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Sobre tortas, cucas e psicodelia

Quem compreende que o mundo necessita de certos loucos pra gente ver e sentir e nós mesmos não entrarmos em colapso, deve conhecer Júpiter Maça. A maioria das pessoas já deu uma flertada com a loucura, no meu caso meu irmão me chama de “Miss Lexotan”. Eu sou muito recorrente nesses flertes.

“Miss Lexotan 6 mg garota” é uma canção de um desses caras que cantou e interpretou para evitar surtos generalizados, Júpiter Maça. Um músico de Porto Alegre que nasceu Flávio Basso e metamorfoseou em Júpiter Maça com o tempo. Essa música que fala de uma garota meio afetada que teme nunca ter amor de verdade é do disco de 97, “A Sétima Efervescência”. Inclusive esse disco em votação feita por críticos, jornalistas e produtores, para uma matéria da “Aplauso” publicada em 2007, foi eleito o melhor álbum do rock gaúcho.

Mas é importante lembrar que essa coisa toda da loucura era só uma ínfima parte de Júpiter, ele se auto declarava um gênio e na real, não era exagero. Ele construiu sua música de um jeito inovador, criativo e sem medo. Júpiter faleceu em 21 de dezembro do ano passado e o legado que ele deixou não foi a figura de um velho decadente (mas com estilo) com problemas com álcool, mas uma discografia incrível cheia de experimentações e psicodelia.

Flávio dá a luz a Júpiter

Sua primeira banda se chamava “TNT”, mas não foi lá muito pra frente se separaram antes de gravar o primeiro disco. Basso e outro integrante, Nei Van Sória, saíram pra formar o  “Cascavelletes.Durante sua curta carreira, entre 1987 e 1992,Os Cascavelletes causaram muito pelo seu som e letras irreverentes. O lançamento do álbum “Rock'a'ula” pela gravadora EMI-Odeon em 1989 traz à banda um reconhecimento nacional, com a música "Nega Bombom" fazendo parte da trilha da novela Top Model, da Rede Globo.

Durante um tempo, dos sons coletivos, ele ainda era o Basso. Saiu do Cascavelletes, voltou ao “TNT”, mas trabalhar em grupo já não dava. Flávio Basso precisava descansar e o Júpiter Apple tinha que nascer. E ele veio ao mundo com a carreira solo do músico e o disco “A sétima efervescência”. Apelidado de Bastardo da Psicodelia, o disco é um dos mais aclamados do rock nacional de todos os tempos.

Homenagem ao gênio, sem banalizar

Nesse sábado um grupo de músicos vai se reunir aqui em Goiânia, pra homenagear Júpiter no palco do Evoé café com livros. Diego Mascate, Dinho (vocalista dos Boogarins), Wassily e Eduardo Kolody vão tocar canções que marcaram a história do mestre Júpiter Maçã.

Eduardo fala sobre o significado de Júpiter para eles e dessa homenagem “Com certeza foi um músico importante para todo mundo que está fazendo a homenagem. Do meu ponto de vista é uma brincadeira, vamos lá ‘beber um velho amigo’, tocar umas músicas dele e se divertir. Não é uma apresentação ‘séria’”.

Com a banda Diego e o Sindicato, Eduardo abriu uma apresentação de Basso aqui em Goiânia e conta como foram seus encontros com o artista “Antes do bolshoi eu já havia aberto o show dele com a minha banda, a Orquestra Abstrata, uns 4, 5 anos antes eu acho. E já havia assistido ele ao vivo também. Porque essa banda era som psicodélico então tinha tudo a ver. Nessa época ele estava vivendo tarde na fruteira, tinha o cabelo colorido, se não me engano era laranjado. O som dele já era bastante influente dentro do que eu desenvolvia”.

“Nessa ocasião eu assisti o show inteiro sentado no palco, junto da banda. Foi transcedental, eu ainda era novinho” continua Eduardo Kolody. Pergunto se nesses encontros Júpiter mudou muito, a música, a postura, a energia. Eduardo responde “Muito. antes disso eu assisti um show que era power trio, bem mais enérgico. Na época do “Tarde na fruteira” ele estava mais lisérgico, mais lânguido, falava menos”.

Eduardo conta do show que abriu no Bolshoi Pub “Depois disso, na ocasião do Bolshoi ele estava ainda mais diferente. Eu fiz uma sessão de fotos com ele antes do show do, daí no dia do show dei uma de presente pra ele, impressa em tamanho bem grande. A gente conversou um bocado, mas ele já estava nessa fase meio ‘foda-se’ pra tudo, não foi uma conversa muito produtiva”. Na época dessa apresentação muita gente apontou o dedo pra Júpiter, tachando o cara de “Velho decadente”.

Sobre a marca de personalidade mais marcante no som de Júpiter Eduardo ressalta “Uma das principais características dele é o pastiche. Era uma pessoa capaz de fazer piada e imitar as coisas de muitas formas diferentes, isso é o mais marcante”.

