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CULTURA

“A poesia é  minha maior  dependência”

Rariana Pinheiro,Da editoria DMRevista

O Talhe. Este é o nome do primeiro livro de Dayse Kênya de Morais. É com ele que a experiente autora – mesmo após vencer mais de 30 prêmios de poesia – faz seu début na literatura goiana. E, nesta estreia, ela foi com tudo e mergulhou de vez em um mundo de verbos – impreterivelmente carregados de sentimentos. O resultado foram poemas densos, mas diretos, que serão oficialmente mostrados ao público amanhã, às 20h, no Espaço Sonhus, localizado na área anexa do Colégio Lyceu de Goiânia.

O lançamento vai se dividir em dois momentos e lugares do centro cultural. O primeiro se dará no Teatro do Espaço Sonhus, onde o ator Luciano Caldas irá apresentar uma performance teatral. Em seguida, o público será convidado a seguir para o Café Fornin, no mesmo local, onde irá acontecer a tradicional mesa de autógrafos.

A obra que Dayse Kênya vai mostrar hoje é a compilação de vários poemas, feitos ao longo de sua vida, mas que possuem um ponto em comum: a paixão pelos verbos. Logo, os oito capítulos do livro são nomeados por eles. “A obra é como uma peça dividida em atos. Abrindo com o verbo duvidar e passando pelas fases verbais existenciais e o desfecho no verbo morrer”, explica a poetiza.

A trajetória

Mas, mesmo sendo O Talhe a estreia no mundo das publicações, é possível, com facilidade, avistar uma longa intimidade com o mundo das palavras, não apenas na obra, mas também na história de Dayse, pois ela teve parte da vida dividida pela carreira publicitária, ilustração e, claro, pelos poemas.

No prefácio de O Talhe, feito por Carlos Brandão, se mostra ainda mais clara a relação desta artista com a poesia, lá no final dos anos 80. Com o grupo capitaneado pelo também poeta Pio Vargas, ela sempre podia ser vista “poetando”. “Este era um grupo não oficial (risos). Uma turma de amigos que se reunia, informalmente, pra beber, fazer poesia em guardanapo, sarais, coisas do gênero”, relembra Dayse.

E é também lembrando desta época que Brandão diz, nas orelhas de O Talhe, que a autora chega nesta obra “com o mesmo frescor poético daquela turma, a mesma sensibilidade, a mesma transgressão, alegria e dúvidas” daquela época.

Mesmo com tanta história para contar no mundo das letras – e carregada de prêmios de poesia – a autora, de fato, demorou a lançar uma obra para chamar de sua. E este certo atraso, ela atribui talvez a uma peculiaridade de todo poeta: “acho que demorei a lançar porque não pautei meu fazer poético nas questões práticas que uma publicação exige”, argumenta ela, que agora que começou não pretende parar: “Estou fazendo um romance autobiográfico, que vai se chamar Meu Querido Noitário”, revela ela sobre a próxima obra, ainda sem data de lançamento.

PREMIAÇÕES

1989

3º Lugar em poesia – I Feira Regional de Cultura e Artes de Montes Claros de Goiás

3º Lugar – I Concurso Arisco de poesia falada

1º Lugar– V concurso Wilson Cavalcante de Nogueira

3º lugar– I Concurso Picanha na Brasa de Poesia Falada

1990

1º Lugar– I Concurso Getúlio Vaz de Poesia– Inhumas-GO

Melhor Intérprete– I Concurso Getúlio Vaz de Poesia– Inhumas-GO

Destaque de Inhumas– I Concurso de Getúlio Vaz de Poesia

Melhor texto– Concurso de poesia falada Corujão

3º Lugar– Concurso de Poesia Falada Corujão

3º Lugar– Concurso Charlie Chaplin de Poesia Falada

2º Lugar em Poesia– III FAMA– Monte Alegre de Goiás

2º Lugar em Poesia – IV FAMA– Monte Alegre de Goiás

1992

3º Lugar– Concurso de poesia falada Pio Vargas

1993

1 Lugar– Concurso de Poesia Falada – Casa de Cultura João Bênio

2º Lugar– I Concurso de Poesia Falada– Casa de Cultura João Bênio

Melhor Texto– I Concurso de Poesia Falada– Casa de cultura João Bênio

Participação na Antologia de Concurso Nacional Gilberto Mendonça Teles de Poesia

1º Lugar em Poesia– I Festival Juriti

1994

2º Lugar em poesia– I Concurso de Poesia Falada Jota´s Restaurante Bar

2004

1º Lugar em Poesia– I Concurso Kelps de Poesia Falada

Melhor interpretação– I Cncurso Kelps de Poesia Falada

2005

2° Lugar no Concurso Novos talentos da Fundação Jaime Câmara

TALHE VERBAL

O verbo me talha

fazendo de minha carne território pra sua navalha.

