Entre espadas e máscaras
Diário da Manhã
Publicado em 22 de março de 2016 às 21:39 | Atualizado há 4 meses
O cineasta japonês Kurosawa é considerado um dos mais importantes da história. Vários de seus filmes dos anos 1950 são apontados como um norte para o desenvolvimento do cinema moderno em vários aspectos: narrativa, edição, fotografia, direção de elenco, etc. Aborda temas universais como a natureza e os limites do comportamento humano, bem como o vazio e a solidão que pungem a existência e a busca pelo sentido da vida. Filmes como ‘Rashomon’ (1950), ‘Viver’ (1952) e ‘Os sete samurais’ (1954) são consideradas obras primas da sétima arte. Kurosawa recebeu um Óscar em 1990 pelo conjunto de sua obra, e foi considerado o asiático do século XX pela revista AsianWeek. Lançou seu último filme em 1993, cinco anos antes de morrer. Trabalhou por 57 anos com cinema, e desenvolveu ao todo 30 filmes.
Narrativa
Já no início dos anos 1950, Kurosawa reconfigurou os conceitos de estrutura e estilo no cinema. Com o filme ‘Rashomon’, conta uma história de estupro e assassinato sob quatro pontos de vista, inclusive o do morto, narrado através da moderação de uma médium. Através desta obra, Kurosawa traduz as diversas manifestações da personalidade humana, mostrando a facilidade que cada pessoa tem de elaborar a história que lhe convém. O filme passeia por quatro visões diferentes do mesmo acontecimento, mostrando a flexibilidade do comportamento dos protagonistas diante de situações rondadas pela perspectiva de futuro, pela morte ou pela sobrevivência.
‘Rashomon’ é baseado no conto ‘Dentro de um bosque’, escrito pelo célebre poeta Ryūnosuke Akutagawa (1892-1927), considerado o pai do conto no Japão. Ao tratar da relatividade da verdade de uma forma simples, através de bons atores e de uma montagem coesa, Kurosawa deu a resposta para várias questões que envolviam a fluência das histórias narradas no cinema da primeira metade do século XX. Também reintroduziu e explorou com maestria a ideia de uma narrativa dentro de uma narrativa, dentro de uma narrativa, entrelaçando pontos de vista, e jogando com os cortes e a expressividade dos rostos presentes no elenco. O filme foi premiado com o Leão de Ouro do festival de Veneza em 1951.
Emoções
Em ‘Viver’ (1952), Kurosawa expõe até as entranhas a busca pelo significado da vida, através do personagem central Kanji Watanabe. O velho dedicou mais de trinta anos à labuta burocrática dos papéis e não liga para nada que não faça parte de seus próprios interesses. Ele descobre um câncer grave, e seu status de condenado coloca-o em confronto com tudo que construiu até então. Ele sente que toda sua dedicação ao trabalho só lhe trouxe infelicidade e expectativas frustradas. Decidido a descobrir alguma pista sobre a importância de sua existência, ele decide construir um parquinho em seu bairro: uma atitude que, segundo sua mente confundida pela morte, poderia consistir num legado realmente útil para o futuro.
Kurosawa comanda com maestria um filme que faz emergir da tela pensamentos a respeito do legado pós-vida, através de cortes que acionam como nunca antes a percepção visual do espectador. O público é poupado de diálogos e narrativas em diversos momentos, pois eles são dispensáveis diante da expressividade das imagens. As emoções concentram-se no primeiro plano do filme, e dificilmente resta alguma dúvida sobre o estado de espírito de algum personagem perante aqueles que assistem. O medo da morte e o desespero por se fazer notável diante de um mundo onde todos parecem em constante e acelerado movimento individual foi outro tema assinado por Kurosawa a influenciar permanentemente o cinema.
Através de uma narrativa histórica, Kurosawa também foi capaz de introduzir uma nova maneira de se administrar o entretenimento. ‘Os sete samurais’ (1954) é considerado um dos melhores filmes da história do cinema. Com quase quatro horas de duração, ambientado no Japão feudal do século XVI, o filme conta a história de um velho samurai, contratado por uma aldeia para protegê-la dos constantes saques de bandidos. Ele conta com o auxílio de outros seis samurais para treinar a resistência dos moradores a um novo ataque. O filme é repleto de momentos de ação intensa, e sua ambição narrativa é simples, e nunca vai além do entretenimento.
Com ‘Os sete samurais’, Kurosawa implanta a ideia de que o perigo sempre explode quando tudo parece tranquilo. O filme foi responsável por uma grande influencia internacional, tendo influenciado gêneros consagrados do cinema americano, como o faroeste. O heroísmo e a violência nunca tinham antes brilhado tanto nas telas do cinema, e o entretenimento segura o filme durante todas as suas longas horas. No site Rate Your Music, o usuário Mleitner comenta de uma fórmula do sucesso criada por Akira Kurosawa em ‘Os sete samurais’ que foi exportada para várias indústrias cinematográficas do mundo: “as pessoas adoram uma história repleta de sangue, heróis e vilões”.