalações físicas foram avaliadas, no geral, como ruins, destacando o relatório que há vazamento de torneiras, esgotos a céu aberto e muita gambiarra elétrica.
Já o núcleo de custódia é a prisão onde são mantidos os presos tidos como perigosos. É um presídio classificado como “de segurança máxima”. No dia da inspeção, o Núcleo destacou-se como exceção da regra: não havia superlotação. Pelo contrário. Com capacidade para 86 presos, ali estavam apenas 86. O Núcleo possui gabinete médico e dentário, bem como centro de vacinação. Por ocasião da inspeção, não existia médico nem dentista. Nem vacinas. No mais, o estabelecimento segue o padrão e carência das outras unidades prisionais inspecionadas em todo o Estado. Apesar disso, as instalações físicas receberam conceitos “bom” e “regular” para a maior parte dos itens examinados.
A penitenciária Odenir Guimarães é a parte mais visível do antigo Cepaigo. É um edifício muito antigo. Foi inaugurado em l962. Penitenciária designada para cumprimento de pena em regime fechado, foi projetada para abrigar 720 presos. Contava, por ocasião da visita dos inspetores, 1463 detentos, distribuídos em 10 celas individuais de 429 coletivas.
Dispõe, diz o relatório, de local para atendimento médico e odontológico. Faltam médicos e dentistas, porém. Uniformes são fornecidos apenas para quem trabalha internamente. Um advogado dos quadros da Emater presta assistência judiciária gratuita aos preços. A unidade oferece cursos profissionalizantes. Apesar da oferta de 500 vagas, apenas 50 presos estavam matriculados. O estabelecimento oferece 330 vagas de trabalho.
A avaliação das instalações físicas é, no geral, negativa, “ruim” em todos os quesitos. Foram filmados vazamentos e gambiarras por toda parte.