Tratamento para quem mais precisa
Diário da Manhã
Publicado em 25 de janeiro de 2017 às 00:38 | Atualizado há 4 meses
A última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 55,6% da população nacional não procura um dentista, nem mesmo para consulta de rotina. Nesse cenário, a odontóloga Daniele Poiatti, desenvolve um trabalho especial para devolver o direito de sorrir a moradores de rua e usuários de entorpecentes na Comunidade Terapêutica Reconstruindo Vidas.
Enquanto a oferta por odontólogos no país só aumenta (cerca de 19% dos dentistas do mundo estão no Brasil, o primeiro colocado na lista de ofertas para esse tipo de serviço), a procura caminha pelo caminho inverso. Além disso, o brasileiro não cuida da saúde bucal, como aponta os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). Mais da metade da população não tem o hábito de escovar os dentes ao menos duas vezes ao dia, e nem faz o uso do fio dental.
Mas o que faz os brasileiros procuram cada vez menos por serviços ortodônticos é a condição financeira. Boa parte daqueles que precisam de cuidado especializado não possui condições financeiras para consultar e fazer o devido tratamento bucal necessário. Os moradores de rua e dependentes químicos em recuperação fazem parte desse grupo.
A odontóloga Daniele Poiatti, também proprietária da clínica Esculpere, é especialista na realização de tratamentos e cirurgias estéticas bucais. Desde 2014 ela dedica parte do seu tempo reconstruindo o sorriso daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade. A saúde bucal dessas pessoas se deteriora ainda mais rapidamente não só pela não higienização, mas também pela baixa qualidade dos nutrientes da sua alimentação, e pela irregularidade em que esta é feita. Sabe-se que uma boa alimentação também influencia diretamente na qualidade dentária do indivíduo. Agora ainda mais grave é a situação do dependente químico, visto que as propriedades tóxicas das drogas (principalmente o crack) também afetam os dentes.
Sobre os tratamentos e tipos de serviço que realiza, a odontóloga diz que faz “extrações, restaurações e reposições de falhas dos elementos dentários”. Pelo menos 11% da população brasileira já perdeu todos os dentes, segundo levantamento da PNS. Diante desse quadro e do grande número de moradores de rua em Goiânia, Daniele explica que a seleção de seus pacientes é feita pelo diretor da comunidade, de acordo com a história de cada um, mas de forma aleatória.
A partir dessa seleção, a odontóloga e sua equipe avalia o caso e adota a melhor solução buscando os resultados mais eficientes possíveis. É esse o caso de Kennedy, paciente de Daniele. “Ele nunca sorria, estava sempre cabisbaixo. Depois que colocamos a prótese e corrigimos as falhas, ele começou a sorrir e todos nós nos emocionamos muito. Ele tem mais dois irmãos, todos viciados em drogas. Depois do tratamento ele deixou a comunidade, voltou para a casa da mãe e agora está trabalhando”, relembra a especialista.
Usuário de drogas por mais de 20 anos, Kennedy lembra, com pesar, de sua situação antes da transformação operada por sua passagem pela comunidade, e do tratamento que devolveu seu sorriso. “Eu vivia com minha família, triste e arruinado. Estava no fundo do poço”, afirma ele.
No entanto, mais do que voltar a sorrir, os cerca de 20 pacientes já atendidos pela Dra. Poiatti, redescobriram-se como membros da sociedade, deixando as ruas e buscando reatar laços familiares e inserção profissional. Para a odontóloga, essa é a grande recompensa do trabalho que desenvolve em parceria com a Comunidade.
É o que aconteceu com Kennedy, que muito embora tenha que lidar com limitações de raciocínio colaterais ao uso abusivo de entorpecentes, ele se viu de volta ao convívio social após ser acolhido e receber o tratamento dentário. “Hoje tenho segurança, trabalho, vou à igreja e até paquero um pouco às vezes, graças à Deus”, conta com gratidão à odontóloga.
As DOAÇÕES x os profissionais
Como explica o diretor da Comunidade Terapêutica Reconstruindo Vidas, Antônio Carlos, o trabalho que já atendeu cerca de 150 pessoas nos dois anos de existência só é possível graças à atuação de profissionais como a Dra. Daniele Poiatti. “A comunidade se mantém exclusivamente de doações. As ajudas são bem vindas desde auxílio financeiro e alimentício, até trabalho voluntário, como aulas, atendimento médico e visitas aos internos”, aponta.
Para ele, a parceria entre a clínica Esculpere e a Comunidade é crucial. “A seleção dos atendimentos se faz pelo grau de comprometimento da saúde bucal, ou seja, casos graves e urgentes têm prioridade. A parceria é inestimável já que resgata a auto-estima e a confiança de pessoas que se encontram, até então, à margem da sociedade, totalmente excluídas”, finaliza Antônio.