Os impostos serão aumentados
Redação DM
Publicado em 30 de março de 2017 às 03:16 | Atualizado há 5 mesesNos últimos dias, o ministro da Fazenda, o anapolino Henrique Meirelles, outro que estudou no Lyceu de Goiânia, tem dito, assim meio discretamente, que talvez fosse necessário aumentar impostos. Talvez. Ele espera sinceramente que isto não venha ser preciso. Afinal, seria a desmoralização total de um governo que se estabeleceu prometendo não elevar a carga tributária e alardeando que bastaria pôr cobro à “gastança irresponsável” dos governos petistas.
Mas, ao que parece, o governo federal fará aumento de impostos. Não por gosto, não por maldade, mas por premente necessidade legal. Sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, pelo descumprimentos de imperativos da Lei de Responsabilidade Fiscal, o presidente terá que autorizar os aumentos de impostos para poder fechar as contas federais. Contas que já vem com déficit contratado, pré-fixado em lei em 139 bilhões de Reais.
Apenas cortar gastos não vai adiantar. Meirelles anunciou, na semana passada, que, nesta semana, anunciará cortes orçamentários, ou “contingenciamentos de despesas”. Ontem o site do Ministério da Fazenda publicou, num cantinho discreto, uma nota técnica em que demonstra, com números, que apenas 10% das despesas discricionárias poderão ser cortadas. E demonstra que isto é insuficiente para cumprir as metas fiscais fixadas na última lei de diretrizes orçamentárias. Se não aumentar os impostos, as contas não vão fechar.
O paper em questão foi elaborado por Alexandre Fineas Lima e Sousa, Giovanni Silva Beviláqua e Guilherme Ceccato. São técnicos que representam, cada um dos seguintes departamentos do Ministério da Fazenda: Secretário Executivo: Eduardo Refinetti Guardia; Secretário de Acompanhamento Econômico: Mansueto Facundo de Almeida Junior; Subsecretário de Governança Fiscal e Regulamentação de Loteria: Alexandre Manoel Angelo da Silva; Coordenador-geral de monitoramento da Política Fiscal: Bruno Fabrício Ferreira da Rocha.
O descalabro orçamentário resultou de duas falhas técnicas, ou de previsões erradas. O governo, na elaboração do Orçamento para 2017, partiu de um PIB negativo de 3,4%,previsto para 2016 . O PIB ficou em mais de 6% negativo. Esta primeira falha determinou a segunda: uma estimativa de receita, sem aumento de impostos, que já está aquém das despesas fixadas.
As receitas caíram dramaticamente porque a economia está em recessão. Aliás, em depressão. O consumo caiu a níveis inéditos, que puxam a inflação para baixo mas frustra a arrecadação tributária. Por outro lado, o governo tem que cumprir suas metas fiscais, ou seja, garantir que uma parte da arrecadação seja destinada ao pagamento da dívida pública.
O pagamento da dívida, contudo, é uma despesa que de modo algum pode ser contingenciada. O pagamento da dívida é sagrado. Os banqueiros, seus credores, tem primazia do recebimento. Não pagá-los é injusto, pecaminoso, impatriótico. Que se cortem verbas para educação e saúde, que os pobres morram nas filas, mas que a pouca farinha engrosse primeiro o pirão dos banqueiros. Que se aumentem, pois, os impostos.
O quadro da derrama
A despesa primária do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) aprovada na Lei Orçamentária Anual para este ano é de R$ 1,3 trilhão, fora transferência. Os orçamentistas previram um índice irrisório de inflação quando da elaboração do orçamento. O crescimento da despesa primária este deveria ficar em 19,8% do PIB. Embora o documento não diz de que PIB se trata, supõe-se que o ano de referência é 2016. O governo federal projetava um PIB negativo de 3,6% ao ano. Mas ficou em 6,8%. Diante disso, os orçamentistas puseram as barbas de molho.
A recessão foi acima do que esperavam os analistas brasileiros. A mediana de crescimento do PIB para 2017 era de 1,4% na época da elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2017 e, atualmente, essa expectativa de crescimento foi reduzida para 0,47%.
