Um calvário em vida
Diário da Manhã
Publicado em 8 de abril de 2017 às 02:28 | Atualizado há 4 meses
A administradora de empresas Káthia da Silva Dantas Nogueira, 30 anos, diz que todos os dias precisa vencer um monstro gigantesco para manter o equilíbrio e cuidar da filha Maria Luíza. A menina, de quatro anos, tem Atrofia Muscular Espinhal Tipo 1, que é a mais agressiva e inibe todos os movimentos, obrigando-a a ficar imóvel na cama, sem falar, sem comer, sem qualquer movimento, apenas mexendo os olhinhos vivos e espertos que não deixam passar qualquer movimento à sua volta e é a única porta por onde ela se manifesta.
Desde que a doença da filha se manifestou a mãe, uma graduada em administração de empresas, passou a pesquisar e estudar a fundo a má-formação que lhe ceifou grande parte do sonho de ser mãe. “Quando eu e meu esposo nos casamos eu disse que eu nasci para ser mãe, porque queria ser cuidadosa, protetora, carinhosa e muito amorosa. Sou isso tudo, mas não posso ter a alegria de ver a minha filha correndo e brincando pela casa”, revela.
Káthia se casou aos 20 anos com Abimael Barbosa Nogueira, gerente comercial de uma empresa, se mudaram para Manaus e curtiram a vida de casados por cinco anos antes dela engravidar. Todos os cuidados foram tomados, como pré-natal, exames antes de engravidar e planejamento exemplar. A filha veio ao mundo após uma gestação normal, nasceu de cesariana e tudo ia bem até os seis meses. A mãe narra que sentiu que havia algo de diferente porque a filha já não emitia mais os estridentes sons quando chorava e apenas corria lágrimas de seus olhinhos. “Coração de mãe não engana. Eu sabia que algo não estava bem”. O casal veio para Goiânia com a filha para participar de um casamento de amigos que eles seriam padrinhos e ela resolveu procurar um médico. “Já aos seis meses minha filha não ficava sentadinha e firme em meu colo, seus movimentos eram limitados e até seus sons eram diferentes”, conta.
Um neuropediatra após exames clínicos e outros testes sentenciou: a filha nascera com um problema genético que reside em um cromossomo que controla o desenvolvimento da massa muscular. Um nefasto gen recessivo da mãe que se combinou erradamente com o do pai e resultou nesse tropeço da genética. Nada que se possa creditar aos pais, que são evangélicos e sempre tiveram vida regrada e cumpriram todos os protocolos de bem viver e sonharam com uma família perfeita e barulhenta.
Hoje Maria Luíza vive reclusa no mundo restrito ao seu corpo, respira por aparelhos, recebe alimentação por uma sonda grástrica, necessita de acompanhamento constante e sua esperança é um medicamento que foi recentemente liberado nos Estados Unidos e que custa uma fortuna.
Káthia narrou ponto a ponto sua odisseia para manter-se em prumo e confiar em Deus que sua filha poderá ser curada.
O caso
Os estudos sobre a AME dizem que a cada 10.000 nascidos um pode nascer com o problema. É uma das doenças raras, e é muito pouco conhecida. Em Goiânia há apenas seis casos diagnosticados de AME tipo 1. O sistema cognitivo permanece intocado, o paciente entente tudo mas não tem como se pronunciar. A literatura médica tem para a AME tipo 1 uma expectativa de vida máxima de dois anos, mas há casos de pacientes que chegaram até os 15 anos ou mais. Nós estamos com dois anos de milagre de nossa filha viva. Nem mesmo o Ministério da Saúde tem um censo de quantos casos de AME tipo 2 existem no Brasil. Existe uma associação q;ue congrega quem lida com esse problema e há também grupos de WhatsApp e Facebook tentando levantar o que há. Estima-se que existam cerca de 10.000 casos no Brasil.
