O espanto da criação
Diário da Manhã
Publicado em 30 de julho de 2016 às 03:01 | Atualizado há 9 anosUma palavra que me causa admiração é a palavra espanto. Ferreira Gullar usa essa explosão do sentimento para jorrar a sua genialidade poética. Ele diz que um choque emocional qualquer provoca as palavras. Então, esse espanto é o big bang da gênese que desenvolveu o Poema Sujo. Neste sentido, por ilação própria, a morte é o espanto criado por Deus para o espírito florescer na esperada viagem a outras paragens do Universo. Vivemos pendurados na beira do mundo até o mergulho definitivo para dentro do Ser. Aí a viagem é o espanto do corpo que morre para que o espírito sobreviva.
Outra lembrança da palavra espanto me vem à memória em uma fala de Amós Oz, escritor israelense, ao responder à pergunta se costumava nevar no deserto de Israel: “Ah, sim, a cada dois ou três anos. Você precisa ver a casa dos camelos! É quando entendo de verdade o significado da palavra espanto!” Esta palavra é recorrente em várias passagens da Bíblia. Na maçonaria, os rituais, como, por exemplo, na Lenda do Terceiro Grau, é um sinal aterrador diante da morte do Mestre Hiram Abiff. Neste episódio é o sinal de horror diante da terrível visão do fim. A acácia é o símbolo do vislumbre das trevas visíveis. No Real Arco o momento de espanto é quando o nome verdadeiro de Deus é revelado.
Conta-se que Michelangelo diante da estátua de Moisés teria dito alucinado: por que não falas? Passamos ao futebol-arte. Tostão, campeão de mundo com a seleção de 70, um craque que se formou em medicina e hoje escreve com poesia sobre o futebol, diz que o improviso é mais sublime do que a técnica. Nessa arte Pelé é o insuperável que causava arrepios de espanto na bola. Por causa dessa sutil diferença Pelé é mais do que o Rei do Futebol, é o Deus do Futebol encarnado no Edson. Do jeito que Tostão vê o futebol o jogador de talento recebe a bola e o lampejo criativo nasce de uma fagulha divina sem a lógica do raciocínio. A técnica é desenvolvida pela habilidade, o improviso é a inspiração que deixa sem ação o marcador.
O artista é. Daí o espanto de quem se toca com o estalar do dedo de Deus. Fernando Pessoa, Rubem Alves, Professor de Espantos, escreveram na alucinação do assombro. Por isso suas obras transcendem. Todos se encantam com a bela arte. Ela tem um quê sobrenatural que toca nossa alma e libera o espírito a viajar na magia do verbo.
Vivo a espera do momento em que o meu corpo espantado com a hora final vai liberar o espírito que me acompanha nesta vida. O corpo precisa morrer para o espírito resplandecer. Vim para cá à espera da morada eterna depois desta vivência. Seja qual for o lugar aonde irei, vou acordar com o espanto que Deus mandar. Lembro o apóstolo Paulo: “As coisas que vejo vão passar e as coisas que não vejo são eternas.” Avalio minhas falhas e tento corrigir o que está errado. Não é fácil, mas quero a concórdia na terra dos homens. Ninguém sabe para onde o vento do espanto vai soprar.
(Doracino Naves, jornalista; apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultura, PUC TV, sábado, 12h30. Reprise, domingo, 20h )