Três Poderes, um problema
Diário da Manhã
Publicado em 5 de janeiro de 2018 às 01:35 | Atualizado há 4 meses
O presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, Gilberto Marques Filho, e o procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres, após visita à Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, na manhã de quarta-feira (3/01), apontaram o governo federal como o verdadeiro culpado pela crise do sistema penitenciário goiano, o que também foi dito pelo governador Marconi Perillo. Do outro lado, o governo federal respondeu às críticas de que os recursos federais são insuficientes, afirmando que tem feito os repasses do Fundo Penitenciário (Funpen) de forma regular. Mas afinal, quem é o verdadeiro responsável?
“Não tem nenhum inocente, todos são culpados. Isso foi se avolumando ao longos dos anos e nenhum fez o dever de casa como deveria. A Constituição diz que a responsabilidade pela segurança pública é dever do Estado. Essa responsabilidade tem que ser compartilhada tanto entre os níveis dos três governos (federal, estadual e municipal) quanto entre os Três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário)”, afirmou ao Diário da Manhã o presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da OAB – GO, o advogado Edemundo Dias.
Edemundo Dias foi delegado por 16 anos e conhece bem a realidade dos presídios. Além de propor a extinção do regime semiaberto no Brasil, o advogado sugere um remanejamento melhor das ações entre a União, Estado e municípios. A União criaria mais presídios federais e transportaria para eles os criminosos mais perigosos (como líderes de facções) e os municípios fariam a reinserção dos egressos da prisão, gerando emprego e abrigando aqueles que perderam contato com a família. Segundo o advogado, hoje a responsabilidade tem sido jogada apenas para cima do Estado, o que em sua opinião é incorreto e injusto.
“Tem que ter uma mudança na Lei de Execução Penal para acabar com o regime semiaberto. Porque nele o preso não fica nem no aberto nem no fechado, e aqui em Goiás está acontecendo de ele ficar mais fechado que aberto”. Edemundo explica que a dificuldade de se conseguir empregos e o consequente número grande de presos bloqueados fazem com que o presídio se torne uma zona de conflito de facções criminosas. Trata-se de uma unidade de regime fechado mas sem a estrutura física de um regime fechado, explica ele. “Então quando o sujeito saísse do fechado ele já deveria ganhar liberdade”, defende.
Quanto à sobrecarga do Estado na gestão penitenciária, o presidente da Comissão de Segurança Pública defende maior esforços do governo federal, inclusive com construção de presídios no Brasil inteiro. Atualmente, existem apenas quatro presídios federais, com superávit de vagas. “No Brasil, o problema da segurança pública e do sistema prisional deve ser examinado como problema de segurança nacional”, afirma Edemundo.
Na responsabilização dos Três Poderes, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB – GO, Roberto Serra, em entrevista ao Diário da Manhã, reiterou que enquanto o Legislativo deve criar e reformular as leis de segurança, além de enviar emendas parlamentares para essa área, o Executivo deve gerir os recursos e administrar os presídios. Já o Poder Judiciário precisa ser mais ágil e eficiente em analisar os processos.
“A fila anda. O que cumpriu a pena tem que sair porque vai entrar outro. Em Goiânia, temos mais de 10 mil presos e somente duas juízas da Execução Penal”, explica ele, lamentando a morosidade. O advogado também critica os promotores e juízes que visitam pouco as unidades prisionais, uma vez que eles deveriam fazer perícias regularmente.
Roberto Serra conta que visita frequentemente a Colônia e pontua que as principais emergências são a estrutura, um serviço de inteligência para relocar os presos, separando as facções, e a criação de projetos sociais. Na Colônia Agroindustrial, apesar do nome, não tem hortas nem indústrias para ocuparem e profissionalizarem os detentos. Também não há bibliotecas nem atividades esportivas, fundamentais para a ressocialização dos presos. O advogado também fala sobre a necessidade de médicos e psicólogos nas unidades prisionais.
A respeito da defesa da Comissão de Direitos Humanos por uma condição melhor de vida dos detentos, o que muitas vezes não é entendido pela sociedade, o presidente salienta: “Aqui fora a gente fica torcendo para os caras não sair, mas eles vão sair. A gente não quer que os presos sejam tratados com massagem não, mas que eles voltem, pelo menos, não pior do que entraram”.
Sobre a confusão que aconteceu na segunda-feira, Roberto conta que o caos já estava previsto. “As coisas vão sendo empurradas para debaixo do tapete até deflagrar. Só quando há uma tragédia, o Estado aparece”, critica ele. Ainda em 2015, Roberto Serra e outros advogados da OAB entraram com uma ação civil pública, ainda em tramitação na 8ª Vara Federal, pedindo a interdição da Colônia. “Do jeito que está, não dá para continuar”.
REPASSES
Em outubro do ano passado, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) notificou órgãos do Poder Judiciário após constatar que seis Estados estavam retirando recursos do repasse federal para o sistema penitenciário, o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), sem justificativa. Um dos seis Estados era Goiás.
O valor total repassado em dezembro de 2016 pela União foi R$ 44,8 milhões, sendo 31,9 milhões destinados a obras de reforma e ampliação. Dos 31,9 milhões, foram utilizados pelo Estados apenas 18% dos recursos até 22 de dezembro de 2017, restando ainda mais de 26 milhões disponíveis para obras. A justificativa da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP) é que a verba é liberada conforme o andamento das obras, e essas irão até dezembro de 2018.
Já o novo repasse do Funpen 2017, feito em 29 de dezembro, foi de 17,7 milhões. Grande parte desse valor será investido na reforma da unidade prisional de Anápolis, conforme anunciou a SSPAP por meio de nota ao O Popular. Mas o valor repassado pelo governo federal aos Estados, para o governador de Goiás, Marconi Perillo, é insuficiente. Em vídeo publicado no Facebook na manhã de quarta-feira, o governador reclamou que enquanto a União contribuiu com 30 milhões em 2017, o governo do Estado investiu 3 bilhões na área de segurança. Sobre isso, Roberto Serra comenta que a União deve fazer os repasses, mas a princípio o dever de investir é do Estado.