Temer diz não à Boeing
Redação DM
Publicado em 23 de dezembro de 2017 às 00:01 | Atualizado há 5 meses
O presidente Michel Temer disse aos jornalistas, ontem de manhã, no Palácio da Alvorada, que o governo brasileiro não tem o menor interesse em alienar seu direito de veto em caso de venda da Embraer. Quando a empresa foi privatizada, fizeram constar no contrato uma cláusula pela qual o governo brasileiro terá a última palavra em caso de venda do controle acionário. Se o governo não quiser, o controle acionário da empresa não será vendido.
É o que a mídia e o mercado chamam, pedantemente, de “golden share”, ou, em português, o “naco dourado”. É a mais cara de todas as ações. Não rende dividendos nem pode ser negociada em bolsa, mas é uma ação que garante ao seu possuidor o poder soberano de vetar negócios lesivos à empresa.
Na última quinta-feira a poderosa Boeing anunciou que pretende comprar a Embraer, a nossa Embraer. O mercado recebeu a notícia com desmedida euforia. As ações da Embraer subiram a mais de 25%. O mercado tem instinto de manada. Correu às compras sem antes esperar o pronunciamento daquele que pode homologar o negócio ou fulminá-lo, como de fato Temer o fez.
Pelo menos nisso Temer agiu com absoluta correção patriótica. Merece aplausos até de seus mais agressivos opositores. A Embraer joga papel estratégico de fundamental importância para o desenvolvimento do país e para a segurança nacional.
Além de fabricar aeronaves que vêm, cada vez mais, ganhando largos espaços no mercado internacional, contribuindo significativamente para a formação do nosso PNB – que de tão irrelevante nem é calculado -, a empresa é responsável por dois importantes projetos militares: a fabricação, sob licença, do caças Gripeen e do AMX, e do cargueiro KC-360, este um projeto genuinamente nacional.
Do modesto bi-motor Bandeirante, já descontinuado, aos modernos jatos executivos atualmente saídos da linha de montagem de São José dos Campos, a Embraer também produz aviões destinados à vigilância aérea e monitoramento do tráfego aéreo sobre o território Nacional.
Mas o maior sucesso da Embraer tem sido, sem dúvida, o super tucano, um jato de combate turboélice, que serve também para treinamento de pilotos, e que já foi testado com êxito até mesmo em combate. O super tucano – operado atualmente pela gloriosa Esquadrilha da Fumaça -, foi escolhido pela Força Aérea dos Estados Unidos para substituir o A-10, um jato de combate dispendioso e de baixa eficiência nas missões de ataque em solo.
A Embraer chegou àquele ponto em que falta apenas mais um passo para se tornar uma poderosa indústria aeronáutica: a fabricação de motores e de aviônicos. E quando entrar neste estágio, ela vai se tornar uma concorrente osso duro de roer. O Brasil é o país que possui as maiores reservas de todo mundo do nióbio, metal essencial na fabricação de peças de turbinas. É uma vantagem competitiva extraordinária.
Mas seriam estes os motivos que levaram a Boeing, a maior construtora de aviões civis e militares do mundo, a querer comprar a Embraer? Há bons motivos para desconfiar. A Boeing quer comprar a Embraer para fechá-la, para afastar do mercado um concorrente que vem crescendo e aparecendo. O passado nos fornece o precedente que torna esta tese não uma fantasia paranoica de nacionalista fanático.
Quem roda pelas estrada do Sul do país eventualmente encontra velhos Fenemês em circulação. O povo brasileiro apelidou, carinhosamente, de “Fenemê” os caminhões fabricados pela Fábrica Nacional de Motores, a FNM. O que aconteceu com a FNM?
O governo brasileiro, sob a capa da violência do AI-5, vendeu a fábrica para a Fiat, que a repassou à Iveco, que simplesmente a fechou, desempregando mais de 4 mil operários que trabalhavam na planta de Xerém, Rio de Janeiro.
A FNM foi fundada por Getúlio Vargas, ainda ao tempo do Estado Novo, para fabricar motores de avião para o III Reich. Todo o ferramental e maquinaria vieram da Alemanha a preços simbólicos. Mas o Brasil acabou rompendo com a Alemanha e a FNM entrou em recesso. Ao voltar ao poder em l950, Getúlio reativou a fábrica, mas destinando-a à fabricação de caminhões. Por aquele tempo, os caminhões brasileiros eram importados.
A FNM começou a fabricar motores baseados em projetos da Alfa Romeo italiana, mas logo os engenheiros brasileiros iriam desenvolver projetos próprios, adaptados à sua realidade das estradas brasileiras. A FNM foi a primeira empresa do mundo a usar o alumínio na fabricação de blocos e outros componentes do motor.
Apesar de lento, o Fenenê era robusto, resistente, e muito forte, econômico e de manutenção barata. Tanto que ainda hoje tem fenemê rodando por aí 50 anos depois de sua produção ter sido encerrada. Os Femenês construíram Brasília, construíram as rodovias Belém-Brasília, a Transamazônica e outras mais. Foram os primeiros caminhões a chegar onde antes só se ia a cavalo ou em carro de boi. Foi o caminhão da integração nacional.
O fechamento da fábrica pela Iveco, que ainda nem tinha entrado no mercado brasileiro, está em linha de sintonia com a lógica do capitalismo: eliminar o concorrente, seja pela aquisição da empresa menor, seja pela disputa predatória pelo domínio do mercado consumidor. A venda da FNM não serviu a qualquer propósito: não ajudou o governo a fazer caixa, não reduziu déficits, não ajudou a aumentar a produção industrial. Simplesmente privou o país de uma extraordinária ferramenta estratégica de desenvolvimento econômico.
Ainda que os especuladores do mercado financeiro tenham exultado com a notícia da proposta da Boeing, o fato é que o negócio seria péssimo para o país, em todos os sentidos. E o fechamento das fábricas da empresa, outra tragédia econômica a recapitular o desastre que foi o fechamento da FNM.
Temer acertou. Pelo menos desta vez, vamos aplaudi-lo!
Nós queremos saudar o interesse da Boieng pela Embraer, a significar, portanto, que há no cenário internacional um interesse muito grande para injeção de capital estrangeiro nas nossas empresas. E, evidentemente, que a injeção desse capital estrangeiro, seja da Boieng ou de outros, será muito bem-vinda e muito bem recebida na Embraer. A dificuldade aqui reside à primeira questão transferir o controle da Embraer para outra empresa. Mas em princípio, a Embraer é brasileira, representa muito bem o Brasil aí fora e volto a dizer: muito bem-vindo a injeção de capital estrangeiro. Não se examina a questão da transferência”Michel Temer.