A expectativa do Ministério da Fazenda foi revisada para 0,5%, muito próximo à mediana do mercado. Com a revisão do crescimento, a Secretaria da Receita Federal teve que rever o crescimento projetado da receita do governo central. Na LOA 2017, a receita líquida de transferências do governo central programada para este ano era de R$ 1,19 trilhão, equivalente a um crescimento nominal de R$ 99 bilhões (9,1%) em relação à receita realizada de 2016.
No entanto, pondera o documento, com a redução do crescimento do PIB e a revisão da arrecadação prevista de concessões e privatizações, o primeiro relatório bimestral reduziu a receita líquida do governo central em R$ 54,7 bilhões. Dado que a despesa projetada também teve um crescimento de R$ 3,4 bilhões, decorrente, sobretudo, do incremento nos Benefícios de Prestação Continuada LOAS/RMV, Créditos Extraordinários e Subsídios/Subvenções, o orçamento de 2017 ficou com uma deficiência de R$ 58,2 bilhões para o governo cumprir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões.
Pela Lei de Responsabilidade Fiscal o governo fica obrigado a adotar providências do lado da receita e da despesa, caso seja identificada frustração de receita e/ou aumento na despesa programada em relação aos valores da LOA. A meta fiscal, previamente estabelecida, tem que cumprida, faça chuva ou faça sol.
“Em uma situação como essa de deficiência de recursos para cumprir a meta do primário, o ideal é que o governo promova cortes na despesa do orçamento aprovado”, afirma o documento. O problema é que, apesar de a despesa primária aprovada para 2017 ser de R$ 1.326 bilhões, o montante total passível de contingenciamento é de R$ 132,8 bilhões, sendo que, desse total, 4 R$ 36,7 bilhões são despesas do PAC.
Mesmo que toda a despesa do PAC fosse cortada, este contingenciamento não seria suficiente para compensar a deficiência de R$ 58,2 bilhões do orçamento deste ano. Não seria possível contingenciar todo o PAC porque parte das obras já estão em andamento,
Não há onde cortar
A despesa contingenciável é apenas a chamada “despesa discricionária”. As despesas obrigatórias (pagamento de pessoal ativo e inativo, despesas previdenciárias, entre outras) não são passíveis de corte. Despesas discricionárias também não são totalmente contingenciáveis, pois mais da metade delas é executada com as funções saúde e educação, que estão sujeitas ao mínimo constitucional. Em alguns casos, como o ocorrido no início de 2016, um contingenciamento muito grande não é possível, sob pena de levar a atrasos de pagamentos e afetar a qualidade dos serviços públicos.
“Infelizmente”, lamentam os técnicos da Fazenda, “o Brasil ainda tem, segundo o Banco Mundial, um dos orçamentos mais rígidos do mundo e, assim, uma redução rápida da despesa primária por decisão unilateral do Poder Executivo por meio de um contingenciamento de R$ 58,2 bilhões é impossível.
Na sequência, é feita uma análise pormenorizada daquela parte do orçamento que pode, em princípio, ser contingenciada. Por toda parte que se ande, depara-se com verbas que não poderam ser cortadas. Para piorar o que já está ruim, Emenda Constitucional nº 86/2015 obrigou que as despesas discricionárias decorrentes de Emenda Individual dos parlamentares sejam executadas no limite de 1,2% da Receita Corrente Líquida , destacando-se que a obrigatoriedade de execução de emendas é condicionada pela RCL efetivamente realizada em 2016. Adicionalmente, a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, foram estabelecidas obrigatoriedades para a execução também das Emendas de Bancada, o que limitou ainda mais o já reduzido espaço para cortes da despesa.
Virou moda, nos meios econômicos brasileiros, falar das “jabuticabas econômicas”. Como todos sabem, jabuticaba é uma fruta que existe somente no Brasil, sem exceção. Essas emendas individuais parlamentares e emendas de bancadas são genuínas jabuticabas brasileiras. São parlamentares criando despesas para o Executivo, numa inversão total do sistema de freios e contrapesos em que se baseia a democracia representativa.
