TJ de Goiás não aceita o preço vil
Diário da Manhã
Publicado em 9 de maio de 2018 às 02:24 | Atualizado há 7 anos
Uma decisão histórica do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás deverá repercutir amplamente nos meios produtivos rurais, onde é coisa comum fazendeiro perder suas terras por conta de dívidas não pagas. Em muitos casos, o fazendeiro perde sua terra, que vale muito mais do que a dívida, sem receber nada em troca. É o caso, corriqueiro, em que o bem dado em garantia é arrematado ou adjudicado a preço vil.
No final do mês de abril, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás estabeleceu um novo paradigma, ao decretar a nulidade da adjudicação de uma fazenda, avaliada em mais de 16 milhões de reais, mas dada ao credor para satisfação de uma dívida de pouco mais de 2 milhões de reais.
Ao decretar a nulidade do ato de adjudicação da referida fazenda, o desembargador Alan Sebastião de Sena Conceição, da Quinta Câmara Cível, relator o recurso de apelação interposto pelo fazendeiro devedor, invocou um a sabedoria ancestral de Ulpiano, um dos maiores juristas do antigo império romano. Ulpinano, que um dos compiladores das leis romanas que compuseram o Corpus Irus Civilis” e Justiniano, no Século V A.D., afirmava que ao credor deve-se “a justa satisfação de seu crédito; a devedor, a justa execução de seus bens”.
Em seu voto, o relator ponderou que, à parte a vilania do preço – escandalosamente inferior ao de mercado -, o devedor excetuado teve cerceado o seu direito de defesa. Tendo a fazenda ido a leilão, sem arrematante, o devedor requereu a sua adjudicação – ou seja, ficar com ela pela dívida. O certo, neste caso, é que desse em troca a diferença, a maior, entre o valor do bem e o valor da dívida. Mas isso não ocorreu. O devedor deveria ter sido notificado do pedido de adjudicação, para apresentar a defesa que lhe fosse conveniente, ou até mesmo pagar a dívida.
Como isso não aconteceu, a fazenda foi dada ao credor pelo valor da dívida e os donos foram colocados para fora. Foi então que começou uma longa batalha judicial que teve início há quase 10 anos. O devedor pleiteou a anulação da adjudicação, mas a causa foi julgada improcedente. Entendeu o juiz que se tratava de coisa julgada. A assim chamada coisa julgada – decisão judicial de que não cabe mais recurso – é protegida pela Constituição.
Nas razões da apelação, assinada pelos advogados João Domingos da Costa Filho e Leandro Marmo Carneiro, demonstrou-se que não chegou a ocorrer a “coisa julgada material”, uma vez que a parte apelante não pode exercer plenamente os seus direitos de devedor. Também alegou o advogado que a fazenda foi adjudicada a preço vil.
A lei não estabelece parâmetros para a fixação do preço vil. Mas a jurisprudência, no silêncio da lei, vem consolidando o entendimento que o preço que leva a um enriquecimento ilícito, ou sem causa, pode ser qualificado como “vil”. No caso apresentado pelo advogado, o desembargador relator entendeu que era o caso.
Assim, acolhendo as teses do cerceamento de defesa e a do preço vil, o TJG reformou a setença do juiz de piso para decretar a nulidade da adjudicação, e a restituição da fazenda ao antigo dono. “Vale a pena o produtor rural acreditar no Judiciário para reaver patrimônio injustamente expropriado”, sustenta João Domingos, que se especializou em execuções cíveis.
“Foi uma vitória não somente do fazendeiro e da classe dos produtores rurais, mas também de todos os empresários que , não raramente, têm seus bens expropriados por bancos e agiotas em processos altamente onerosos e injustos”, afirma o advogado.