Cultura

“1968, sob a Guerra Fria, era como uma espada enfiada na cabeça”

Diário da Manhã

Publicado em 9 de abril de 2017 às 02:02 | Atualizado há 4 meses

  • Sociólogo analisa as revoltas estudantis à época da ditadura, a explosão no Vietnã, as lutas sociais nos EUA e a Primavera de Praga 
  • Pesquisador aponta que jornadas de junho de 2013, que abalaram República Petista, teriam sido de centro-liberal, meio de classe média 
  • Intelectual informa que 53% dos jovens de 15 a 17 anos estariam foram das salas de aulas, ataca congelamento de gastos e reformas 

 

– O Brasil vive, hoje, um Estado de Exceção.

 

Como em 1968, pós-golpe de Estado civil e militar de 1964, que depôs o presidente da República, João Belchior Marques Goulart, um nacional-estatista em sua versão trabalhista, analisa o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alfenas, Minas Gerais, Luís Antônio Groppo, classificado como o maior especialista em movimentos de juventude do Brasil e da América Latina. Com graduação na USP, mestrado e doutorado, Unicamp.

 

– O Executivo adota medidas autoritárias como a MP 746, a Reforma do Ensino Médio, a retirada dos direitos sociais, como na Previdência Social, Trabalhista e as Terceirizações.

 

O sociólogo exorciza o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Mais: vocifera contra a criminalização dos movimentos sociais no País. Prisões de membros do Movimento dos Trabalhadores Sem – Terras e do Movimento dos Trabalhadores Sem – Teto ilustram a escalada autoritária, aponta. O primeiro é coordenado pelo economista João Pedro Stédile e quer a reforma agrária. O segundo é liderado por Guilherme Boulos, filósofo e marxista.

– A judicialização da política é um processo em andamento no Brasil.

Golpe frio, líquido?

Sem tanques, com os suportes do Congresso Nacional, dos aparatos policial e jurídico do Estado, como a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal, além do apoio dos grandes conglomerados de comunicação, estratégicos para a construção de uma narrativa plausível no século 21, o que houve, no Brasil, no turbulento ano de 2016, foi um golpe institucional, denuncia o cientista social. Dilma Rousseff caiu em agosto, recorda-se.

– As grandes decisões jurídicas estão sendo pautadas menos pelo que determina a lei, a Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, do que pelas conveniências políticas. O que configura um Estado de Exceção…

Analista de cenários, ele afirma que a frente, que define como antidemocrática, que permitiu a ascensão de Michel Temer [PMDB], com um programa que não recebeu os 54,5 milhões de votos válidos nas urnas eletrônicas de 2014, já se fragmenta e apresenta fissuras. As manifestações de rua em apoio ao Governo Federal não mobilizaram milhares, como imaginava o MBL, atira. É possível que Michel Temer não termine seu mandato, acredita. É o que espero, diz.

Jornadas de 2013

Luís Antônio Groppo informa que as jornadas de ruas de junho de 2013 teriam sido um ciclo de ações coletivas juvenis que continua até os dias de hoje, sob múltiplas formas. Junho de 2013 se desdobra em 2016, aponta. A narrativa, porém, das jornadas, foi de corte centro-liberal, conceitua. Meio de classe média, rotula. O mal-estar de junho de 2013 é de crise aguda da democracia representativa no Brasil, um País de dimensão continental, dispara o professor.

– Em 2014, o movimento ‘Não Vai ter Copa do Mundo’, era, inicialmente, uma luta por ampliação de direitos, por serviços públicos de qualidade. Educação, saúde, transportes. Os conglomerados de comunicação lhe deram depois a narrativa anticorrupção e antipartido.

As ocupações das 1.100 universidades públicas e das escolas da rede pública de primeiro e segundo graus, no ano de 2016, em 27 unidades da federação, possuíam um programa à esquerda, sintetiza. Com uma ideia de horizontalidade, ação direta e democracia participativa, fuzila. A palavra-de-ordem que unificava era o ‘Fora, Temer! ’, observa. O congelamento dos gastos públicos por 20 anos, o corte de verbas, a Reforma do Ensino Médio, explica ele.

Pré-Sal

– Além da abertura para o capital estrangeiro explorar a commoditie do Pré-Sal, cujos recursos estariam carimbados para as áreas de Saúde e Educação…

As lutas políticas e sociais de 2017 têm como eixo central impedir as reformas da Previdência Social, que podem destruir o futuro das próximas gerações de trabalhadores, e Trabalhista, que sinaliza para a precarização das relações de trabalho no Brasil, em um País com 13,5 milhões de desempregados. Registro: dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] e do IPEA [Instituto de Política Econômica Aplicada], lamenta o escritor.

– A UNE, União Nacional dos Estudantes, sob a hegemonia na UJS, União da Juventude Socialista, controlada pelo PC do B, se afastou dos temas educacionais. As ocupações pós-2005 teriam sido à revelia da entidade.

Ocupações

A UNE poderia fazer, hoje, muito mais, sublinha. A UBES [União Brasileira dos Estudantes Secundaristas] também é ligada à UJS, destaca. O cientista social da Universidade Federal de Alfenas revela, depois de pesquisas exaustivas, que as ocupações de 2015 e de 2016, em escolas de primeiro e segundo graus e nas universidades públicas tiveram, na linha de frente, estudantes independentes. A esquerda, no ensino médio, teve participação periférica, frisa.

– É preciso reverter a lei que estabelece o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Nas ruas e no parlamento. Nas redes sociais… Já!

O quadro demográfico aponta que a população economicamente ativa irá envelhecer no Brasil, o que ampliará os casos de doenças e a necessidade de serviços públicos de saúde, analisa. Como, então, promover um congelamento de gastos públicos por 20 anos na área com aumento da demanda ?, pergunta o pesquisador. É inaceitável, desabafa. Cáustico, o doutor em Sociologia ataca, sem piedade, a reforma do Ensino Médio, promovida por Michel Temer.

– Não se faz ensino médio por Medida Provisória. A reforma deveria ter sido debatida com a sociedade civil. A sua aprovação ocorreu de forma autoritária.

Luís Antônio Groppo é autor dos seguintes livros: Ensaios de Sociologia e História sobre a Juventude, Editora Difel, 2000; Uma onda mundial de revoltas e movimentos estudantis de 1968, 2005; Autogestão, universidade e movimento estudantil, Editora Autores Associados, 2006; Sociologia da Educação sóciocomunitária, Editora Setembro, 2013. Na graduação ele recebeu influências de Sérgio Adorno, no mestrado, de Renato Ortiz, e doutorado, Octavio Ianni.

Mágico 1968

O sociólogo diz que as explosões de 1968, no Brasil, na América Latina, como México e Argentina; na Europa, em Paris, Berlim; no Leste Europeu, com a invasão da URSS [União das Repúblicas Socialistas Soviéticas], em 21 de agosto, para sufocar a Primavera de Praga, Tchecoslováquia, e o ‘socialismo de face humana’ de Alexander Dubceck; assim como nos Estados Unidos, contra a Guerra do Vietnan, tinham o cheiro de pólvora da guerra fria.

 

Perfil

Nome: Luís Antônio Groppo

Instituição de ensino: Universidade Federal de Alfenas

Formação: Graduação em Ciências Sociais na USP, mestrado na Unicamp e doutorado na Unicamp

Idade: 45 anos

Área de concentração: Juventude

 



A judicialização da política é um processo em andamento no Brasil” 

Luís Antônio Groppo, sociólogo

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