Cotidiano

Suíte dos pecadores

Diário da Manhã

Publicado em 14 de setembro de 2021 às 13:44 | Atualizado há 4 meses


Fred Le Blue: músico extraiu boa música da cultura caiçara – Foto: Divulgação

VIAGEM

“Após minha viagem à Paraty, viria a compor “a canoa de um só tronco” deste épico “dharmático”-musical, dividido em 5 atos, um prólogo e um epílogo”, afirma. O “Ato I: Interação Face-to-Facebook”, “Ato II: “Saudade do Analógico” e “Ato III: “Música na garrafa”, este composto de três partes justapostas, com a primeira inspirada na musicalidade praia de “Suíte”, de Dorival Caymmi, foram todos embrionados na viagem ao município fluminense. Reflexões sobre o uso das mídias digitais levou Le Blue a perceber os sinais da “dessacralização das relações sociais”.

Foi o impacto dessas transformações sociotécnicas, como prova estudos sobre o advento da televisão nessas vilas, pesquisas que o músico cita no material de divulgação de “Suíte dos Pecadores”, poderiam ser melhores mensurados nessas comunidades caiçaras: “elas, as comunidades, têm na solidariedade social, na música nativa e na história oral os fios de suas “redes sociais” folkcomunicativas.”

É aí que esse universo musical encontra o cancioneiro Caymmi, cuja criação estética e poética, sobre o cotidiano expresso em vilas litorâneas, se tornou alguns dos versos mais conhecidos da música brasileira. A proximidade do compositor nascido em Lagoa do Abaetê, na cidade de Salvador, capital da Bahia, era permanente. Tanto que o artista escolheu Paraty, onde morou juntamente com a família, e de lá extraiu as maiores preciosidades de sua obra: ninguém cantou o mar como ele, como é possível sacar em “É Doce Morrer no Mar” ou até mesmo na própria “Suíte dos Pescadores”.

Sobre os instrumentos sonoros criados por arte-reciclagem, Fred Le Blue apontou de forma metalinguística os caminhos para reaproveitar resíduos sólidos, direcionando-os à música. A referência foi a vida e obra do suíço Walter Smetak, músico que chegou a lecionar na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tinha a improvisação instrumental como transcendental.

Essa escolha, inclusive, aparece por meio de instrumentos percussivos de sucata (latas e canos) e composições coletivas de grupos e melodias incidentais cíclicas contrapontuais ou canônicas típicas do gênero DUB, explica Le Blue. Definitivamente, nessa suíte pós-caymmiana e smetakiana, com sagrados pecadores, pescadores e seresteiros, bons ventos nos levam a velejar pelos mares da mente. Com boa música brasileira, fica mais fácil. Muito mais, com certeza.



‘Suíte dos Pecadores’
Artista: Fred Le Blue
Gênero: Música Brasileira
Disponível em soundcloud.com



Ele se foi afogar e fez sua cama no colo de iemanjá. Ímpar, par e terra, como se vida fosse um lugar para passear depois de um bar à meia-luz, o cantor Dorival Caymmi saiu de cena em 16 de agosto de 2008, dia em que o jornal baiano “A Tarde” estampou em sua capa o título “Adeus ao Buda Nêgo”. A frase fazia referência ao cantor Gilberto Gil, numa das sequências de versos que melhor traduziram o espírito de Caymmi, cancioneiro por excelência da brasilidade e nossas noites. “Como príncipe, principiou/ a nova idade de ouro da canção/ mas um dia Xangô/ deu-lhe a iluminação”, diz Gil.

Dorival, de fato, é uma jangada que caminha em direção ao mar. Com produção assinada por Fred Le Blue e Ricardo Darin, o disco “Suíte dos Pecadores” – releitura do clássico “Suíte do Pescador”, canção de autoria do mestre baiano – tece uma sutil crítica à vulgarização poética e sonora da música brasileira contemporânea, em que o tecnobrega, com suas letras erotizadas e onomatopéias tão bem sacadas quanto o tche-tche-rere-tche-tche, dominam as paradas de sucesso: a partir desses gêneros, parecemos não mais mergulhar sobre as águas de amores sombreados por coqueiros.

