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Livro foca em lado literário de Marighella

Digite no Google o nome do guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969). Pronto: o verbete da Wikipédia dirá que ele foi um combatente da Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e lutara contra o Estado Novo – regime de inspiração fascista comandado por Getúlio Vargas, de 1937 a 1946, onde acabou sendo preso e torturado.

Também irá aparecer referências ao livro-reportagem “Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, do jornalista Mário Magalhães, ex-repórter e ombudsman do jornal Folha de São Paulo.

Por essas e por outras, Marighella é um dos nomes mais interessantes da esquerda brasileira. O guerrilheiro metia medo em seus pares, mas, especialmente, nos militares que foram atrás dele como vão atrás de uma fera: tanto que o comunista chegara a ser considerado pelos fardados o “inimigo público número 1” da ditadura.

São várias histórias, pensamentos e sentimentos que fazem desse ícone um personagem ainda hoje instigante. E a prova disso é o livro “Chamamento ao Povo Brasileiro”, lançado pelo selo Ubu Editora.

Escrito pelo filósofo Vladimir Safatle - filho do economista goiano Fernando Safatle -, o livro traz uma reunião de ensaios, cartas, manifestos e poemas que foram redigidos pelo guerrilheiro ao longo de sua vida.

A obra, que conta com 320 páginas, tem como objetivo manter vivo o pensamento de Marighella, além de permitir que o leitor faça paralelos entre os acontecimentos que se desenrolaram de 1929 a 1969 com os dias atuais. Há ainda a íntegra de “Por Que Resisti à Prisão”, publicado em 1965.

Com apresentação do crítico literário Antonio Candido e prefácio assinado pelo escritor Jorge Amado, o texto – desde a década de 1960 – é tido no meio literário um objeto raríssimo e, portanto, alvo de culto entre admiradores.

“Chamamento ao Povo Brasileiro” reconstitui, a partir das palavras de Marighella, a sua prisão durante uma sessão de cinema no Eskey-Tijuca - Correio da Manhã e Jornal do Brasil documentaram quando o militante foi baleado por policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), com a sala cheia de crianças.

Era maio de 1964. Marighella, que não era um guerrilheiro inexperiente e já tinha travado batalhas contra o autoritarismo, sabia que a ditadura iria perseguir opositores. E sem ter sequer uma acusação contra si, o comunista ficara detido como o “depósito 523”, passando a ser visto pelos militares como “objetivo depositado no almoxarifado”. “

Os brasileiros estão diante de uma alternativa. Ou resistem à situação criada com o golpe de 1º de abril ou se conformam com ela”, escreve Marighella, em “Por Que Resisti à Prisão”.

Veja bem: “Chamamento ao Povo Brasileiro”, uma obra relevante em tempos de intolerância, não poderia ser lançada num momento mais propício.

Afinal, a morte do ex-guerrilheiro completou no último dia 4 meio século e, conforme disse a este Diário da Manhã na última sexta-feira (8) o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Paulo Vanucchi, durante debate III Encontro Internacional do GT de Direitos Humanos Proifes-Federação na UFG, “Tiradentes levou 100 anos para ir de vilão a herói, Marighella conseguiu em 50 anos”.

Segundo Vanucchi, que foi um dos redatores do projeto “Brasil, Nunca Mais e atualmente faz parte da TVT, a chamada TV dos Trabalhadores, e da Rádio Brasil Atual, Marighella se tornou uma figura eterna e ele está com o nome garantido entre as maiores personalidades da história brasileira. “Pela voz de Caetano Veloso, Mano Brown, Wagner Moura, da juventude, das escolas, do MST, com enredos de escola de samba. E juntando com Marielle Franco. Os dois com a letra ‘l’dobrada, dois negros com sangue de zumbi na veia”, afirma.

Justiça

Marighella lutou incessantemente contra o autoritarismo. Na década de 1930, durante a Ditadura do Estado Novo, sob o comando de Getúlio Vargas, o comunista ficara no xilindró por um ano e, ao sair da prisão, voltou à clandestinidade. Entre idas e vindas, foi torturado e, ao ser instituída a redemocratização do País, em 1945, elegeu-se deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Mas logo voltara à ilegalidade e ocupara vários cargos na direção do partido.

Na década de 1950, conheceu o Comitê Central do Partido Comunista da China, após a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. Após o golpe que destituíra do poder do João Goulart, em maio de 1964, Marighella foi baleado por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) dentro de um cinema, no Rio de Janeiro. Jornais da época, como o extinto Correio da Manhã e Jornal do Brasil, noticiaram o caso: “Ex-deputado federal é ferido”, diz o JB. 

Marighella redigiu ainda o “Manifesto ao Povo” para ser lido na Rádio Nacional, emissora afiliada à Rede Globo. “Atenção, muita atenção! Senhoras e senhores: tomamos essa emissora para transmitir a todo o povo uma mensagem de Carlos Marighella”, falou o então estudante da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Gilberto Luciano Belloque. 

Sem dúvida, Marighella foi, sim, um herói e sempre se mostrou contrário aos interessantes mais sórdidos do capitalismo e do imperialismo que financiara a ditadura. O comunista foi, antes de qualquer coisa, um grande brasileiro, que botaria no bolso aqueles que se dizem patriotas nos tempos atuais.

Ficha Técnica

‘Chamamento Ao Povo Brasileiro’

Autor: Vladimir Safatle

Gênero: Não-Ficção

Editora: Ubu Editora

Preço: R$ 59,90

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