PGR usa Goiás como exemplo para federalização de crimes
Redação DM
Publicado em 23 de abril de 2015 às 02:42 | Atualizado há 6 mesesAGÊNCIA BRASIL
Não é apenas Goiás que apresenta casos de delitos que necessitam de federalização. Vários outros estão em curso no resto do País. Pelo menos 49 pedidos de federalização de crimes envolvendo graves violações aos direitos humanos aguardam parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília.
No STJ, um pedido de federalização, relativo a crimes ocorridos em Goiás, apresentado em maio de 2013, ainda não foi julgado. Mas demonstra que o instrumento para um julgamento justo pode ser mesmo a federalização.
Outros de Goiás já passaram pelo crivo dos ministros e da Procuradoria-geral. A corte de justiça determinou que dois inquéritos e uma ação penal que tratam de casos de desaparecimentos forçados e tortura em Goiás sejam federalizados.
Cabe à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal os inquéritos que apuram, por exemplo, o desaparecimento de Célio Roberto.
Em Goiás, os pedidos de federalização começaram em 2008, quando o então deputado Mauro Rubem (PT), na época presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembleia Legislativa de Goiás, enviou para a PGR os pedidos. Na época, ele acusava o descaso das forças de segurança de Goiás para investigar e apurar uma série de crimes ocorridos no Estado.
Vários casos foram levados até Brasília, como o crime de tortura contra Michel Rodrigues da Silva, em junho de 2010, e o desaparecimento de Pedro Nunes da Silva e Cleiton Rodrigues, em março de 2006.
A mais antiga das petições está há quase nove anos à espera de que o procurador-geral da República – chefe do Ministério Público da União (MPU) e do Ministério Público Federal (MPF) – decida se deve propor ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a transferência do processo da Justiça estadual para a federal a fim de evitar que, por falta de interesse, condições ou competência das autoridades locais, o crime acabe não sendo esclarecido e os responsáveis fiquem impunes.
OMISSÃO
O número de pedidos de deslocamento de competência à espera de encaminhamento é 12 vezes maior que o total de casos (quatro) deslocados de varas estaduais para a Justiça Federal desde 2004, quando o chamado Incidente de Deslocamento de Competência foi incluído na Constituição Federal. O propósito é garantir que graves crimes contra os direitos humanos sejam julgados antes que o Estado brasileiro possa ser acusado de omissão ou inércia nas cortes internacionais.
As petições são feitas à PGR por entidades de defesa dos direitos humanos e organizações sociais que reclamam da demora na solução dos crimes e na punição aos envolvidos – em geral, devido ao envolvimento de agentes do Estado ou de pessoas com grande poder e influência. Entre casos como esses está o do produtor rural Adilson Prestes, o Piá, morto a tiros em julho de 2004, na cidade de Novo Progresso (PA), dias após denunciar ao MPF a ligação de pecuaristas, madeireiros, políticos, advogados e policiais com crimes como grilagem de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento. Outro pedido trata das investigações de parte dos casos do episódio que ficou conhecido como Crimes de Maio de 2006, quando 493 civis foram mortos em São Paulo.
Procuradoria afirma que mudança de competência depende de critérios
Embora 20 dos 49 pedidos tenham sido apresentados à PGR antes de 2013, o coordenador da equipe de assessoria jurídica responsável por analisar os pedidos de federalização, o procurador Ubiratan Cazetta, garante que a análise não está parada. “Estão todos em instrução. Tanto que esse número já foi maior”, disse ele à Agência Brasil. O procurador diz que 23 pedidos foram arquivados entre o fim de 2014 e o começo de 2015 por não atenderem aos requisitos legais.
Segundo o procurador, a demora ocorreu, em parte, por causa das dúvidas iniciais sobre a aplicação prática do deslocamento de competência. “Por falta de clareza sobre como conduzir os pedidos, eles ficaram parados durante um período. Os critérios constitucionais para decretar a federalização são muito abertos [vagos] e precisam ser regulamentados. Por exemplo, se levarmos em conta apenas a demora na conclusão do inquérito policial ou do julgamento processual, vamos concluir que grande parte das ações penais teria que ser deslocada para a esfera federal.”
De acordo com Ubiratan Cazetta, há elementos suficientes para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedir ao STJ o deslocamento de pelo menos cinco dos 49 pedidos. “São casos analisados minuciosamente, que preenchem os requisitos necessários à transferência da competência e que podem vir a se transformar em pedidos de deslocamento muito em breve”, disse o procurador, evitando antecipar quais são os cinco casos. De acordo com ele, a mera proposição de federalização muitas vezes leva as autoridades estaduais a adotar providências que acelerem as investigações e o julgamento.
Já a coordenadora da organização não governamental Justiça Global, Sandra Carvalho, defende a necessidade de maior celeridade no julgamento das questões “tanto da PGR, ao analisar as petições das organizações sociais, quanto do STJ, para julgar os pedidos protocolados pelo procurador-geral”.
A Justiça Global é autora, com outras entidades, de ao menos dois pedidos de federalização, entre eles, o do caso do advogado Manoel Mattos, morto a tiros em janeiro de 2009, em Pitimbu (PB). Mattos denunciava a ação de um grupo de extermínio que atuava na divisa de Pernambuco com a Paraíba e ao qual são atribuídos mais de 200 homicídios. Primeiro caso federalizado no Brasil, o julgamento dos cinco acusados de matar o advogado aconteceu na semana passada, em Recife (PE). A Justiça Federal condenou dois dos réus – entre eles, o sargento reformado da Polícia Militar Flávio Inácio Pereira – e inocentou três.
Se para Sandra, “a maior agilidade é importante para garantir que as investigações ocorram em um tempo razoável, evitando que as provas se percam”, para o procurador da República em Pernambuco, Alfredo Falcão, os processos já federalizados avançaram no tempo necessário ao cumprimento de todas as exigências legais. O procurador alerta que o deslocamento de competência empregado sem os devidos cuidados pode ferir o pacto federativo.
“A federalização não pode ser encarada como um apanágio para todas as questões. Há problemas estruturais, políticos e sociais, bem mais amplos. Além disso, há casos complexos que dependem da coleta de provas e da investigação minuciosa e, por isso, demoram a ser julgados. Embora não atendam ao tempo que a sociedade considera adequado, não necessariamente significa que as autoridades estaduais não estejam empenhadas em esclarecer o caso”, declarou o procurador, para quem, o mais importante é que o Estado brasileiro, sobretudo as autoridades locais, garantam às autoridades policiais e judiciárias estaduais condições de trabalhar sem sofrer pressões políticas ou econômicas.