Vale ressaltar, antes de mais nada, que o dedilhado do violão é uma espécie de relógio suiço com acarajé baiano, numa paráfrase que, ao fazer referência a Dorival, virou um manifesto fotomusical a favor do reencantamento do mundo pela arte. Para sacar a estrutura harmônica de “Suíte dos Pecadores”, bem como o brinde ao amor, à natureza, à memória e à música que habita em nós, é preciso escutá-lo com bons fones enfiados no ouvido. Sem perder de vista o aconchego sonoro, Le Blue aponta para o drama psicossocial da modernidade nos brasis mais recônditos.

“Reproduzindo esse movimento de aproximação com a cultura caiçara, eu, que já conhecia Salvador, até por possuir relações familiares, resolvi, sem ouvir o chamado do mar, me mudar para o bravio Rio em busca de novos horizontes”, relata o artista. Em 2007, deparou-se com um postal de Paraty que lhe despertou um fascínio pela cidade fluminense. “A multiplicidade enigmática do município de ambiência litorânea, colonial, interiorana e esotérica, me fez, como Chico Buarque, compor a canção “Para Ty” (Ato IV ), como maneira de teletransportar minha alma para mares mais bucólicos.”

Em Paraty, percebeu que a modernidade traz consequências deletérias às diversidades antropológica, biológica e ecológica. “Os povos costeiros, parte desse ecossistema atlântico florestal e mariFred Le Blue: músico extraiu boa música da cultura caiçara – Foto: Divulgação nho, também ameaçados de extinção por agentes econômicos, quase sempre vivem por meio de uma cultura sustentável, sendo aliados da natureza para retardar o avanço da mancha urbana imobiliária especulativa em áreas de reservas ambientais”, denuncia Le Blue, que é articulista deste Diário da Manhã e autor da ópera- -rock “Lua&Ana” sobre o Vale da Lua, na Chapada dos Veadeiros.



Fred Le Blue: músico extraiu boa música da cultura caiçara – Foto: Divulgação

VIAGEM

“Após minha viagem à Paraty, viria a compor “a canoa de um só tronco” deste épico “dharmático”-musical, dividido em 5 atos, um prólogo e um epílogo”, afirma. O “Ato I: Interação Face-to-Facebook”, “Ato II: “Saudade do Analógico” e “Ato III: “Música na garrafa”, este composto de três partes justapostas, com a primeira inspirada na musicalidade praia de “Suíte”, de Dorival Caymmi, foram todos embrionados na viagem ao município fluminense. Reflexões sobre o uso das mídias digitais levou Le Blue a perceber os sinais da “dessacralização das relações sociais”.

Foi o impacto dessas transformações sociotécnicas, como prova estudos sobre o advento da televisão nessas vilas, pesquisas que o músico cita no material de divulgação de “Suíte dos Pecadores”, poderiam ser melhores mensurados nessas comunidades caiçaras: “elas, as comunidades, têm na solidariedade social, na música nativa e na história oral os fios de suas “redes sociais” folkcomunicativas.”

É aí que esse universo musical encontra o cancioneiro Caymmi, cuja criação estética e poética, sobre o cotidiano expresso em vilas litorâneas, se tornou alguns dos versos mais conhecidos da música brasileira. A proximidade do compositor nascido em Lagoa do Abaetê, na cidade de Salvador, capital da Bahia, era permanente. Tanto que o artista escolheu Paraty, onde morou juntamente com a família, e de lá extraiu as maiores preciosidades de sua obra: ninguém cantou o mar como ele, como é possível sacar em “É Doce Morrer no Mar” ou até mesmo na própria “Suíte dos Pescadores”.

Sobre os instrumentos sonoros criados por arte-reciclagem, Fred Le Blue apontou de forma metalinguística os caminhos para reaproveitar resíduos sólidos, direcionando-os à música. A referência foi a vida e obra do suíço Walter Smetak, músico que chegou a lecionar na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tinha a improvisação instrumental como transcendental.

Essa escolha, inclusive, aparece por meio de instrumentos percussivos de sucata (latas e canos) e composições coletivas de grupos e melodias incidentais cíclicas contrapontuais ou canônicas típicas do gênero DUB, explica Le Blue. Definitivamente, nessa suíte pós-caymmiana e smetakiana, com sagrados pecadores, pescadores e seresteiros, bons ventos nos levam a velejar pelos mares da mente. Com boa música brasileira, fica mais fácil. Muito mais, com certeza.



‘Suíte dos Pecadores’
Artista: Fred Le Blue
Gênero: Música Brasileira
Disponível em soundcloud.com


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