Cotidiano

Salvem as baleias!

Diário da Manhã

Publicado em 14 de setembro de 2016 às 02:15 | Atualizado há 4 meses

Um grupo de países, encabeçados por Brasil, Argentina e Uruguai, lançaram em agosto, no Rio de Janeiro, uma campanha pela criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul. A proposta do Santuário é estimular a pesquisa não letal e não extrativa coordenada no Atlântico Sul. A proposta quer sensibilizar a comunidade internacional para aprovar uma área de conservação dos animais que habitam o oceano Atlântico.

De acordo com a campanha, os pesquisadores reconheceram o potencial do santuário em incentivar a colaboração de ações de conservação, pesquisa científica e monitoramento. Ugo Vercillo, diretor do Departamento de Espécies do Ministério do Meio Ambiente, lembra que, para ser aprovada, a proposta depende de ¾ dos votos favoráveis dos membros da comissão. Na última reunião da CIB (os encontros são bienais), faltaram somente quatro.

“As derrotas ocorreram por uma minoria que consegue se beneficiar dessas regras”, afirma ele, em entrevista ao Estadão. “Na última reunião houve questionamento sobre a validade científica dessa proposta, se a existência de um santuário realmente serviria para conservar as baleias. Agora levamos também um plano de manejo para essa área e o comitê científico validou a proposta como sólida. Pelo menos com isso ninguém vai poder tentar invalidá-la como cientificamente falha”, argumenta ele.

Desde 2001 que Brasil, Argentina e Uruguai conjuntamente apresentam propostas na Comissão Internacional Baleeira (CIB) para delimitar uma área que compreende toda a porção do oceano entre o litoral da América do Sul e o africano para a proteção às baleias que passam por ali, mas ano após ano a proposta foi derrotada por países interessados na retomada da liberação da pesca do animal.

Além dos três proponentes iniciais, a criação do santuário também é defendida por governos de 12 países africanos e caribenhos e por aliados tradicionais na conservação das baleias, como Austrália, Reino Unido e México. Noruega e Japão encabeçam o grupo contrário, já que as duas nações defendem a caça de baleias. A atividade está sob moratória, mas há sempre uma tentativa de prorrogá-la e um santuário iria contra isso.

O ambientalista José Truda Palazzo, que acompanha a negociação desde 2001, avalia que o posicionamento do comitê científico fortalece a proposta e pode talvez ajudar que ela consiga os votos que faltam, mas defende que isso não está garantido. Ele acredita que é preciso trabalhar com países como Rússia e Coreia do Sul, que são parceiros comerciais do Brasil e votaram não anteriormente, mas sem razões claras para isso.

A CIB tem mais de 80 membros, mas nem sempre todos comparecem para votar. “Na última reunião, Portugal não foi e era a favor. A Índia também. Tem de trabalhar para que eles compareçam”, afirma o ambientalista, também em entrevista ao Estadão. Truda afirma que é importante mostrar o valor do uso não letal das espécies. “A baleia preservada dá dinheiro com turismo, observação. Tem importância para gerar emprego e renda. É isso que precisamos convencer”, argumenta ele.

O engajamento da sociedade ocorrerá por meio das redes sociais, com a hashtag #SantuarioEuApoio e de um grande abaixo-assinado. O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, destacou que a campanha tem a intenção de captar votos de países ainda indecisos em relação à criação do Santuário, que será decidida pela comunidade internacional em outubro. “Temos vários aliados e queremos que a sensibilidade em todo o mundo defenda as baleias”, declarou o ministro.

Por que a caça à baleia ainda é permitida?

Melissa Hogenboom,da BBC Earth

O grupo ativista-hacker Anonymous derrubou diversos sites do governo da Islândia em protesto contra a caça de baleias no país. “As baleias não têm voz. Seremos a voz delas. É hora de falar sobre essa iminente extinção de uma espécie. É hora de deixar a Islândia saber que não vamos ficar assistindo enquanto eles levam esse animal à extinção”, disse o Anonymous.

A Islândia não é o único país que ainda pratica a caça de baleias: a Noruega e o Japão também fazem isso, assim como algumas comunidades menores. Isso muitas vezes choca e aterroriza pessoas de outros lugares do mundo. Mas, se tanta gente se opõe, por que esses países ainda caçam baleias?

Em 1986, em resposta à redução da população de baleias e ao crescente repúdio pela prática, a Comissão Internacional de Baleias (International Whaling Commission, ou IWC) determinou uma moratória global na caça comercial dos animais. A Islândia assinou a moratória, mas “com reservas”. Isso significa que não é ilegal que a Islândia continue caçando baleias, desde que cumpra determinadas regras.

O país caça duas espécies: a baleia-minke, ou baleia-anã, e a baleia-comum, ou baleia-fin. Em 2015, pescadores islandeses receberam autorização para caçar 154 baleias-comuns e 229 baleias-anãs, uma cota estabelecida pelo Ministério da Pesca e Agricultura do país.