O verbo me bica

(Prometeu atormentado com o frescor renovado de sua ferida).

Me sangra as entranhas

– órgãos em sacrifício –

lacerante ímpeto de amor;

– golpe bruto em minha matéria abrupta –

com afinco me finca

seu monumento à dor.

O verbo

pra brincar de lavrador.

se apropria de meus quintais

O verbo é um trator. Sem nenhum pudor.

Patrola descontrolada vincando estradas

no sem rumo de meu seja lá o que for.

Cadê o silêncio que tava aqui?

O verbo matou.

Verbolor.


Entrevista com a poetisa


DMRevista – Pode nos explicar como decidiu partir de viagem para este mundo de verbos de O Talhe?

Dayse Kênya – Como o livro é um apanhado de várias fases (meus poemas de origem eram longos e narrativos. Atualmente são bem mais concisos, tendendo para a rima e musicalidade. Com forte apelo visual), foi uma forma de dar unidade ao livro. Como uma peça dividida em atos. Abrindo com o verbo duvidar, e passando pelas fases verbais existenciais. Com seu desfecho no verbo morrer.

DMRevista – São estes oito verbos que te inspiram a criar?

Dayse Kênya – Posso dizer que não busco inspiração (entendendo isso como um exercício para escrever). Não tenho esse pragmatismo. Vejo as pessoas fazendo ‘exercícios’ para desenvolver a criatividade. Faz-me rir! Escrever é uma forma de estar viva. E vivenciando as etapas dessa peça, onde somos autores, atores e plateia de nós mesmos.

DMRevista – Em um de seus poemas você diz: “Mal vejo uma folha e pá.. piro!” Podemos dizer que escrever é sua maior loucura?

Dayse Kênya – É. É minha maior dependência. Termino o livro com a frase “...que a poesia seja meu maior apego!” Depois que eu conseguir, no curso natural das coisas, me desfazer de todos os outros! (risos).

DMRevista – Você começou a criar poemas na década de 80, no grupo capitaneado por Pio Vargas? Pode nos contar um pouco sobre como era fazer poesia nesta época?

Dayse Kênya – Na verdade, eu não comecei a escrever porque era da “turma do Pio”. Eu era da turma do Pio porque escrevia. E na época, talvez minha grande influência no escrever tenha vindo do poeta Ubirajara Galli. O Pio teve muita influência, sim, comportamental. Ele era contagiante. O que se poderia chamar de poeta 24h. Sem pose. Sem atitudes de conveniência. Ele respirava poesia em todos os seus atos. Inclusive, eu abro o livro com uma citação do Leminski, que aprendi com ele. Ele vivia repetindo: “Vai vir o dia, quando tudo que eu diga, seja poesia!”.

DMRevista – Além de Pio Vargas e Ubirajara Galli, quais são suas maiores influências na poesia?

Dayse Kênya – Talvez minhas maiores influências estejam na produção dos filósofos. Pois na minha juventude cursei Filosofia, e nunca mais abandonei o hábito da leitura dos filósofos. Sobretudo, Nietzche, Foucaut, Sartre, Sêneca.

DMRevista – Qual é o papel da poesia para você?

Dayse Kênya – É não ter papel. Baudelaire diz que a beleza da poesia está em ser completamente inútil!

Das Duas, Duas

(vem isso e aquilo)

Se é pra falar de poesia

faço sessão extraordinária;

reconvoco minha fome vária

Transformo a letra precária em pura elegia.

Se é pra manchar a brancura do caderno

roubo tinteiros no inferno;

Cometo algazarras bizarras

Na sacrossanta extensão de meu império.

Se é pra falar da alegria do preto do branco

meu semblante é sério.

Vem, poesia!

não faz cerimônia na antessala da agonia.

Vem pichar o muro de minha fortaleza vazia.

Vem isso:

Sem anestesia nem artifício.

Faz de lamber meu fígado nu

Seu grande fetiche – o ofício.

Vem Allan Poe põe tempero!

Põe uma montanha-russa no parque

do meu desespero.

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