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Documentários com viés chapa-branca retratam vida de artistas de maneira chata

“Eu lembro que quando o Frejat falou comigo, eu disse a ele: ‘pô, mas como que é isso? Aí você sai e faz carreira solo, se não der certo você volta? Se der certo você não volta?’ Ficou uma dúvida ali”, é o que afirma o baterista do Barão Vermelho, Guto Goffi, ao ficar sabendo da saída de Roberto Frejat, então guitarrista, vocalista e compositor da banda, em 2001. Com o ar sério e de poucas palavras, Goffi lembra que ele e Frejat estavam na época passando por um momento de tensão, “o primeiro momento nosso de ruptura”. 

Essa cena faz parte do documentário “Barão Vermelho - Por Que A Gente É Assim”, filme de 2017 dirigido pela cineasta Mini Kerti e disponível na plataforma de streaming Netflix. Com uma hora e meia de duração, o longa-metragem mostra como a banda carioca foi formada nos anos 80, como era o período em que Cazuza comandou os vocais, como se deu a saída do letrista em 1985 e como rolaram as tretas entre os membros que ocasionaram na retirada do tecladista e fundador Maurício Barros após o lançamento do disco “Rock ´n Geral”, em 1987.

“Por Que A Gente É Assim”, longa que inicialmente foi produzido para ser veiculado no canal BIS, foge da cartilha chapa-branca sobre bandas e astros da música pop (nacionais ou não) que infestaram nos últimos anos os serviços de streaming. Feitos em parceria entre plataforma, produtora e artista, esses filmes quase sempre são vendidos ao público como obras reveladoras, mas não passam de pastiches mentirosamente exclusivos e bombásticos, e que tem como finalidade agradar o showbusiness e o mercado fonográfico. 

A lista de personalidades que têm documentários biográficos com esse teor nos streamings é longa: vai da estrela pop Lady Gaga ao pirata do rock Keith Richards, passando pela rainha do funk Anitta e pela visceralidade vocálica de Joe Cocker - esta, aliás, uma obra com foco na apresentação do grandioso intérprete no festival de Woodstock, em 1969. Obviamente que o clube dos 27 não passaria despercebido: “27 Gone Too Soon”, filme que aborda rapidamente a vida regada a excessos de Jim Morrison e companhia, também está no Netflix.  

É claro que não poderia deixar passar em branco os longas sobre Swift e Justin Bieber - os mais novos nomes do showbusiness a serem agraciados com obras biográficas. “Miss Americana” acompanha Swift desde quando ela era a queridinha da América  ao “cancelamento”, sendo acusada de mentirosa e alinhada aos conservadores. Já “Seasons” foca no momento conturbado de Bieber e a época em que ele começou a frequentar a igreja. É basicamente a volta do astro ao trabalho, quase um manual de auto-ajuda cinematográfico. 

Medalhão

As abordagens simpáticas da vida de astro da música pop não fica restrita apenas aos mais jovens. “Keith Richards: Under The Influence” é tão camarada que pode ser confundido com uma propaganda do disco “Crosseyed Heart”, lançado pelo dinossáurico guitarrista dos Rolling Stones em 2015. São clichês do tipo: como o blues salvou a vida de Richards e, a partir disso, como ele topou com Mick Jagger num dia aleatório e os dois conversaram sobre música e resolveram formar uma banda para tocar rock and roll.

No filme, faltam, acredite, histórias que façam parte do mundo roqueiro: epopeias sobre sexo, drogas e a rebeldia que a mítica figura de Richards representa até hoje para os jovens. A mesma coisa, porém, não se pode dizer do documentário “Rolling Stones Crossfire Hurricane”: do início do fim, o longa aborda os anos de loucura dos Stones, mostra como eram os shows recheados de álcool e cocaína na década de 1970 e explica - o que é mais importante - o que de tão diferente tem o som da banda britânica. 

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Capa do documentário 'The Rolling Stone: Crossfire Hurricane' - Foto: Reprodução

De certo modo, os documentários citados neste texto acabam tendo até roteiro e cenário parecidos. Mostra-se a boa relação do personagem principal com a família e com figuras importantes da indústria fonográfica, os bastidores daquela apresentação de gala (óbvio que o protagonista está nervoso, etc…) e o trabalho árduo para chegar ao topo e a responsabilidade de ser famoso. Como “Vai Anitta”, que mostra a cantora lapidando sua carreira e lutando contra a depressão - sem querer, por favor, minimizar os efeitos danosos dessa enfermidade. 

Com essas produções, é possível notar que entrevistas longas, em profundidade, estão sendo cada vez mais raras. Mas a falta de uma abordagem crítica por si só explica, por exemplo, a relação ora promíscua, ora complexa entre produtores e artistas que são escancaradas nestas obras. E para conseguir acesso a determinada personalidade, o documentarista eventualmente abre mão do que tinha pensado para ceder ao jogo. Quando mais perto se está da figura a ser biografada, menos se sabe sobre ela. É a regra básica de qualquer narrativa longa.

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