Cabe ao executivo estimar receitas, arrecadá-las e fixar as despesas, que serão por ele executadas. Cabe ao Legislativo aprová-las. Na medida em que os parlamentares criam novas despesas, sem ter informação de onde sairão as receitas que vão cobri-las, estão na prática distorcendo o orçamento, desnaturando o programa de governo eleito, introduzindo fatores de desequilíbrio. Mas a jabuticaba foi plantada para atender à demanda fisiológica dos parlamentares, de todos os partidos, e dar a eles meios clientelísticos para atender seus currais eleitorais.
No orçamento de 2017, as bancadas estaduais, representadas no Congresso Nacional, puderam apresentar emendas impositivas no valor de R$ 225 milhões por Estado, que corresponderam a 0,8% da RCL (art. 72, § 1º da LDO 2017). Destas, 0,6% da RCL é de execução obrigatória, enquanto 0,2% da RCL depende de condições estabelecidas na LDO. “Assim”, conclui o documento, “se excluirmos das despesas discricionárias, as emendas individuais e as de bancadas de execução obrigatória, o conjunto de despesas passíveis de contingenciamento se reduz para R$ 132,8 bilhões. Em outras palavras, apenas 10% da despesa primária aprovada na LOA 2017 pode ser contingenciada.”
Portanto, caso fosse praticado um corte do tamanho da insuficiência orçamentária existente para o cumprimento da meta fiscal estabelecida na LDO, ou seja, se fossem cortadas R$ 58,2 bilhões de despesas, seriam eliminadas 44% de todas as despesas discricionárias do governo central. Na prática, esse montante significaria a impossibilidade de o governo federal terminar o ano fiscal de 2017 sem comprometer despesas importantes nas áreas de saúde e educação.
É fato que a carga tributária, no Brasil é elevada. Está muito acima da média da América Latina. Sem contabilizar a receita de repatriação de 2016, que foi uma receita não recorrente, de 2011 a 2016 o governo federal perdeu 1,9 ponto de percentagem do PIB de arrecadação, fruto de desonerações, expansão de regimes especiais de tributação e efeito da recessão na arrecadação.
Mais impostos
O esforço da administração atual é promover um ajuste fiscal pelo lado da despesa com reformas estruturais, como foi a Emenda Constitucional nº 95/2016, a chamada emenda constitucional do teto do gasto, e agora com a reforma da Previdência. Essas duas reformas, na opinião dos atuais governantes, farão com que, ao longo dos próximos anos, a despesa primária seja decrescente em relação ao PIB, embora nunca se diga de que PIB se trata. Nos documentos oficiais o PIB é sempre tratado como um ente transcendental, dado a priori pela Razão Pura, e inafastavelmente absoluto.
No esquema do Novo Regime Fiscal, os aumentos de arrecadação, provenientes da recuperação da economia, não serão repassados, automaticamente, para novas despesas. Contudo, além do controle da despesa, o governo federal está submetido também a metas de resultado primário.
O documento é taxativo: “Não há como cumprir essa meta este ano apenas pelo corte de despesas discricionárias, consoante mostrado ao longo desta nota. Como já destacado, 90% da despesa primária aprovada neste ano não é passível de corte. Assim, o cumprimento da meta de déficit primário de R$ 139 bilhões este ano exigirá medidas de aumento da receita”. Vale salientar que, mesmo com algum aumento de tributos, a arrecadação líquida de transferências constitucionais do governo federal continuará inferior à média dos últimos três anos (17,5% do PIB) e muito inferior ao valor de 2011, quando essa arrecadação alcançou 18,9% do PIB.
Que “medidas de aumento de receitas” são essas? A NOTA Técnica para por aí. Agora a questão é política. O que os técnicos da fazenda afirmam é que, apenas cortando aquilo que pode ser cortado, não será possível fechar as contas públicas de 2017. Por outro lado, qualquer um sabe que só existe um meio de aumentar receitas ordinárias: aumentando as alíquotas dos impostos existentes, criando novos tributos. Em suma, aumentando a carga tributária, mais aumentos de impostos virão por aí.