Cultura

Em seu primeiro longa de ficção, Marina Person dialoga com o público jovem

Diário da Manhã

Publicado em 6 de outubro de 2015 às 03:45 | Atualizado há 10 anos

RIO – Antes do início da sessão, na noite desta segunda-feira, uma das produtoras de “Califórnia”, longa-metragem de ficção em competição na Première Brasil, fazia questão de dizer ao público do Cinépolis Lagoon que o filme não era paulista, e sim “um filme brasileiro feito em São Paulo”. A ressalva fazia sentido, uma vez que a obra de Marina Person, que sucede o documentário “Person” (2007), propõe-se a abordar temas mais intimistas e comuns a adolescentes ao redor do mundo, em vez de sujeitar-se às influências de uma geografia em particular.

Ainda que o escopo temporal seja outro: ambientado no fim dos anos 1980, no processo de redemocratização, “Califórnia” é contado inteiramente do ponto de vista da jovem Estela (Clara Gallo, numa atuação e crível). As referências à cultura pop daquela década – e são muitas – vão de David Bowie a The Cure, passando por New Order e Joy Division. É possível que os espectadores mais maduros aproveitem a trilha sonora com mais facilidade.

low profile

Mas, ainda assim, o filme dialoga com a audiência jovem contemporânea por mostrar as incertezas e conflitos que comumente a afligem: a primeira paixonite, a desilusão amorosa, o clássico embate com os pais, o desinteresse pela escola e a tentativa de se ajustar numa sociedade em que muitas pessoas não são o que parecem. Tudo é mostrado de forma leve e cômica, até tudo mudar com a chegada do tio de Estela, o jornalista cultural Carlos (Caio Blat). É aí que a narrativa sofre uma guinada dramática: ele vem da Califórnia, onde a sobrinha sonhava passar as férias um dia (ela, inclusive, abre mão da festa de 15 anos para viabilizar o desejo), bastante magro e doente.

A palavra “Aids” não é mencionada até o último ato se aproximar (embora a alusão à doença seja clara demais para ser considerada uma revelação ou um spoiler), e mesmo assim direcionada a outra pessoa: Estela pergunta para um amigo, um sujeito novo na escola e considerado “estranho” pelas colegas de classe, se ele é gay. “Se você for, vai pegar Aids. É o que todo mundo está falando”, desabafa ela, numa inocência compreensível para aqueles tempos. “Uma coisa não tem nada a ver com a outra”, elucida o prafrentex JM (Caio Horowicz), para quem nada nesse mundo precisa ser “preto ou branco”.

À excessão dos pais de Estela, vividos por Paulo Miklos e Virginia Cavendish, Marina Person volta a sua câmera, na maior parte do tempo, para o elenco jovem. Ainda antes de a sessão começar, a diretora de 46 anos, que imprimiu em “Califórnia” elementos autobiográficos, pediu para que parte da equipe subisse ao palco do cinema. Eram quase 20 pessoas.

– Como vocês podem ver, é um grande elenco. Mas bastante jovem – brincou.

Antes da exibição de “Califórnia”, o público assistiu ao curta-documentário de Pedro Benevides, “Cumieira”, que acompanha o dia a dia de um grupo de operários trabalhando na construção de um prédio. A câmera evita olhar para os rostos dos trabalhadores. Em vez disso, prioriza outras partes de seus corpos, como pés e mãos, além de frequentemente retratá-los na contra-luz, criando o efeito de silhuetas – uma estratégia possivelmente utilizada para salientar o anonimato daqueles homens essenciais – mas muitas vezes mal reconhecidos – na transformação da paisagem de uma cidade.

– O filme foi rodado em João Pessoa, na Paraíba, e é sobre a operação de operários que constroem prédios lá, e também foca nas festas que acontecem nos canteiros das obras – explicou o diretor, o mesmo dos curtas “O guardador” (2007), “Família Vidal” (2010) e “A queima” (2013).

Embora o filme de Pedro Benevides tenha recebido muito menos convidados que o de Marina Person, “Cumeira” foi aplaudido duas vezes durante os créditos finais.

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