A esperança
No dia 23 de dezembro do ano passado entrou em comercialização nos Estados Unidos e Europa um medicamento novo chamado Spinraza que foi estudado e testado nos últimos 10 anos. Crianças que participaram dos estudos, como eu acompanhei pela internet, apresentaram melhoras substanciais. Um garoto em especial, vivia como a Maria Luíza acamado, paralisado, respiração mecânica e alimentação por sonda. Hoje ele já anda, mesmo que com dificuldade dando os primeiros passos, já está aprendendo a falar e a comer. O custo é muito alto e só disponível na Europa, porque nos Estados Unidos apenas para cidadãos americanos. Na Europa apenas para quem tem cidadania. Para comprar esse medicamento para ser usado aqui no Brasil a estimativa de tratamento é de R$ 3 milhões e será um tratamento para o resto da vida. Em Ribeirão Preto há um garoto com o mesmo problema e nível de gravidade. Já compraram o medicamento e começará a usar agora, será a primeira criança da América Latina.
A dor
Eu e meu marido somos da Igreja Assembleia de Deus Catedral da Família e sempre tivemos uma fé muito forte, até hoje oramos em nossa casa. Quando descobrimos o problema de nossa filha Maria Luíza foi um susto muito grande e eu senti como que o chão teria saído de meus pés. Eu não queria acreditar que minha filha nunca iria se levantar, me abraçar, correr pela casa fazendo bagunça e brincando, me dar trabalho fazendo arte, pular na piscina. Eu não conseguia imaginar que minha filha não teria uma vida normal como eu sempre havia sonhado. Eu perguntei inúmeras vezes por qual razão aquilo estava acontecendo comigo e porque minha filha não seria normal como as outras.
O cuidado
Minha filha está em casa com a assistência de um Home Care 24 horas por dia, todos os dias da semana, porque tenho um plano de saúde que cobre isto. Logo que foi diagnosticado o problema ela teve a primeira crise e ficou internada em UTI por oito meses. As crianças com AME têm muitos problemas respiratórios em função da ventilação mecânica. A imunidade fica baixa e compromete o quadro ainda mais. As maiores complicações são pneumonia.
Os sonhos
Eu queria muito ouvir a voz de minha filha me pedindo para pegar um iogurte, ou para pedir um sanduiche, mesmo pedindo para ir brincar na casa de uma amiguinha. É difícil ver minha filha presa em uma cama. Quando eu vejo alguém dizer que não aguenta seu filho porque ele é muito custoso, que faz muita bagunça eu falo na hora: pelo amor de Deus não diga isso, agradeça porque seu filho está correndo e brincando normal. Isso tudo é desesperador. Quando eu levanto os olhos para Deus agradeço pela minha filha, mas sempre peço a cura que ela necessita.
A angústia
Eu e meu esposo vivenciamos angústias muito grandes, tormentos em nossos corações a ponto dele falar coisas que poderiam parecer terríveis, como se ele não tivesse se casado comigo eu não teria um filho com problema. Eu também falei coisas terríveis e pensei a mesma coisa. É desesperador saber que sua filha não vai se levantar, correr, brincar, comer sozinha. Quando eu soube do diagóstico eu cheguei em minha casa eu tive vômitos e diarreia por dias seguidos pelo desequilíbrio emocional que aquilo me provocou. Depois disso eu tive ainda vários problemas emocionais e chorava muito, entrei em depressão e cheguei a não saber o que fazer. Um exemplo disso foi a sensação de impotência que eu fiquei, sem saber o que fazer. Chorava com a alma e não conseguia ter nenhum consolo. Eu fiquei tão transtornada que não me lembrava de dar a papinha para ela, de lavar as roupinhas dela e de dar a atenção que ela necessitava. Meu esposo falou uma coisa um dia que foi de cortar de coração. Ele disse que seu maior sonho é ganhar um abraço da Maria Luíza.
A campanha
Lançamos uma campanha nas redes sociais, principalmente no facebook com o título AME Malu, para tentarmos arrecadar os fundos para iniciar esse trabalho. Eu tenho esperança muito grande de que Deus nos dará essa graça.