Cotidiano

Quadra 88: “Mas essa gente aí, hein, como é que faz?”

Redação DM

Publicado em 24 de setembro de 2015 às 19:41 | Atualizado há 10 anos

Adoniran Barbosa, um dos maiores sambistas de todos os tempos, escreveu em uma de suas músicas: “quando o oficial de justiça chegou lá na favela, e contra seu desejo, entregou pra seu Narciso, um aviso, uma ordem de despejo. Assinada ‘seu doutor’. Assim dizia a petição: dentro de 10 dias quero a favela vazia e os barracos todos no chão. É uma ordem superior”.

O sambista estava cantando a realidade de milhares de brasileiros que lutam pelo direito básico à moradia. Uma luta contra especuladores imobiliários, latifundiários e senhores meritocratas que se julgam donos do mundo. Adoniran estava também cantando a história dos moradores da Quadra 88, no Setor Leste Universitário.

53 famílias receberam há alguns dias uma ordem de despejo do Tribunal Regional Federal (TRF) dando o prazo de 60 dias para abandonarem suas casas, sem indenização. O TRF entende que o terreno pertence à Universidade Federal de Goiás (UFG) e não aos moradores que estão ali desde 1934.

Entenda o caso

Na fundação de Goiânia, muitos trabalhadores ocuparam os bairros em torno do Centro. Bairros que hoje são tradicionais e valorizados como Vila Nova e Universitário, antigamente eram apenas a periferia de um embrião que é a capital goiana. Pedro Ludovico Teixeira, prefeito da época cedeu o terreno aos operários.

Em uma época de pouca formalidade jurídica, os moradores construíram seus lares até que em 1961, a União doou o terreno para a UFG. Entretanto a Federal nunca requisitou o terreno, que na época não tinha valor imobiliário satisfatório. Ao lado do Córrego Botafogo, em meio ao mato e entre pinguelas, o espaço foi se valorizando e modificando com o tempo.

Com o crescimento da cidade e a valorização da região, em 1993 a UFG reclamou na justiça o direito ao espaço. 32 anos depois de receber o terreno e notar o valor imobiliário atualizado, a Universidade Federal resolveu desocupar as famílias da Quadra 88.

Decisão da Justiça

Após anos de imbróglio, sucessivas trocas de reitores e inúmeras discussões, a justiça decidiu por fim dar um prazo de 60 dias para a desocupação da Quadra 88. Este prazo esta sendo contado desde o dia 9 de setembro. Se persistirem além do estipulado, cada família terá de pagar uma indenização de R$ 1.000 por dia. Atualmente o espaço corresponde a 53 casas e parte da área III da PUC.

Além de tudo, ninguém será indenizado. Apesar de morarem por décadas no local, a lei de usucapião não vale para terrenos públicos.

Posicionamento da UFG

O Diário da Manhã conversou com o vice-reitor, Manoel Rodrigues Chaves, sobre o impasse. Manoel não soube explicar porque somente em 1993 o reitor da época foi reclamar na justiça o território da Quadra 88, mas explica que a partir do momento que a administração toma conhecimento, é obrigação da reitoria requisitar o espaço. Caso isso não ocorra o reitor pode sofrer um processo por improbidade administrativa.

O caso da Quadra 88 gerou uma comoção pública. O vice-reitor Manoel explica que a única coisa que pode ser feita é a UFG receber de forma oficial uma proposta de permuta de terrenos que compense o espaço do Setor Universitário. Atualmente, não existe nenhuma demanda específica no local, não existe um projeto oficial, pois é necessário a oficialização da área para a UFG. Entretanto também não há um projeto extraoficial.

Manoel explica que se o governo do estado ou a prefeitura oferecerem um espaço que tenha valor financeiro ou logístico para a UFG, a troca pode ser realizada. Pode ser espaço urbano ou rural, já que a UFG tem interesse de em estudos agrários. Porém quem irá avaliar a equivalência da proposta são agentes externos à universidade, como a Advocacia Geral da União (AGU).

O que não pode ser feito em hipótese alguma é a doação por parte da reitoria, pois existem leis que impedem a transferência, venda ou comercialização de bem público para o privado. Manoel diz que “a universidade sequer tem o poder de parar um processo como esse”.

Quanto à falta da indenização para os moradores da Quadra 88, isso é uma decisão da justiça. A lei de usucapião não é válida para área pública, por isso não existe obrigação de indenização. O vice-reitor ainda afirma: “é óbvio que a gente chega em um desfecho final indesejável para todo mundo. Se houvesse uma área condizente com o interesse da universidade no ensino, na pesquisa ou na extensão que possa ser minimamente avaliado, é um dado concreto, eu acredito que a gente possa ter uma solução”.

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