Justificativas

A caça à baleia é muito visível para quem visita o país. Em 2015, fui gravar na Islândia e, em um restaurante, percebi como era grande a oferta de carne de baleia. O islandês que acompanhava a equipe da BBC na viagem deu duas justificativas. Primeiro, havia muitas baleias no oceano e elas comiam todos os peixes. Segundo, islandeses não costumam comer carne de baleia: são os turistas que o fazem.

O primeiro argumento é questionável. “Ao contrário do que o senso comum acredita, as baleias não comem peixes no mar perto da Islândia”, diz a organização Conservação da Baleia dos Golfinhos, citando um relatório de 2004. Na verdade, as duas espécies de baleia caçadas na região têm dietas variadas, que incluem plâncton, frutos do mar e pequenos peixes, de acordo com a agência responsável pelo tema nos EUA, a National Marine Fisheries Service da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica.

Mas o segundo argumento dele é verdadeiro. De acordo com o WDC, apenas 1,7% dos islandeses comem carne de baleia. A população da Islândia é pequena, o que significa que essa porcentagem equivale a apenas 5,6 mil pessoas. Por outro lado, de 35% a 40% dos turistas que visitam a Islândia comem carne de baleia – número que está caindo, segundo o International Fund for Animal Welfare (Fundo Internacional pelo Bem-Estar dos Animais).

Mas essa conta ainda deixa muita carne de baleia sobrando. O que acontece é que quase nada da carne de baleia pescada na Islândia é consumida no local. Ela é exportada para o Japão, onde a demanda é maior.

O Ministério da Pesca da Islândia diz que a caça à baleia é uma prática “sustentável e legal e que respeita as regras do IWC”. Eles dizem que há abundância de baleias-comuns e que a Islândia é uma “defensora da cooperação internacional para garantir o uso sustentável de recursos marinhos vivos”.

Ameaçadas?

Dados sobre populações de baleia sugerem que o ministério está correto. Baleias-anãs são encontradas em todos os oceanos. A União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) lista-as como “pouco preocupantes”, o que significa que não estão em perigo imediato de extinção.

O órgão estima que haja 100 mil baleias-anãs na natureza, então seria possível continuar com a caça sem ameaçar a espécie. As baleias-comuns, no entanto, são espécies ameaçadas, e, segundo o IUCN, o principal motivo disso foi a caça comercial à baleia nos séculos 19 e 20.

Mas, mesmo nesse caso, não está claro se a pesca praticada na Islândia é um problema. Quando o IUCN examina se uma espécie está ameaçada, ele considera o conjunto da população global de animais. Mas, dentro de cada espécie, há alguns grupos locais que estão sob forte ameaça e outros que estão muito saudáveis e não correm riscos.

A população de baleias-comuns do Atlântico Norte é considerada saudável. São as populações em outros locais que são consideradas baixas e levaram a espécie a ser classificada como ameaçada.

Sustentabilidade

Por isso, caçar baleias-comuns na Islândia não é uma ameaça, diz Geneviève Desportes, do North Atlantic Marine Mammal Commission. “Não tem consequências, é sustentável em longo prazo. A pesca da baleia é uma tradição antiga na Islândia e traz renda a comunidades pequenas”, diz Desportes. “Nossa organização acredita que recursos marinhos podem ser usados se isso for feito de forma sustentável e responsável”.

Mas um estudo de 2008 questionou a sustentabilidade das práticas da Islândia. Um grupo de pesquisadores disse que houve “diminuição significativa” no número de baleias-anãs perto da costa desde sua última pesquisa.

Mas é difícil ter uma estimativa precisa do número de baleias. “São criaturas que passam 80% do tempo na água, então ter um número preciso leva tempo e é caro”, diz Wilson. Independentemente disso, a Islândia e outros países que praticam caça à baleia dizem que a prática pode ser sustentável, pelo menos para algumas populações. “A única razão para não permitir isso seria assistência, motivos emocionais ou culturais”, diz Wilson.

Japão

Isso pode incluir uma relutância em causar sofrimento às baleias – não se sabe se é possível matar um animal grande em mar aberto de forma humana – ou a reprovação de matar-se um animal inteligente como a baleia. “Na cultura deles, essas questões não existem. Para eles, não há motivo para não pescar baleias”, diz ela.

O governo do Japão também tem uma posição de apoio à caça da baleia. O país argumenta que faz isso para pesquisa científica, o que é permitido pelo IWC. Há algumas semanas, um navio japonês partiu para a Antártica. Seu objetivo declarado é caçar 333 baleias-anãs para descobrir quantas estão vivendo perto dali.

Mas o programa científico de caça de baleias japonês foi amplamente criticado sob o argumento de que quase não produz pesquisa. A maior parte da carne de baleia acaba em restaurantes. Além disso, um relatório de 2013 concluiu que a indústria sequer é lucrativa e tinha que ser subsidiada pelo governo japonês.


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