Parte do caminho do Mascate

Diego de Moraes (ou Diego Mascate), que também vai homenagear Júpiter no show desse sábado, conta a participação de júpiter em sua vida e carreira. “Quando entrei no curso de História em 2004 e comecei a apresentar minhas composições por aí, foi que conheci o conjunto da obra dele. Antes já conhecia o "hino" um Lugar do Caralho e tal. Mas em 2005 foi a primeira vez que o vi pessoalmente. Em um show sensacional no Martim Cererê, no Bananada. Foi um show sensacional. Ele estava loiro. ‘Bandaça’ Tuderbird no baixo, Clayton na bateria, Ray Z na guitarra e ele mandou muito bem na guitarra. Estava acompanhado da Talita (esposa dele na época). Depois do show comprei das mãos dele o CD ‘Hisscivilization’’’.

Ele continua “Quando cheguei em casa, pirei com som, que era bem diferente do show que eu tinha visto. É o álbum mais genial dele, na minha opinião. Não é apenas algo ‘retrô’. É radicalmente inventivo, criativo, poético, poliglota. Sensacional. Quando eu morei em SP até contei essa história para a Talitha (citada em "Tarde na fruteira"). Ficaríamos amigos e até comporia essa cançãozinha com ela”.

Sobre a influência de Flávio Basso, Diego fala da importância do músico em seu caminho “O Júpiter foi fundamental (junto com outros mestres, como Dylan e o próprio Bowie - dois artistas "camaleônicos" que se foram nessa transição de ano) para abrir minha cabeça para outras possibilidades e pela busca pela mutação constante. Estar com as antenas ligadas. No caso do Júpiter, me foi crucial para abrir minha cabeça para a música brasileira, além da psicodelia. Depois dele pude reavaliar a própria tropicália, os mutantes e até a jovem guarda”

A história e canções de Júpiter são repletas de seus desajustes e problemas com álcool “Um grande mestre, com uma história trágica (como Raul Seixas e Sérgio Sampaio, que também foram assassinados pelo álcool) O fígado não aguentou. Fiquei bem comovido com a morte do Júpiter, pois ele é um dos meus pais. E meu pai biológico também se foi com cirrose”. Fala Diego.

Sobre o primeiro show que Diego e o Sindicato abriu pra Júpiter. “Em 2008 tive a honra de ser convidado pra abrir o show de lançamento do "Tarde na Fruteira" (que era uma espécie de continuação do sétima efervescência, nome do show de amanhã), no Bolshoi, como Diego de Moraes e O Sindicato. Eu estava todo contente, por ele ser um dos meus (anti) heróis e  um "gênio" (essa palavrinha tão banalizada, mas que pra ele se aplica, tranquilamente)”.

“Esse show no Bolshoi foi depois de outro show dele que dividiu opiniões, o Noise 2007. Eu achei um showzaço de rock'n'roll visceral. Mas muita gente já o achou perdido e decadente). Depois estive envolvido nos bastidores, no processo que pôde trazê-lo em 2011, aí sim um showzão que ele fez no Metropólis”.

Júpiter ainda é influência no trabalho de Diego, como ele relata. “E dia 11 de março farei o lançamento do CD da Pó de Ser ("A dança da canção incerta") no Teatro Sesc Centro. Nesse trabalho o Júpiter é citado na canção "Prisma", em que a gente faz uma panorama da cultura psicodélica e lisérgica.

Sobre os últimos tempos de Flávio Basso e um panorama sobre o peso que ele foi pra música Diego diz: “O Júpiter é um grande dos grandes, cultuado por vários artistas diferentes, embora algumas pessoas o viam como um bêbado decadente - até porque a última intervenção dele de maior repercussão foi a entrevista nonsense pro Skylab. Que eu, particularmente, achei sensacional, nesse nosso contexto atual tão hipócrita, de tanto falso-moralismo e da farsa do ’politicamente correto’, no qual a maioria dos artistas só querem sair bonitinhos na selfie. Falta artistas provocadores, que toquem nos tabus, que "desafinem o coro dos contentes" Caras como o Júpiter farão falta”.

Hoje a noite

Uma homenagem ao mito Flávio Basso, mais conhecido pelo nome de Jupiter Maçã, nada menos que Diego Mascate, Dinho (vocalista dos Boogarins), os feras, Wassily e Eduardo Kolody tocando canções que marcaram a história do mestre Júpiter Apple.

Não para por aí, ainda teremos uma baita discotecagem em vinil, com Heitor Vilela (Diário da Manhã), e com Dieguito de Moraes. Vai rolar projeção nas paredes do quintal, com vídeo clipes,  entrevistas e outros registros da vida do Júpiter.

Serviço:


Vacas Magras apresenta: A Sétima Efervescência

data: 13 de fevereiro

horário: a partir das 19h

Ingressos: R$10

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